Exijam ter um Presidente da RepúblicaUm eleitorado na ressaca de uma bancarrota, estruturalmente envelhecido, conservador e pouco ambicioso, viu nele o remédio perfeito para essa mesma ressaca. Ao lado de um António Costa que se tornou Primeiro-ministro graças a cínicos malabarismos partidários, que anunciava felicidade a rodos e se tornara, assim, o parceiro ideal da estupidificação geral dos espíritos da pátria, os portugueses viram nas excentricidades do professor que se senta em Belém, do professor que arranja esquemas para ir a banhos, do professor que tira os calções na praia, do professor que vai às compras de calções, do professor que vai a pé pelas ruas, que beija, que abraça, que tira retratos, que encanta multidões como o Ronaldo encanta as bancadas e o Goucha encanta as velhinhas, os portugueses viram em tudo isto, dizia eu, a confirmação do que pretendiam: acima de tudo, que nada mudasse, mesmo que essa mudança anunciasse um futuro melhor, e que a política os divertisse, quando estavam habituados a que ela os aborrecesse.
O país não precisa de palavras de consolo, beijos e abraços, ou de ver permanentemente o seu Presidente a circular por entre as pessoas a tirar retratos. Precisava, sim, de um Presidente que tivesse uma ideia de políticas públicas que proporcionassem mais riqueza às pessoas e que substituíssem o miserabilismo militante, de mão estendida à Europa, que revelassem algum gosto pela vida independente e livre de ministros e secretários. Tal como não precisa de uma betoneira retórica que anuncia, a cada evidência de que o Estado foi capturado por uma clique de inúteis sanguessugas, que «é preciso apurar o que se passou», quando toda a gente sabe que não se vai apurar nada, que ninguém é responsável por nada, que nem assassinando um homem em directo nas televisões um ministro, sobretudo sendo socialista, acabaria demitido em menos de uma semana.
Dirão-me-ão as boas almas que será demasiado cedo para que se fale nas presidenciais de 2026. Não é. Se não é cedo para os interessados na eleição (uma saudação especial ao professor Santos Silva), também não é cedo para começarmos a falar de presidenciais. Tal como não é cedo para falar nas próximas eleições legislativas. Tanto o Governo como o Presidente têm pela frente uma série de anos não de mandato, no sentido em que ele exige o seu exercício, o cumprimento de metas, de objectivos, de resultados, mas de agonia institucionalizada. Costa e Marcelo, o senhor Feliz e o senhor Contente do pantanal lusitano, não merecem hoje oposição aos seus actos, às suas palavras ou às suas decisões: é o país que merece (que precisa!) uma alternativa. No Governo, naturalmente, mas também na Presidência.
Por uma vez, será tempo de começarmos a discutir que tipo de Presidente queremos, em vez de nos debruçarmos sobre que tipo de candidatos podem aparecer. É tempo, pois, de exigir um Presidente que não seja «de todos os portugueses», mas um Presidente que seja mesmo «da República»: que se preocupe mais com a autoridade do que com o poder e que a exerça sem calculismos; que seja capaz de, através da sua intervenção política, cuidar dos que mais precisam, mas, acima de tudo, de representar os sectores mais dinâmicos da sociedade, aqueles que estão mais perto do que queremos ser; que compreenda que «contas certas» não são um programa político, mas um mero exercício de responsabilidade que custou a entrar nas mentes pouco esclarecidas das nossas, vá, elites; que tenha, ele próprio, um programa político não necessariamente de natureza executiva, mas ideológica, filosófica, intelectual, que aponte caminhos, que denuncie erros, que não tema agir em conformidade com o seu programa; que fomente a cidadania autónoma, a construção de uma sociedade livre; que traga eixos políticos contra a estagnação, a corrupção e a mediocridade; que vigie o Governo, seja ele qual for; que proteja de facto os direitos, liberdades e garantias constitucionais; que promova o debate constitucional acerca das funções do Estado; que gere debate profícuo e que demonstre resultados, em lugar de representar um tipo de paternalismo iníquo de que o país não precisa se quer ter um futuro que lhe dê dignidade.
Exijamos um Presidente da República. Já é tempo de termos um.
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