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Caldeirão da Bolsa

Um longo caminho

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

por Ulrich » 14/1/2009 14:47

Boa tarde a todos

Sou um leitor diário do fórum,como não tenho uma formação académica em Ecomonia ,a minha participação é mais como leitor.
Eu considero que os assuntos económicos em geral são "o" barómetro por exelência dos tempos que se vivem, sendo um retrato social das relações entre os povos e nos próprios países.

Como acima foi referido,penso que o diagnóstico está feito em relação ao que está a acontecer, e sobretudo porque aconteceu.

O sistema bolsista foi ligeiramente desvirtuado, deixou de estar directamente virado para a capitalização das empresas para passar a ser uma forma mais eficaz de financiamento e rentabilização de diversos fundos dos países mais ricos(seguradoras e fundos de pensões).

Neste momento o mundo financeiro está nas mãos dos "baby Boomers" que tomaram as rédias do desenvolvimento mundial arquitetando uma "nova Idade Média", descrita por Alain Minc, em que o povo(todos nós)está subjugado a regras impostas,e não perceptíveis directamente,criando uma necessidade de consumo não justificada.

Como foi explicado acima, muito claramente, o excesso de liquidez, criou uma falsa ideia de que o Mundo pode cescer a 6,7,8,10 % ao ano.Os últimos acontecimentos mostram que não.

Com esse excesso de liquidez mundial, criou-se uma maneira de o utilizar:imobiliário.
Uma pessoa com casa própria torna-se parte integrante do sistema económico porque tudo é feito para a casa,energia,água, electrodomésticos, tecidos e derivados,alimentação, carro etc...

Através desta premissa toda a economia funciona no seu esplendor.
O resto já nos sabemos...

Na minha modesta opinião,este é um tempo de redefinição nos que diz respeito aos princípios básicos da vida em comunidade(globalizada).

Vamos observar alguns reajustes para melhorar o sistema económico-financeiro e ultrapassar mais uma crise, até à proxima...

Um abraço
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por Ulisses Pereira » 14/1/2009 13:19

Djovarius, parabéns por esta excelente reflexão, bem ao teu estilo.

Um grande abraço,
Ulisses
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por Crómio » 14/1/2009 10:59

Grande Djovarios!

Parabéns, o texto está uma delícia, nota-se o bom conhecimento de quem o escreve e consegue transmitir esse mesmo conhecimento.

Dois ou três finais de parágrafo estão excelentes, muito bem estruturado, como já alguém disse e uma visão global muito interessante difícil de apanhar num só artigo.

Acima das espectativas.

Continua com updates ou ideias complementares a este artigo, merece.

O CdB tem um punhado deles que valem oiro, tu és um deles.

Abraço e bem hajas por partilhares

PS: Artigos destes no DN? será que existe algo parecido?

PS2: O artigo do Michael Lewis está também delicioso, mas tive que apagar a luz antes de o acabar... fica para hoje... e o Poker's Lier... aiiii... mais um para ler...
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por StRuTcH » 14/1/2009 2:58

Boa noite Djovarius,

Antes de mais o meu obrigado por mais uma lição daquelas que até temos pena quando chega o fim! :clap:

E agora uma questão...
Nos tempos dificeis que se avizinham na economia real temo que o referido "retorno absoluto à posse do cash", e a consequente (mega)desaceleração da procura, empurrem o desemprego para niveis insuportáveis!

Será que isso nos poderá levar a um colapso ainda maior?


Cumps,
StRuTcH
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por Capitão Nemo » 14/1/2009 2:13

Excelente artigo :idea: :wink:

Mais uma razão para continuar a frequentar este espaço que é o Caldeirão da Bolsa, apesar de estar líquido à um ano.

É que preciso continuar a aprender e este post explica bem o momento que vivemos e como aqui chegámos.
Cumprimentos,

Cap. Nemo
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por Jiboia Cega » 14/1/2009 1:49

Muito bom djovarius!

Ainda não tinha lido nada que fizesse uma explicação global e consequente do que estamos a viver hoje como neste texto.

Obrigado
Jiboia.
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Excelente

por xtech » 13/1/2009 23:35

Os meus parabéns!!

