O amorável conclave
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O amorável conclave
O amorável conclave.
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Baptista Bastos
No remanso dos claustros do Convento do Beato quinhentas eminentes personalidades, com reverente mesura à economia e o palpitante coração devotado à Pátria estremecida, discutiram o nosso colectivo marasmo.
No remanso dos claustros do Convento do Beato quinhentas eminentes personalidades, com reverente mesura à economia e o palpitante coração devotado à Pátria estremecida, discutiram o nosso colectivo marasmo. Iniciativa ornada de inigualável nobreza, e cujo vigor inventivo mobilizou alguns atilados espíritos. O conciliábulo levava um título misterioso, poético e imperativo: Compromisso Portugal.
De vez em quando, num impulso quase religioso, grupos de portugueses, apoquentados com a deriva da nação, decidem reunir-se em conclaves. Desde meados do século XIX, até agora, o sobressalto manifesta-se numa enternecida intimidade de propósitos certamente estimáveis – mas atrozmente inúteis.
“A análise da crise está feita, é preciso passar à acção”, disse um dos intervenientes. Não se percebe muito bem o sentido rigoroso da frase, porventura fecunda, decididamente sóbria, demonstradamente inócua.
“Passar à acção” significa acabar com o desemprego; desenvolver a educação; criar condições para o incremento harmonioso das nossas faculdades naturais; remover a exclusão; colocar no banco dos réus os milhares de “empresários” que fogem ao fisco; enfiar na cadeia aqueles que encerram fraudulentamente fábricas e embolsam o dinheiro que lhes foi atribuído pelos fundos europeus?
Não me parece que seja este o desiderato do amável e conversador conclave, mais propenso a regozijar-se com os prestígios do “mercado” do que em atentar na norma do velho Max Weber: “Todo o lucro só o é, quando é de todos o lucro”. Não o tem sido. Os portugueses ganham menos e trabalham mais do que os espanhóis.
Quanto ao desemprego em massa, o Governo não montou os mecanismos de defesa que atenuassem os seus monstruosos efeitos, como fez o governo de Aznar.
Longe do rumor da rua, afastados do tumulto inculto e rude, no piedoso ambiente do Convento, os quinhentos ilustres associaram as vozes para, em coro, apoiar as reformas do Governo – as quais, como se sabe, são escassas, medíocres, ineptas e inclinadas a beneficiar uma das partes do todo.
“Mudar as práticas, para tirar a Pátria da cauda da Europa” – a frase é boníssima, e até parece uma austera citação latina. Porém, trocadas as cortesias, postos de lado os cumprimentos galantes e solenes, que resultou do impetuoso Compromisso?
Um relatório triunfal, um documento de análise e reflexão, uma crítica fria e rígida que alerte para o incomparável desastre que se avizinha, um texto poemático plangendo sobre o Portugal desquerido e só? Não. Exige-se, isso sim, uma “flexibilização” “mais adequada à nossa época.” O pequeno inconveniente é que o movimento sindical dilata-se e engrandece-se.
A liturgia tem próximos precedentes. Em Maio de 1994, Mário Soares accionou o famoso “Portugal: que Futuro?”; e, em 1995, o ânimo organizativo de Gomes Mota, mais o “aparelho” do PS, promoveram os “Estados Gerais”, malicioso isco destinado a projectar António Guterres para primeiro-ministro.O País estava farto de Cavaco e, para se ver livre dele, era capaz de consagrar santo qualquer avantesma que lhe aparecesse pela frente. Em ambas as iniciativas residia um propósito determinado: remover o PSD do Governo.
Este Compromisso Portugal, foi, de certeza, um projecto emocionante e vistoso; todavia, à semelhança de um excêntrico que lança a sua peculiar excentricidade, serviu, somente, para causar a hilaridade, aumentar a confusão e justificar o descrédito das suas intenções.
