Já chegamos a meio da “década problemática”, já bem longe dos tempos da “corona-crise” onde o tempo parecia não passar, mas ainda com as problemáticas e as perplexidades que lhe seguiram, inflação, elevação de preços, guerras (ainda mais guerras, fome e miséria para muitos) e muita agitação política tanto no mundo desenvolvido como nos terceiros mundos que teimam em não deixar de o ser.
Ainda assim, vamos ter seguramente, nos próximos tempos, momentos de clarificação em relação a alguns dos assuntos que têm perturbado o bom andamento de várias sociedades. Não há mal que sempre dure, nem bem que não se acabe – já diziam os antigos. Parecem finalmente estar reunidas algumas condições para pôr um fim a vários dos males que atormentam a esfera geo-política global. Não só na Casa Branca, mas também noutras latitudes, há quem esteja disposto a tomar medidas nesse sentido. Isso seria excelente para mudar as perceções (e realidades) sobre muito do que vemos como negativo.
É verdade que a instabilidade não foi suficiente para derrubar os mercados, antes pelo contrário. Já tínhamos visto isso no ano anterior, voltámos a vê-lo no ano que agora terminou.
Na verdade, há um ano atrás, tínhamos escrito o seguinte e passo a citar:
“Há um ano atrás usámos esta frase: Enfim, depressa muda o zeitgeist nestes tempos de agitação e confusão. Foi o que se passou nos mercados, creio que nada vai mudar. Os mercados continuarão instáveis, ainda que os touros sejam mais fortes ao final do dia”.
Pois é, assim foi. A instabilidade não diminuiu em relação ao ano anterior, mas os touros foram até mais fortes do que alguém poderia prever.
Por outro lado, um pouco depois, afirmei o seguinte: “Os mercados podem ter exagerado na antecipação dos melhores cenários. Neste caso, a margem para a valorização dos ativos de risco poderá ser agora, sim, muito diminuta.”
Aqui é que eu, entre muitos outros, errei. Na verdade, o mercado exagerou na antecipação dos melhores cenários, os quais passavam pela queda dos preços e, por conseguinte, dos juros por parte das autoridades monetárias. Essa parte é verdade. Mas isso não impediu uma maior valorização (muito ampla) dos ativos de risco, com natural destaque para os mercados acionistas. Portanto, os mercados conseguiram passar ao lado de uma certa desilusão com as previsões, passaram ainda ao lado de um menor crescimento do PIB, notório à medida que o ano avançou, tendo obtido então valorizações excelentes (nem todos, claro), ainda mais surpreendentes atendendo às valorizações anteriores. Nos primeiros cinco anos da década, o índice S&P 500 (o melhor dos exemplos) ganha em quatro desses cinco, só perde em 2022. Por isso, ainda mais espantoso o que se passou em 2024. No total da primeira metade da década, estamos a falar de quase a duplicação de valor. Perante os cenários a que temos assistido, isso é algo que poucos poderiam antecipar, até alguns dos sempre otimistas, os ditos “perma-bulls”. Eu penso que estava certo, mas provavelmente cedo demais, o que, nos mercados, é a mesma coisa que estar completamente errado.
Na verdade, isto foi mais surpreendente em 2024 atendendo a que muito do que se considerava positivo já parecia descontado, mas a verdade é que certos mercados perderam ou não ganharam, refletindo os seus problemas internos, enquanto outros mostravam forte exuberância, sobretudo os das grandes “tecnológicas”, praticamente alheios a qualquer sentimento negativo.
Por outro lado, assistimos ao regresso da confiança aos ativos de risco muito mais elevado, veja-se a evolução dos criptoativos ao longo do ano.
Para 2025 espero uma desilusão dupla: creio não ser difícil de antever a frustração de podermos assistir a um crescimento do PIB inferior ao esperado. O que pode ajudar a essa contrariedade? O facto de os preços não caírem como esperado. A alta dos preços ao produtor e até ao consumidor poderá claramente inverter a tendência de moderação. Já há mesmo alguns sinais nesse sentido. No melhor cenário, a descida da inflação continuará a passo de caracol. Isso deverá ser o suficiente para assustar os principais Bancos Centrais. Já ocorre no Reino Unido, Brasil, etc… creio que na zona EUR e até nos EUA isso será um problema em 2025 – os juros poderão mesmo parar de descer e os juros definidos pelo mercado não só não deverão descer como poderão continuar a subir, a não ser que ocorra uma recessão.