Considero a análise excelente, e só demonstra que apesar de poucas, há pessoas que em vez de mandar uns bitaites se preocupam em escrever alguma coisa com qualidade!

:clap:
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por Branc0 » 13/1/2009 22:59

Um mimo :)

Continua que a malta gosta de ler e reler ;)
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por EuroVerde » 13/1/2009 22:52

DJovarius, muito obrigado pelo texto.

É uma avareza minha, mas deixo um gráfico do possivel rumo do S&P500 e DJ, um padrão que foi feito entre 1937 e 1942.
Anexos
DOW JONES INDUSTRIAL A.png
DOW JONES INDUSTRIAL A.png (30.25 KiB) Visualizado 3270 vezes
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por tmms » 13/1/2009 22:32

Parabéns djovarius! O texto está muito bom. Muito bem escrito e estruturado.

Li recentemente «O Colapso de um Bilião de Dólares» de Charles R. Morris (o primeiro livro da colecção Economia Aberta da Gradiva), cuja leitura aconselho a todos os que se interessaram pelo excelente texto do djovarius e desejem aprofundar esta temática.

Abraço,
Tiago
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por bráscubas » 13/1/2009 20:46

Análise muito interessante, que agradeço por partilhares.
Com base nos factos que enunciaste e assumindo que os pressupostos se confirmarão, que consequências se podem prever para a evolução do par Euro/ USD ?
 
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por Crómio » 13/1/2009 20:19

Edita, edita, prefiro sempre a última edição, revista pelo autor.

Este post é daqueles que se tem que imprimir para ler descansado no sofá ou na cama... vindo de quem vem... promete.

Até lá. :)

Abraço e obrigado desde já.
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Um longo caminho

por djovarius » 13/1/2009 20:15

Perdoem-me os que já estão fartos de ouvir falar e de ler sobre a "crise", mas a verdade é que "ela" deverá acompanhar-nos por mais algum tempo e influenciar as nossas vidas por um período para lá do que imaginávamos ser razoável.

Nesta fase, já correram litros e litros de tinta sobre este assunto. Possíveis culpados são mais do que muitos, candidatos a "novos gurus" alinham-se por todo o lado. Mas no meio do turbilhão, mentes sensatas apontam caminhos com a autoridade de quem viu o desastre a se aproximar sem nunca ter sido levado a sério. Nós por cá, contabilizamos meses e meses de leitura e análise. Nenhuma resposta pode deixar de ser polémica num ambiente tão conturbado. Nenhuma solução pode ser apelidada de milagrosa, totalmente certeza.

Entre as incertezas, uma realidade: a história, afinal, repete-se. Diferentes, só os contornos. As emoções humanas, ao contrário das tecnologias, nunca mudam ou sequer evoluem.

Tampouco muda a ganância, denominador comum de toda esta história.

Também se cometem muitos erros de análise quando se fala na linha do tempo. A crise financeira de 2007/2008 não cai do céu e é preciso recuar e muito para descortinar as origens desta verdadeira hecatombe. Entremos, pois, na máquina do tempo.

Quando Nixon decidiu fechar a janela do Ouro - impedindo que o dólar moeda alocado em reservas internacionais dos parceiros comerciais fosse redimivel por Ouro em barra, como nas décadas anteriores (na sequência de uma crise de confiança no US$ que levou a um aumento das solicitações nesse sentido) havia sido normal na sequência da Conferência de Bretton Woods (para uma informação concisa sobre o sistema em causa, a Wikipedia tem suficiente informação sobre o assunto), o que esvaziava os cofres de Fort Knox - abriu-se uma "caixa de pandora" nos mercados globais que jamais haveria de se fechar e cujas consequências, não eram perfeitamente previsíveis à época. O gesto daria à economia de mercado boas condições para a formação técnica de preços de qualquer activo, mas acabaria por abrir também as portas para o aumento exponencial de papel moeda em circulação, leia-se dólar, o que poderia criar instabilidade monetária e inflação, tal como veio a suceder, ampliada pela "monetização" do choque do petróleo (aumento do défice foi dolarizado, convertendo-se nos famosos petrodólares). O clima de recessão ou estagnação das Economias ainda foi combatido, sem grande sucesso, pelos sucessivos défices e pelo primeiro grande aumento dos agregados monetários da história económica contemporânea.
Uma receita de pouco sucesso, já que a espiral inflacionista não dava sinais de abrandar, até que Paul Volcker colocou a casa em ordem, aumentando os juros, devolvendo a confiança ao sistema, mesmo sacrificando dois anos de crescimento económico. Ainda hoje se atribui à disciplina monetária do início da década de oitenta, a criação de condições para os "booms" que se seguiriam, quase sem interrupção, nas duas décadas seguintes.