Não há possibilidade de equívoco: foi uma assembleia corporativa, a que se juntou, em amorável confraternização, no mimoso ambiente do Convento do Beato. O compromisso teve a ver com o Portugal dos números, não com o Portugal dos portugueses
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Baptista Bastos
No remanso dos claustros do Convento do Beato quinhentas eminentes personalidades, com reverente mesura à economia e o palpitante coração devotado à Pátria estremecida, discutiram o nosso colectivo marasmo.
No remanso dos claustros do Convento do Beato quinhentas eminentes personalidades, com reverente mesura à economia e o palpitante coração devotado à Pátria estremecida, discutiram o nosso colectivo marasmo. Iniciativa ornada de inigualável nobreza, e cujo vigor inventivo mobilizou alguns atilados espíritos. O conciliábulo levava um título misterioso, poético e imperativo: Compromisso Portugal.
De vez em quando, num impulso quase religioso, grupos de portugueses, apoquentados com a deriva da nação, decidem reunir-se em conclaves. Desde meados do século XIX, até agora, o sobressalto manifesta-se numa enternecida intimidade de propósitos certamente estimáveis – mas atrozmente inúteis.
“A análise da crise está feita, é preciso passar à acção”, disse um dos intervenientes. Não se percebe muito bem o sentido rigoroso da frase, porventura fecunda, decididamente sóbria, demonstradamente inócua.
“Passar à acção” significa acabar com o desemprego; desenvolver a educação; criar condições para o incremento harmonioso das nossas faculdades naturais; remover a exclusão; colocar no banco dos réus os milhares de “empresários” que fogem ao fisco; enfiar na cadeia aqueles que encerram fraudulentamente fábricas e embolsam o dinheiro que lhes foi atribuído pelos fundos europeus?
Não me parece que seja este o desiderato do amável e conversador conclave, mais propenso a regozijar-se com os prestígios do “mercado” do que em atentar na norma do velho Max Weber: “Todo o lucro só o é, quando é de todos o lucro”. Não o tem sido. Os portugueses ganham menos e trabalham mais do que os espanhóis.
Quanto ao desemprego em massa, o Governo não montou os mecanismos de defesa que atenuassem os seus monstruosos efeitos, como fez o governo de Aznar.
Longe do rumor da rua, afastados do tumulto inculto e rude, no piedoso ambiente do Convento, os quinhentos ilustres associaram as vozes para, em coro, apoiar as reformas do Governo – as quais, como se sabe, são escassas, medíocres, ineptas e inclinadas a beneficiar uma das partes do todo.
“Mudar as práticas, para tirar a Pátria da cauda da Europa” – a frase é boníssima, e até parece uma austera citação latina. Porém, trocadas as cortesias, postos de lado os cumprimentos galantes e solenes, que resultou do impetuoso Compromisso?
Um relatório triunfal, um documento de análise e reflexão, uma crítica fria e rígida que alerte para o incomparável desastre que se avizinha, um texto poemático plangendo sobre o Portugal desquerido e só? Não. Exige-se, isso sim, uma “flexibilização” “mais adequada à nossa época.” O pequeno inconveniente é que o movimento sindical dilata-se e engrandece-se.
A liturgia tem próximos precedentes. Em Maio de 1994, Mário Soares accionou o famoso “Portugal: que Futuro?”; e, em 1995, o ânimo organizativo de Gomes Mota, mais o “aparelho” do PS, promoveram os “Estados Gerais”, malicioso isco destinado a projectar António Guterres para primeiro-ministro.O País estava farto de Cavaco e, para se ver livre dele, era capaz de consagrar santo qualquer avantesma que lhe aparecesse pela frente. Em ambas as iniciativas residia um propósito determinado: remover o PSD do Governo.
Este Compromisso Portugal, foi, de certeza, um projecto emocionante e vistoso; todavia, à semelhança de um excêntrico que lança a sua peculiar excentricidade, serviu, somente, para causar a hilaridade, aumentar a confusão e justificar o descrédito das suas intenções.
Não há possibilidade de equívoco: foi uma assembleia corporativa, a que se juntou, em amorável confraternização, no mimoso ambiente do Convento do Beato. O compromisso teve a ver com o Portugal dos números, não com o Portugal dos portugueses
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