katolo Escreveu:Tudo treta! A gripe mata 100x mais e ninguém se chateia. Conversa para corrigir os mercados. O Trump é que tem razão. Em Abril já ninguém vai ouvir falar do Corona, a não ser do Corona do FCP
Porque é que não é responsável comparar este virus com a gripe sazonal? A gripe sazonal típica, causada por virus da família influenza, é relativamente contagiosa com um Ro, taxa de transmissão básica, da ordem dos 1.5, mas tipicamente pouco letal tendo por norma um CFR, taxa de letalidade, de 0.1% ou menos no mundo desenvolvido (muito embora possa atingir valores mais elevados em determinadas populações).
O SARS-CoV-2, o virus por detrás do COVID-19, apresenta uma taxa de transmissão básica que se estima ser superior ao da gripe sazonal. É adequado dizer que se propaga pelo menos com facilidade semelhante, provavelmente com maior facilidade (as estimativas oscilam algures entre 1.5 e 6, a maior parte apontará para 2 ou mais, o que significará que se propagará com francamente mais facilidade que o típico virus da gripe sazonal).
Acresce que a evidência vem mostrando que a transmissão assintomática (pacientes que não manifestam sintomas e que efectivamente não sofrem da doença, mas que transportam o virus) é possível, possivelmente frequente até. O que é atípico do influenza.
O tempo de incubação poderá considerar-se relativamente longo, a generalidade dos estudos apontam 2 a 14 dias mas alguns casos indicam que possa ser superior (que poderá chegar até 3 a 4 semanas), quanto mais demorado o tempo de incubação maior a probabilidade de se propagar o virus desconhecendo sequer que se é portador do virus (mesmo que os sintomas se venham a manifestar, o que poderá de resto nem vir a ocorrer).
A taxa de letalidade deste virus só pode ser estimada nesta altura e os valores são naturalmente provisórios. Contudo, os dados que vão sendo recolhidos e a aplicação de modelos epidemológicos sugere fortemente que a taxa de letalidade será da ordem dos 2%. Talvez mais, talvez menos, mas é um valor que está seguramente pelo menos uma ordem de magnitude acima do que é típico com a gripe sazonal. Acresce ainda que uma percentagem anormalmente elevada regista sintomas severos ou atinge estados críticos, necessitando de cuidados de saúde especializados, com uma frequência que não tem qualquer comparação com os verificados com a gripe sazonal.
Também não se sabe ainda se o vírus tem carácter sazonal, isto é, se efectivamente a aproximação da primavera e verão tenderão a conter a transmissão do virus.
Finalmente, ainda não são conhecidas drogas anti-virais ou vacinas eficazes aplicáveis a este virus. Um grande esforço está a ser feito nesse sentido mas este tipo de investigação costuma demorar meses até oferecer resultados.
Notas explicativas adicionais:Taxa de transmissão básica quer dizer, em termos simples, quantas pessoas adicionais tende a infectar por cada novo infectado (ou, por outra, quantas mais pessoas em média um novo infectado vai infectar mais) na ausência de medidas de contenção. Com a introdução de medidas, teremos uma taxa efectiva (por vezes identificada como Rc) inferior. É preciso que esta taxa seja inferior a 1 para que o virus seja efectivamente contido. Caso contrário, enquanto R>1, o virus continua a propagar-se exponencialmente. Quanto mais alto o Ro, mais agressivas têm de ser as medidas. Por exemplo, se Ro=3 então, grosso modo, é preciso isolar efectivamente pelo menos cerca de 2/3 dos infectados. Além de que um pequeno grupo que passe despercebido pode criar um novo foco local de epidemia.
O CFR, ou taxa de letalidade, é a taxa de pessoas infectadas que morre da doença. Em termos práticos, a perigosidade do virus "mede-se" pela combinação entre o Ro e o CFR (mais alguns dados adicionais como o período de incubação e a possibilidade de transmissão assintomática) sendo que
esta combinação é anormalmente alta no caso do SARS-CoV-2 e em nada comparável com a gripe sazonal.
É, essencialmente, por estas razões que estão a ser tomadas medidas do tipo a que assistimos. Não porque esteja tudo doido ou tenha ficado tudo idiota (porque
"afinal morrem mais pessoas de gripe sazonal ou de acidentes de viação") mas porque as situações não são comparáveis. Se a epidemia entra em descontrolo, obviamente os números acabarão por escalar, sejam em número de mortos, sejam em número de pessoas a necessitarem de cuidados de saúde em simultâneo,
que o sistema poderá não ter sequer meios para cobrir.
Com base no que já se sabe, é essencial conter a epidemia, caso contrário os efeitos serão de uma magnitude bem superior aos efeitos da gripe sazonal.