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Caldeirão da Bolsa

A Cultura da Cunha

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

por mandachuva » 7/1/2011 18:59

Considero a cunha um dos grandes causas do atraso da nossa economia. Não que ache relevante a injustiça de um profissional ser preterido por outro por motivos extra-profissionais, mas sim pelo facto de esta situação deixar o mérito de lado. De que vale o esforço de lutar por um melhor curriculo ou ser um bom profissional se isso não é o mais importante no recrutamento.

Logicamente que nas empresas privadas a cunha tende a ser consideravelmente menos expressiva, até porque a incompetência pagas-se caro.

O grande problema é na máquina do estado e empresas anexas. Por experiência própria constato que em regiões menos desenvolvidas do país, e uma vez que aqui os empresas privadas são em menor número, são as entidades públicas ou "semi"-publicas os maiores empregadores. Posso dizer que é praticamente impossível conseguir um contrato de trabalho ao nível de um funcionário licenciado sem ser por cunha. É claro que aparecem concursos por aí, mas na maioria dos casos é apenas para justificar a entrada de alguém conhecido ou que já lá trabalha de uma forma precária.

Quantos às consequências, dizia que não se trata apenas de levantar injustiças, mas sim promover a incompetência:

Primeiro porque quem entra não era o mais qualificado. (E note-se que por vezes nem se sabe se haverá alguem mais qualificado pois nao se procura. É habito quando se precisa de alguem, em vez de se colocar um anuncio ou concurso, ir perguntar ao círculo de pessoas proximas, amigos, colegas, etc "se se conhece alguem")

Segundo porque quem entra com cunha fica logo comprometido com o ou com a posição "do padrinho". Nunca será um profissional totalmente independente.

Terceiro porque quem dentro da instituição vê alguém sem competência entrar para um cargo superior ou equivalente, reduz logo o seu rendimento.

Enfim, conheço tantos exemplos que só de me lembrar...enfim foi só um desabafo
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por Zeb_PT » 7/1/2011 18:42

A meu ver existem duas coisas muito diferentes que as pessoas tendem a confundir, cunha e networking. A sua fronteira é muito ténue e antes que me comecem a atirar pedras coloco os seguintes comentários/questões:

- Imaginem-se a olharem para dois CVs aproximadamente iguais, um foi "recomendado" por um vosso funcionário que têem em conta, o outro foi uma candidatura espontanea, para qual dos dois sentem-se mais inclinados? Será que o facto de ter sido recomendado por alguem que têem em conta não é uma garantia importante a ter em conta?

- Imaginem agora que o cargo que é necessário preencher é um alto cargo, um director de marketing, ou um director financeiro. Não será ainda mais obvio que fiquem mais inclinados para preencher a vaga com alguem "de confiança" ao invés de contratarem um "curriculum"?

- Quantas vagas são preenchidas diariamente sem chegarem sequer a serem anunciados?
http://marketapprentice.wordpress.com

Para muito errar e muito mais aprender!

"who loses best will win in the end!" - Phantom of the Pits

Nota: As análises apresentadas constituem artigos de opinião do autor, não devendo ser entendidos como recomendações de compra e venda ou aconselhamento financeiro.
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Re: A Cultura da Cunha

por Elias » 7/1/2011 18:33

RiscoCalculado Escreveu:É contra os que a toleram, o que representará, mais coisa menos coisa, 99 por cento dos nossos concidadãos.


Talvez isso explique porque é que ele tem 1% nas sondagens :lol:
 
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por pdcarrico » 7/1/2011 18:28

Eu acho interessante o conteúdo e acho que concordo em parte. Até há bem pouco sempre recusei cunhas, desde há 2/3 anos que flexibilizei a minha tolerância talvez por amoralidade, ou noção de que dela poderia necessitar como único recurso para poder crescer .. pese embora não tenha ainda recebido nenhuma.

Mas no essencial acho que sou dos que a toleram, embora apenas em casos de cargos em entidades privadas, não por uma questão ideológica mas por duas razões simples: a primeira porque confiar numa indicação profissional de uma pessoa em quem se confia pode até nem ser tão arbitrário quanto avaliar alguém por uma entrevista ou CV. É evidente que em muitos casos a escolha se faz pelo apelido, e isso contamina toda a discussão, mas ao mesmo tempo também penso que já conheci várias pessoas competentes, que talvez não se vendam tão eficazmente numa entrevista ou num CV, e que serviriam de forma excelente para uma necessidade profissional que eu conhecesse. Eu não teria nenhum prurido em indicá-las. Se isso é uma cunha, então eu só posso dizer que a tolero.

A segunda razão é menos aceitável profissionalmente mas mexe com a liberdade empresarial. Eu posso censurar uma nomeação de um cargo público por cunha, mas não censuro um empresário de querer trazer para o seu espaço profissional um filho, um sobrinho, um amigo. Nesse particular, acho perfeitamente lícito e aceitável o processo de crescimento profissional do Paulo de Azevedo na Sonae. Naturalmente que se não fosse filho de quem é jamais seria o que é hoje.
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por FilRib » 7/1/2011 16:57

Bom artigo.
 