Perante o que temos assistido recentemente (que vivemos momentos históricos e de dolorosa transição, disso não restam dúvidas), já se vê que a disciplina de Volcker, não é tão relevante como se pode defender, porque não foi uma inversão definitiva da política monetária laxista que a antecedeu. No domínio da política real, a indisciplina fiscal e monetária passaria a ser regra, mais do que excepção, e a oferta de moeda (atenção: dinheiro não é "riqueza") em excesso passaria a fazer parte de um sistema, que se tornaria perverso. A economia real não se coaduna com inflação monetária, mas isso só seria óbvio perto do inevitável fim.

Antes do desastre, uma visão quase unânime era a de que a intervenção nas Economias com oferta de moeda era uma solução. Se algum país tivesse problemas, poderia ser socorrido com dólares. Se os mercados financeiros baqueassem, seriam socorridos com mais e mais dólares, se a despesa aumentasse, haveria de ser "paga" com dólares. Défices externos só seriam um problema para quem não tivesse dólares. E assim se construiu uma das mais brutais inflações de que há memória - no sentido em que inflação nada tem a ver com índices de preços (produção/consumo), mas sim com aumento da moeda em circulação.

Também é verdade que os acontecimentos das décadas de setenta e oitenta, não se comparam, em dimensão, ao que haveria de suceder depois. O que vale por dizer que o défice não é o problema por si só, mas sim o seu tamanho. Da mesma forma que baixar os juros em demasia pode não ser muito perigoso, mas manter um juro real negativo por muito tempo já é algo que pode ser totalmente perturbador.

É possível, mesmo correndo algum risco de especulação e erro, que o pânico resultante do "crash" de 1987, a recessão de 1990/1 e crises "localizadas" de instituições financeiras da época, tenham sido sinais para o futuro. Mas poucos ligaram e qualquer pânico seria permaturo. O sistema ainda tinha força. Na década de noventa, assistimos a variadas "bolhas", especulações e crises internacionais, à medida que o processo de globalização acelerava num mundo de grandes transformações tecnológicas. Foram anos em que se transmitiu a imagem de permanente felicidade, facilidades e de futuro sempre risonho, como se fosse possivel combater a natureza das coisas, leia-se os grandes ciclos económicos. A globalização e a abertura do comércio internacional permitiram uma melhor arbitragem dos preços. Isso em si é um factor de "desinflação", ou seja, mesmo num ambiente de excesso de moeda, é possível atenuar a subida dos preços de bens e serviços, graças ao factor concorrência em mercados abertos. Isto e também a teconologia de informação e as "redes". Perante este quadro, a excessiva criação de moeda deixou de parecer uma "aberração". Na realidade, o exemplo Japonês parecia revelador: o aumento de moeda não consegue mais impedir "deflação" e juros de mercado próximos de zero. Parecia até que teorias do passado estavam mortas e enterradas. Rapidamente se viu que era um sub-produto do excesso de poupança e défice de consumo. Haveria, pois, que estimular o crédito, o consumo e sobretudo promover o rápido crescimento global - o novo paradigma - só possível com a completa abertura dos mercados.

Ao mesmo tempo, assistir financeiramente os "mercados emergentes" em caso de necessidade, deixou de ser um problema para ser uma prioridade, disponibilizar crédito para todos era o mote, do modesto cidadão à Nação endividada mas ainda assim promissora. Neste quadro, tudo se resolveu: crises na América Latina, na "nova" Russia, nos "tigres" asiáticos, bem como se acudia a tudo o tudo aquilo que pudesse constituir "risco sistémico", como o colapso da LTCM ou as bolhas das "telecoms" e das "dot.com". O todo-poderoso dólar, a agilidade das instituições e dos Bancos Centrais foram dando conta do recado, apagando todos os fogos. Mas, mal se sabia, tal seria uma brincadeira comparado com o que estava para vir.

