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Terrorismo islâmico: do anti-comunismo ao jihad anti-EUA

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

Terrorismo islâmico: do anti-comunismo ao jihad anti-EUA

por MozHawk » 15/3/2004 13:13

Vou deixar aqui uns excertos de partes importantes do Relatório Anual do IFRI de 2003, o qual contém ainda muita matéria perfeitamente actual sobre este fenómeno. À medida que tiver tempo, irei dando continuidade a este thread.

Um abraço,

MozHawk


Terrorismo islâmico: do anti-comunismo ao jihad anti-americano

OS atentados de 11 de Setembro de 2001 acabaram por constituir o expoente máximo de uma orientação estratégica adoptada pelos movimentos radicais islâmicos em meados da década de 80, época em que se encontravam concentrados no Afeganistão os combatentes da jihad contra o Exército Vermelho. Sob a égide dos EUA e das petro-monarquias da península arábica, os activistas mais determinados provenientes do Egipto, Argélia, Arábia Saudita, Paquistão, Sudeste Asiático…e, por vezes, dos subúrbios europeus, constituíram na altura brigadas islâmicas internacionais. Estas brigadas canalizavam e focalizavam a sua violência militante contra os «comunistas ateus» da União Soviética, desviando-se assim das sirenes khomeinistas que incitavam o mundo islâmico à rebelião contra o «grande Satã americano».

Para os EUA e Estados muçulmanos conservadores aliados de Washington, a jihad afegã permitia em simultâneo manietar a União Soviética infligindo-lhe um «Vietname» fatal e evitar que o Irão revolucionário conquistasse uma hegemonia junto de uma onda de choque islâmica em plena expansão por todo o mundo. Este duplo objectivo foi plenamente atingido. A 15 de Fevereiro de 1989, o Exército Vermelho retirava-se sem glória do Afeganistão, prelúdio do colapso definitivo do sistema comunista, em que a queda do muro de Berlim, no Outono de 1989, viria a ser o seu catalizador. Quanto ao Irão, não foi bem sucedido no objectivo de exportar a sua revolução no mundo muçulmano – à excepção notável do sul libanês xiita. No verão de 1988, Khomeiny acabou por tomar a decisão de assinar um armistício com Saddam Hussein (então protegido do Ocidente e das monarquias petrolíferas árabes) ao fim de 8 anos de uma guerra mortífera de trincheiras, renunciando ao seu sonho de instaurar uma república islâmica irmã em Bagdad (nota: 15 anos depois, pela mão dos EUA, aliados e do regime democrático é bem possível que tal venha a acontecer…).

Visto de Washington, a jihad no Afeganistão representou uma dupla vitória e foi ouro sobre azul. Não houve uma intervenção directa das forças armadas americanas, ausência de militares mortos em combate ou feitos prisioneiros – nenhuma mãe de soldado, nenhum objector de consciência fez pressão sobre o executivo – contrariamente ao que aconteceu aquando do envolvimento na guerra do Vietname. Os que combateram no Afeganistão são barbudos estrangeiros, baptizados na ocasião como freedom fighters, em nome da luta contra o «império do mal». Eles não representavam qualquer impacto ao nível da política interna americana, onde não havia qualquer preocupação quer sobre a sua identidade quer sobre o seu destino: a sua morte em combate, quando ocorria, não tinha qualquer importância. No meio desta indiferença generalizada, eram abertos centro de recrutamento para a luta no Afeganistão por militantes em pleno território norte-americano: recolhiam os donativos, recrutavam entre os estudantes muçulmanos nos meios universitários e realizavam digressões em solo norte-americano de oradores provenientes do Médio-Oriente. Esta batalha final contra a União Soviética através da jihad não custou quase nada ao contribuinte norte-americano; as estimativas comummente aceites apontam para um orçamento na ordem dos 1.200 milhões de dólares norte-americanos por ano – em que 50% eram financiados pelos países do Golfo Pérsico – representando uma soma irrisória para os objectivos em causa.

Esta vitória americana tem uma formidável ambiguidade: os dirigentes americanos acreditaram que poderiam instrumentalizar a jihad e os seus actores, para em seguida se desembaraçarem deles assim que o perigo soviético desaparecesse. Assim, a partir de 1989, os famosos freedom fighters ontem exaltados transfiguraram-se repentinamente, pela leitura da imprensa do outro lado do Atlântico, em traficantes de droga vilipendiados. Os subsídios que recebiam foram suspensos já que se acreditava que, por falta de financiamento e apoio de Washington, estes grupos evaporar-se-iam. Mas a caixa de Pandora da jihad já tinha sido aberta. E, com o 11 de Setembro de 2001, os EUA acabaram por experimentar quase em larga escala, o choque em ricochete do fenómeno que ajudaram a engendrar na década de 80. O massacre de milhares de civis no World Trade Center e no Pentágono foi o preço a pagar, com um desfasamento de uma década, pela ausência de baixas mortais americanas da jihad contra o Exército Vermelho.

O processo que levou os radicais islâmicos da jihad contra a União Soviética à jihad contra os EUA é complexa: misturam-se doutrina e geoestratégia, no meio das manipulações dos serviços secretos de origens diversas. Neste último domínio, há apenas alguns dados raros, subsistindo mais perguntas que respostas. Com estas reservas feitas, é de qualquer maneira possível reconstruir com prudência o encadeamento dos acontecimentos que levaram à realização do ignóbil dia 11 de Setembro de 2001.

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