Na realidade, o mundo não será todo igual. Teremos crescimento nalguns lugares e estagnação noutros. Isto já se nota e deverá ser (novamente) notícia no novo ano. Nada impede que uma grande Economia cresça acima de 2% e outra pouco mais que zero. A grande incógnita deverá ser o contágio. As Economias em estagnação acabarão ou não por “contagiar” as melhores? Ou será o contrário? Como irão as autoridades monetárias (e as políticas) reagir a este difícil equilíbrio, em que se procura um “mix” de crescimento e preços estáveis?
E se os preços continuarem a crescer acima de 2% ao ano? E se essa for uma realidade que veio para ficar? Nada é impossível num quadro de pressão altista das matérias primas em conjunto com as pressões salariais!! Num quadro desta natureza, seria até possível o regresso aos juros reais negativos caso o PIB esteja estagnado ou lá perto. Desta vez, porém, sem possibilidade de injeções de liquidez, as quais os mercados adoram, mas que não são uma opção com os preços pressionados em alta. Podemos viver com subidas anuais de preços na ordem de 2 – 3% ao ano? Podemos, mas não é aconselhável num quadro de fraqueza económica. Uma mini “estagflação” seria um pesadelo.
Neste mundo que não será todo igual importa saber acompanhar melhor o que pode ser diferenciado. Não são só os índices acionistas tão díspares entre si, a dita “desconexão” dos mercados. Também no âmago de cada índice, voltaremos a ter comportamentos radicalmente diferentes. Saber investir nos que mostram mais força e potencial pode ser uma arte, considerando um ambiente mais complicado para os investimentos em geral. Eu diria que poucos títulos se vão salvar da estagnação, pelo que é preciso identificá-los primeiro. Nada fácil, diga-se. Creio que, após dois anos muito positivos, após uma primeira metade da década deveras positiva, as valorizações já descontam em demasia o futuro sucesso. É bem possível que ocorra um choque com a realidade. É verdade que a exuberância (irracional?) pode demorar mais do que se pensa. Não faltam exemplos disso. Mas eu diria que com um ano mais fraco do que os anteriores poderíamos aliviar a sensação de que há novas “bolhas” à solta. Isso seria o ideal para o longo prazo. Se assim não for, se continuarmos só com touros alegres, vamos mesmo ter uma bolha a rebentar nas mãos um dia qualquer.
Mas não, creio que haverá mais medo e volatilidade do que nos últimos tempos. Algo de que não se fala mas vai acabar por ser assunto em breve é o excesso de endividamento: não são só as chamadas dívidas soberanas, mas sobretudo essas. Há cada vez mais desconfiança. Veja-se o “spread” de certos títulos de dívida. Se nada for feito (questão política), podemos ter aqui e ali momentos de aflição. França e Brasil são exemplos disso, tal como o Reino Unido em menor escala. Nem queria falar dos EUA. Estamos a falar de Economias de grande relevância. Qualquer coisa menos boa pode levar a um contágio ou, pelo menos, a elevados níveis de “stress”. Se até agora foi possível assobiar para o lado, pode ser que no futuro seja diferente.
Enfim, o mundo não é todo igual e até os mais parecidos têm hoje enormes diferenças.
Finalmente, também há que deixar uma nota positiva: é possível também que o novo ano nos traga, aos poucos, mais tranquilidade global e redução da conflitualidade militar e política. Nesse caso, poderíamos até assistir a uma nova onda de otimismo, novas perspetivas, promessa de investimentos. Até que ponto isso iria se refletir nos mercados é também uma incógnita muito grande.
Com isto tudo, quando se fala em ativos de risco, estou agora mais neutro e até olho para baixo. Outro particular a que devemos estar atentos, preços gerais de matérias-primas e do dólar. A força constante do dólar tem sido um sinal de confiança, refletindo também a procura por valor e rendibilidade. Quem não acha piada a esta força, são os chamados “emergentes”. Quem sabe se algum evento disruptor não terá origem num desses mercados?
Há muitos sinais nos mercados que servem tanto para touros como para ursos, mas ao longo do ano veremos para onde a balança pende. Desconfio que não teremos que esperar muito tempo.
Agora uma série de gráficos com ativos muito importantes a que damos muita atenção. Os comentários estarão em cada um dos ditos gráficos.
Este é um tópico diferente, está aberto o debate