De facto, é já no advento do novo milénio que tudo se complica. O "estouro" da bolha do Nasdaq e da generalidade dos mercados accionistas mundiais de 2000 a 2002, teve um grande impacto psicológico, ao qual se juntou a pequena (?) recessão da época. Para piorar, o 11 de Setembro de permeio. A reacção das autoridades políticas e monetárias foi violenta. Juros a níveis historicamente baixos, liquidez em alta para combater a crise. Sem falar de outros "sustos" desses anos, como o caso Enron ou crises como a Argentina para dar "razão" aos que defendiam uma política ainda mais permissiva, maior crédito e juros reais negativos. Foi assim que assistimos ao longo da década ao aumento desmesurado da massa monetária e do crédito. Nunca os "ratio" entre criação de moeda/PIB ou concessão de crédito/PIB haviam apresentado valores tão desequilibrados.
Falando em desequilibrios, nada disto teria parecido tão "benigno" para o futuro, se não fosse o factor China. Não quer isto dizer que a China é a vilã ou causa última dos problemas, somente liderou uma vasta zona económica (nem sempre coincide com geográfica) que é responsável pela criação de uma brutal capacidade produtiva, sobretudo ao nível de vários produtos industriais (não só na área têxtil), que haveria de se tornar rapidamente excessiva. Junte-se uma dose de mão de obra abundante e barata e temos produtos e serviços "low-cost", ou seja, que não refletem a inflação monetária. Um fenómeno a que se chamou "exportação de deflação", algo a que os optimistas glorificavam como a grande vantagem da globalização da Economia e dos Mercados. Para sobremesa, a melhoria da produtivade ajudou à festa, graças sobretudo a diversas evoluções ao nível tecnológico.
O problema foi mesmo a quantidade de falsos sinais que esta situação originou: os Bancos Centrais, liderados sempre pelo FED norte-americano, embarcaram na teoria da "inflação benigna", com registos muito positivos ao nível dos preços ao produtor e consumidor. Era possível manter os juros reais negativos ou neutros durante mais tempo do que o normal (comparando com o passado) para permitir uma recuperação sustentada dos "sustos" económico-financeiros. E isso foi feito: já as Economias encetavam uma franca recuperação, ainda as autoridades fiscais e monetárias mantinham facilidades de tipo emergencial, absolutamente desfasadas de uma realidade nova. Mais uma vez pesou o factor China: para manter artificialmente um cambio fixo da sua moeda face ao USD, os Chineses adoptaram aquilo a que se chamaria o sistema "Bretton Woods II". Uma forte compra de activos financeiros dolarizados (maioria de títulos Tesouro dos EUA) para balançar o cambio bilateral sem aumentar o volume de moeda em circulação. Na prática, isto denunciou outro grave problema: o excesso de poupança / baixo consumo de uns, serviu apenas para realçar a falta de poupança / excesso de consumo de outros. Apesar de insustentável no longo prazo, durou o tempo mais que suficiente para induzir uma grave distorção ao nível das taxas de juro dos EUA e das maiores nações industrializadas e, mais tarde, até de uma forma generalizada. Se os títulos de melhor notação rendem pouco devido a juros baixos, aumenta o apetite pelo risco e a busca de rendimento. Começava a mãe de todas as bolhas !!