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A Cultura da Cunha

por RiscoCalculado » 7/1/2011 16:39

Um pouco no seguimento deste tópico
http://caldeiraodebolsa.jornaldenegocios.pt/viewtopic.php?t=73627
, aqui fica um bom texto de Daniel Oliveira
http://aeiou.expresso.pt/a-cultura-da-cunha=f623910

A Cultura da Cunha

O candidato Defensor Moura fez saber que concorre contra os portugueses que toleram a cunha. Repare-se que o candidato não concorre contra quem se socorre da cunha. Seriam apenas setenta por cento dos portugueses, o que ainda lhe deixaria trinta por cento para conquistar. É contra os que a toleram, o que representará, mais coisa menos coisa, 99 por cento dos nossos concidadãos.

O tema é bom. Mas só vale a pena se não nos ficarmos por declarações morais. A cunha é forma de fazer as coisas quando o rigor nos procedimentos não é a norma. Está a meio caminho para a corrupção, sem o ser ainda. Um país que se orgulha da sua capacidade de desenrasque não se pode envergonhar da cunha. Ela corresponde, nas decisões, ao improviso geral.

Deixo-vos aqui uma história pessoal. Uma banalidade. Há muitos anos, depois de ter feito, como editor, um programa de televisão, fiquei temporariamente sem emprego. E como me orgulho de nunca ter recorrido à cunha na minha vida profissional, fiz o que achava normal fazer-se quando se está desempregado: enviei para os jornais o meu currículo e um portefólio com os meus principais trabalhos. Rapidamente vários colegas levaram as mãos à cabeça. Não é assim que as coisas se fazem, disseram-me. Aquilo rebaixava-me. Dava ar de desesperado. Já tinha uns anos de jornalismo e devia, disseram-me, fazer saber de forma informal que estava disponível (desempregado nunca) e esperar ser convidado.

Sinceramente, não percebi muito bem o drama. Mas foram tantos os avisos que parei. E, de facto, umas semanas depois fui convidado para trabalhar num jornal. Insisti: antes de discutir as condições e o meu salário queria que soubessem mais de mim. Enviei o tal portefólio. Quando cheguei à entrevista para se acertarem as coisas percebi que já havia boa impressão. Fiquei, claro, satisfeito. Só que a conversa continuou e rapidamente compreendi que quem me estava a contratar nem tinha olhado para o que eu tinha enviado. Na realidade, nada sabia sobre mim de forma direta. Uma colega tinha dado boas indicações. E isso é que contava. Dava-se o caso da colega em causa, fiquei a saber, ser minha amiga. Claro que só diria coisas boas a meu respeito. E foi assim que comecei a trabalhar numa empresa onde quem me contratou mais não tinha sobre mim do que umas frases abonatórias. Isto apesar de ter tentado que as coisas fossem feitas de forma diferente.

A cunha - porque por mais voltas que se dê foi disso que se tratou - não foi tolerada nem procurada. Era apenas a forma das coisas funcionarem. Porque ler centenas de curriculos e de trabalhos, fazer dezenas de entrevistas e ir acompanhando, diariamente, o que colegas fazem noutras empresas, dá imenso trabalho. Porque avaliar as pessoas por o que elas fazem e não por o que se diz delas exige método, rigor e tempo.

A cunha não resulta de uma propensão nacional para a aldrabice. É a informalidade de quem não se organiza. E, num país pequeno onde toda a gente se conhece, a cunha é a forma das redes de contactos valerem mais do que o esforço e a competência. Ela tem efeitos na qualidade do que se faz ou na justiça das decisões que se tomam. Mas ela é, acima de tudo, um travão à mobilidade social. Quem está mais longe do poder não consegue empregos, é mais facilmente vítima de arbitrariedades, passa por calvários burocráticos a que outros são poupados. Basta olhar para os quadros das principais empresas, para os apelidos que se repetem e para a pequenez da nossa elite para perceber como essa rede informal é eficaz. E nas decisões administrativas passa-se o mesmo: se as regras não são claras e previsíveis e quem toma decisões não é rigoroso a aplicá-las a cunha subsitui a justiça. E é inevitável que assim aconteça.

Não basta não tolerar a cunha. Podemos e devemos continuar a fazer as coisas como se ela não existisse. Mas não chega, porque ela acaba sempre por se impor. A cultura do rigor nos procedimentos de quem tem de tomar decisões - políticas, administrativas ou empresariais -, seja no Estado ou no setor privado, é a única arma eficaz contra a informalidade das redes de contactos.

Para não me ficar pela critica, vale a pena dar um bom exemplo. Recentemente, a Câmara Municipal de Lisboa abriu um concurso público para o diretor artístico do teatro São Luiz. Várias pessoas, com excelentes currículos, concorreram ao lugar. Houve um júri que escolheu. Não interessa se se concorda ou discorda da decisão tomada. Interessa que aquele gesto - assim como todas as formas rigorosas de recrutamento de pessoal para uma empresa -, fez mais pela competência e pela justiça do que mil discursos éticos de combate à cunha. Uma pessoa que foi escolhida assim tem uma autoridade diferente. E será, ela própria, muito menos permeável ao "diz que disse" sobre a qualidade alheia ou à "atençãozinha para desbloquear uma situação".

Não basta condenar a cunha. Temos de nos bater pelo formalismo. Começando onde tudo tem de começar: como se contrata quem tem de tomar decisões. Curiosamente, sendo os políticos dos poucos profissionais sem qualquer fuga possível do concurso público - as eleições -, deveria ser muito fácil vir deles o exemplo. Infelizmente, como sabemos, não é assim. E, mais uma vez, a culpa só pode ser de quem os contratou. Ou seja, nós. Se os "contratamos" porque os achamos simpáticos ou boas pessoas, e não por o que defendem e por o que fizeram, como podemos esperar que sejam melhores do que nós?
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