É prática corrente falarmos sobre o fim da bolha das acções ou de qualquer outro activo, sejam simples obrigações ou matérias-primas de base. Fala-se muito do "subprime" e da explosão da bolha do imobiliário. Mas todos esses vocábulos (a maioria tornou-se até popular graças aos telejornais) só fazem sentido por conta da verdadeira bolha - a do crédito excessivo.
A bolha do crédito tornou-se uma inevitabilidade. As baixas rendibilidades do "cash" e dos instrumentos de renda fixa de maior segurança empurraram os investidores para um jogo que nem sequer parecia perigoso. Mais e maiores investimentos em todos os mercados accionistas, incluindo os mercados emergentes. Idem para títulos de dívida, fossem soberanos ou privados, matérias-primas de base, enfim, imobiliário.
Daí até atingirmos o altíssimo risco, foi só um passo de caracol. É que a ganância humana não tem limites. Aliás, nunca teve, por isso agora não podia ser diferente. É a ganância que leva à fraude e às más práticas. Não demorou muito até à profusão de todo uma miríade de instrumentos financeiros alavancados ou não, cujo activo subjacente não passava de promessas de cumprimento de obrigações de crédito. Os maiores especialistas de mercados nunca chegaram a entender a natureza de certos instrumentos que haveriam de se tornar conhecidos como "lixo tóxico". Para alimentar sem limites a voraz bolha de crédito, libertavam-se capitais alocados a créditos anteriores para permitir créditos futuros e cada vez mais arriscados em troco da promessa de maiores rendibilidades, ao mesmo tempo que se diversificava o risco. Como? Simplesmente "inventando" novos títulos (uma espécie de "securitização" muito avançada), onde vários instrumentos de crédito seriam os activos subjacentes. Eram divididos em "tranches", sendo estas uma espécie de "bolo" com fatias diferentes entre si. A melhor fatia correspondia a títulos de crédito considerados de risco zero (títulos soberanos) e de menor rendibilidade. A próxima fatia seria de risco ligeiramente maior até atingirmos a fatia de máximo risco no fim da escala. Eis a fórmula mágica para repassar para os investidores algo que por si só não teria mercado algum. Mas misturando a parte "estragada" do bolo com a parte "saborosa" tornou-se possível vender esse mesmo bolo. Até um belo dia...
Quando a situação se tornou insustentável, sobretudo ao nível do crédito imobiliário de alto risco e do crédito rápido dos cartões de mensalidade mínima admitida, o sistema caiu, naturalmente, como um castelo de cartas. Afinal, já uma boa parte do "bolo" se encontrava "apodrecido" ao ponto de ninguém o querer adquirir, temendo que outras partes do mesmo podessem "não saber tão bem" como antigamente. Verdadeiramente ninguém sabia já que valor lhe poderia ser atribuído nestas condições. Sem investidores nestes instrumentos e com certos activos subjacentes a valerem literalmente zero por não haver sequer mercado para os mesmos, o sistema entrou em colapso. Era o fim de um caminho de sabujice, o levantar de um véu que, bonito na aparência, escondia todas as larvas dos mais aberrantes vermes.

Agora que mais esta, a mãe de todas as bolhas, entrou em agonia, podemos já começar a trilhar um novo caminho, recomeçando do zero? Não tão rápido assim, infelizmente. As ondas de choque de tudo o que se passou sobretudo nesta década não se vão embora de um dia para o outro. Temo até que ainda estejamos no príncipio das dificuldades em vários campos, mormente na Economia real. Vejamos a questão dos mercados.
Como justificar as pesadas perdas em todos os activos financeiros, excepto aqueles que significam segurança máxima, e o retorno absoluto à posse do "cash"?
Aqui, o exercício mental é bem mais simples do que a análise ao chamado "lixo tóxico". A crise financeira originada por tudo o que se disse acima é muito maior e mais profunda do que se poderia antever há um ano atrás. Até Nouriel Roubini (que sigo há muitos anos), que antevia uma grave crise, ficou um pouco surpreso pela velocidade e intensidade dos problemas que emergiram e que ainda vão emergir. Biliões evaporaram-se à medida que os preços de mercado dos activos começaram a cair. O capital escasseou e a confiança desapareceu. Houve necessidade de atrair capital, mas na impossibilidade de o fazer, os investidores foram praticamente "obrigados" a originar tomadas de mais-valias aqui e ali, sempre que possível, numa óptica de reforço dos delapidados capitais, vendendo mesmo aquilo que não gostariam de ter vendido. Vender, vender, vender, para preservar o capital. De uma cultura de alto risco até ao exagero, passou-se a uma outra, quase tão perniciosa, de aversão, até horror, ao risco, mesmo o mais baixo, ao ponto de se aceitar juro zero em troco de algo considerado de risco zero, como "bónus" do Tesouro dos EUA a 3 meses, quando até um empréstimo de um Banco a outro, renderia mais alguma coisa. Mas já nem o lobo confia no outro lobo.
Do ponto de vista puro do mercado, eu chamaria a isto, o maior movimento de "desalavancagem" de activos financeiros em muitos e muitos anos. Ao longo desta década, tivemos a oportunidade de abordar o fenómeno da "alavancagem" aqui no Caldeirão em inúmeras ocasiões. Como resultado dos já referidos juros reais baixos ou mesmo negativos e da forte criação de massa monetária e crédito, bem como numa última fase, do dito factor "reprodutivo" do próprio fenómeno do crédito (sistema bancário sombra), tornou-se "óbvio" que compensava largamente "pedir emprestado" onde o dinheiro fosse barato para aplicar em activos de maior rendibilidade, assim como o "carry trade" se tornaria numa estratégia de risco controlado.
No fundo, a depreciação de USD face à maioria das divisas (incluindo as de mercados de risco considerado mais elevado) ou a sua "desvalorização" face a todos os activos (quase sem excepção) denominados nessa moeda de referência, nada mais eram do que um sub-produto da referida busca por rendibilidade, ou de maior rendibilidade, se possível, do que a conferida pela simples "posse" desse "cash". O mesmo era demasiado abundante para constituir uma simples reserva de valor, mantendo-se como um meio de troca por produtos e serviços, mas também por todos os activos. Assim, nada de espantar, sobretudo no período 2002 - 2007, que perdas do USD correspondessem a valorizações de acções, "commodities" de toda a espécie, mercados emergentes, etc. A bolha do crédito permitia indirectamente alimentar pequenas e grandes bolhas aqui e ali.
Pior, mas fácil de reconhecer, o uso exacerbado do JPY e da sua também monstruosa liquidez a custo "quase-zero". Neste caso, até a taxa de cambio EUR/JPY acabaria por servir de "proxy" à totalidade dos mercados. Por vezes, como um relógio. Um por cento de apreciação (longa) desta "cross-rate" equivaleriam, muitas vezes, à mesma valorização de importantes índices accionistas ou outros activos de referência (e vice-versa). Quando algum desses activos ultrapassava o "proxy" em valorização, sinalizava a próxima bolha "sectorial", como foi o exemplo do crude, transaccionado em Londres e Nova Iorque, levando os investidores em manada a adquirir fortemente o dito activo, sob pena de perderem o comboio das valorizações. Dava resultado até para quem entrava só nas últimas carruagens, tal era a força desse efeito de alavancagem.

Mas como sabemos, o mercado tem dois sentidos. Pode demorar, mas chega o momento da inversão. O mesmo "intercidades" que vai de Lisboa ao Porto, também faz a viagem inversa e à mesma velocidade. Quem ficar na estação a pensar o contrário, ficará de boca aberta, imaginando porque é que não embarcou em nenhuma das viagens.
O brutal choque, como vimos, levou a uma intensa e desesperada busca por liquidez, entretanto desaparecida. As instituições tornaram-se desconfiadas e conservadoras. Quem tinha liquidez não a poderia ceder sob pena de dela precisar. Como já vimos, a melhor forma de socorro contra esta situação passou pela transformação de activos em "cash", em liquidez. Daí a força da "desalavancagem", ainda mais violenta e rápida do que o fenómeno anterior. Em poucos meses, assistimos à anulação do efeito de muitos anos. Tudo o que parecia artificial começou a ser expurgado dos mercados. Não é surpresa a desvalorização de tudo face ao USD e ainda mais face ao JPY, motores da alavanca. E é aqui que nos encontramos, neste novo ano. Ninguém sabe avaliar o quanto foi perdido, ninguém pode sequer calcular perdas "nocionais", que podem ser biliões, triliões até.

E assim chegámos à derradeira parte deste humilde ensaio. A resposta das autoridades a estes inusitados e inéditos fenómenos e as perspectivas imediatas.
Sabemos como os Governos entraram em pânico, em uníssono com as autoridades monetárias. Recuperar a liquidez perdida tornou-se uma prioridade para manter o sistema bancário em funcionamento bem como as funções básicas das Economias, que, por momentos, pareceram absolutamente paralisadas. Os Estados passaram a garantir Depósitos na íntegra para evitar um pânico generalizado e uma corrida aos Bancos, o que teria consequências catastróficas. Na verdade, aos poucos, recuperam-se os negócios interbancários e o pânico não dá sinais de surgimento. Mas o que não voltou e não parece voltar tão cedo é o dito "sistema bancário sombra" e a míriade de instrumentos de dificil compreensão. Mesmo os mercados mais sérios de securitização de títulos têm e deverão ter dificuldades em renascer nos tempos mais próximos, alimentando assim o conservadorismo e as cautelas extremas por parte das Instituições de crédito. Como tanto pôde mudar em tão pouco tempo. Quem diria que haveriam Nacionalizações e aumento desmesurado dos défices públicos? Quem poderia dizer que o pai Estado voltaria a ser exultado como o melhor pai do mundo?
Resultará? É aqui que devemos analisar as realidades com muita lucidez. Tudo o que está a ser feito resulta ao devolver estabilidade aos mercados e ao evitar um colapso da Economia. Mas duvidamos que os anos de 2009 e 2010 sejam suficientes para uma retoma da normalidade da esfera financeira global, já subtraída dos elementos "estranhos" de alto risco. Até porque desta feita, ao contrário das "crises" entre 1991 e 2002, mais liquidez, abundante e barata, não chegam para resolver os problemas. Chegámos finalmente oa ponto em que ninguém quer crédito porque não faz sentido obtê-lo. E quem poderia querer, não se qualifica para total. Uma realidade transversal a particulares e empresas.
Também os que esperam uma retoma económica relativamente rápida por via de grandes investimentos públicos, simplesmente esquecem-se que estes nunca foram um grande factor de crescimento, devido a factores burocráticos e de falta de eficiência. Serão mais um paliativo, nunca uma cura.
O que é fundamental para criar uma base e encetar uma retoma duradoura e sustentada, passa por expurgar todos os excessos. Há excesso de capacidade em todos os sectores de actividade, excesso de imóveis para venda, excesso de capacidade industrial, excesso de oferta dos mesmos serviços. E com a contracção da procura, tal torna-se ainda mais evidente. É necessário expurgá-los e isso não se faz num ano somente. Da mesma forma, subsistem excessos de crédito circulante e falta de poupança. Mantem-se aliás o velho problema: grande fosso do factor poupança, entre o Ocidente e o Oriente. E se a Oriente isso não deverá mudar, será aqui que deveremos assistir a um aumento da poupança e a cortes na obtenção de crédito. Algo que não vai ajudar à retoma no imediato. Dado que o desemprego ainda deverá aumentar até um ponto de estabilidade, o consumo deverá contrair. Temos tempos difíceis pela frente, que poderão ser dificultados em caso de instabilidade política, seja onde for.
A terminar, não confundir "desalavancagem" com deflação. Não há deflação alguma, pois isso seria falta de moeda. As restrições na concessão de crédito não significam escassez de moeda, apenas falta de confiança. Toda e qualquer diminuição de preços (mesmo ao consumidor) são ainda um sub-produto da inversão da alavancagem que originou sucessivas bolhas de inúmeros activos, o que se reflete no bolso do consumidor em alguns momentos. Continuamos a assistir, isso sim, a inflação monetária global, cortesia dos Bancos Centrais. A diferença é que tal não se reflete agora nos preços dos activos, pois a aversão ao risco implica agora o afastamento dos activos potencialmente lucrativos (foram no passado recente) e o açambarcamento do "cash". A posse de dinheiro não implica em risco e rende juros, por baixos que sejam. O ambiente recessivo é por natureza deflacionário ao nível dos preços, nem que seja pela falta de investimento e consumo. Assim, espero que muitos preços retornem a níveis não vistos em mais de uma década, sejam acções de várias empresas (já ocorre), sejam activos imobiliários (depende da região ou país), entre outros exemplos.

Em breve editarei este tópico com alguns detalhes, mas entretanto deixo um link para um artigo imperdível sobre os procedimentos em Wall Street.

http://www.portfolio.com/news-markets/n ... reets-Boom


Abraço

djovarius
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