Manuel António da Mota nasceu em 1913 à beira das serranias do Marão, mas cedo partiu à conquista do mundo, em vários continentes.
Um século depois, esse exemplo é seguido pelos seus sucessores à frente do maior grupo nacional de construção e engenharia civil.
Mota-Engil pode ter surpreendido os mais distraídos quando anunciou no início deste ano que pretendia cotar a participada para o continente africano na bolsa de Londres. Mas para quem conhece minimamente os pergaminhos do fundador do grupo Mota, não há motivo para surpresas. A paixão por África, a aposta em novos desafios e a demanda de fontes alternativas de financiamento foram três marcas distintivas na actuação de Manuel António da Mota, cujo centenário do nascimento se celebra este ano. Poucos saberão que Manuel António da Mota iniciou o seu império empresarial pela área florestal, associado a familiares e outros empreendedores, com a empresa Indústrias Reunidas do Tâmega. Fazendo jus às suas raízes familiares, entre Celorico de Basto e Amarante, na divisória entre o Minho e Trás-os-Montes, entre as impressivas pedras e serranias do Marão. E revelando desde cedo a sua argúcia para os negócios e para a liderança.
II Guerra Mundial e aposta em África
Depois da Indústrias Reunidas do Tâmega, criada em 1943, Manuel António da Mota decidiu alargar o campo de acção e reforçar a autonomia, constituindo, como sócio maioritário, a Mota & Companhia, em 1946. Estamos em plena II Guerra Mundial, mas os conflitos armados nunca travaram os passos deste empresário, como veremos adiante. Com o continente europeu a despedaçar-se, Manuel António da Mota tem a visão de lançar-se à conquista de África, dirigindo-se a Cabinda, enclave da então colónia portuguesa de Angola. O objectivo continuava a ser a exploração florestal e o fundador do Grupo Mota foi viver para uma palhota no meio do mato. "Oh Mota, ou vences ou não sais daqui", confidenciou Manuel António da Mota a um amigo, pode ler-se numa passagem do livro de Carlos Oliveira Santos sobre "A História da obra de regularização do Baixo Mondego - Uma empresa é um rio". Manuel António da Mota venceu e nunca saiu de Angola, onde ainda hoje é conhecido como "o mais-velho da Mota", uma expressão de grande respeito utilizada em muitas culturas africanas.
Dinheiro de Manhattan para Luanda
Em mais de duas décadas, o pulso e o sentido quase premonitório de Manuel António da Mota levaram o grupo para a área da construção, da engenharia, das obras públicas.E se hoje se fala de restrições no financiamento às empresas, em particular na construção, há 50 anos as coisas também exigiam arte e engenho na procura de soluções viáveis. Em 1962, o Grupo Mota foi convidado a construir a ampliação do aeroporto de Luanda e uma estrada de 250 quilómetros, também em Angola, entre o Luso e a Vila Henrique Carvalho. Arrancar com as empreitadas exigia um valor verdadeiramente astronómico para uma empresa portuguesa, familiar, da época: nada mais, nada menos que 10,5 milhões de dólares.
Manuel António da Mota não baixou os braços e meteu-se num avião com os seus mais directos colaboradores rumo à praça financeira de Londres, onde o grupo, dessa vez, não teve sucesso. Sem esmorecer, o empresário cruza o Atlântico, aterra em Nova Iorque. Após negociações complexas e peripécias desconcertantes, Manuel António da Mota sela um contrato de financiamento nesse valor com a Interamerican Capital Corporation. Uma lição a reter pelos actuais empresários que nunca foi esquecida pela família Mota e pelos gestores profissionais do grupo. Com este financiamento, as obras seguiram a todo o gás e ajudaram o Grupo Mota a ter um sucesso retumbante em Angola, que só viria a ser beliscado com a descolonização, o processo de independência e a guerra civil que despedaçaram o país nas décadas seguintes. Mais um conflito armado para testar as capacidades de Manuel António da Mota.
Guerra em Angola e regresso a Portugal
"Quando olho para trás, para o meu pai, o que ficou na nossa casa até hoje é que as dificuldades são oportunidades. O meu pai teve uma vida boa, mas passou por muitas dificuldades. Primeiro, no período pós-II Guerra Mundial, mais tarde, em Angola, quando o país entrou em guerra civil", relembra António Mota, filho de Manuel António da Mota (e seu sucessor como presidente na actualidade da Mota-Engil), ao Diário Económico.
António Mota sublinha que o seu pai, "depois disto tudo, teve de recomeçar a vida aos 60 anos em Portugal, após a independência de Angola, de onde nunca quis sair". "E nessa altura teve de tomar mais uma decisão difícil: deixar de ter sócios. Os que tinha na altura impunham a saída do grupo de Angola, mas o meu pai não quis sair. Ficou sozinho e avançou nessa decisão", acentua António Mota.
Enquanto travava esta batalha, quando Angola entrou em grandes dificuldades, Manuel António da Mota veio para Portugal. "O que eu mais retenho desse tempo é que o meu pai dizia uma coisa muito engraçada: ‘Não sei se é bom ou mau, mas em Portugal sou considerado angolano, e em Angola muitos me consideram português. Não sei se é um estatuto bom ou mau'", questionava-se o fundador da Mota. Os resultados não permitem questionar o caminho seguido e o estatuto ganho.
De volta a Portugal, Manuel António da Mota encontra na empreitada de regularização do Baixo Mondego, a oportunidade e a bandeira que viria a transformar a Mota num dos líderes nacionais da construção e engenharia. Adjudicada em 1977 por um valor de 1,5 milhões de contos (7,5 milhões de euros, a valores nominais), esta empreitada iria concluir-se em 1984, vencendo pela solução inovadora os milhentos contratempos de percurso.
Em direcção ao topo e à diversificação
Com o ‘troféu' da conclusão da obra no Baixo Mondego, a Mota estava lançada em direcção ao topo da construção em Portugal, que haveria de atingir menos de 20 anos mais tarde. Pelo caminho, encetou um ambicioso programa de diversificação de actividades e de geografias. E ergueu alguns outros símbolos do moderno regime democrático, como o Oceanário ou a Ponte Vasco da Gama, gerida pela Lusoponte, de que a Mota-Engil é agora o maior accionista.
"Repare bem: o meu pai morreu em 1995 com 82 anos de idade devido a uma pneumonia, mas ainda pouco antes de morrer aprovou duas coisas que eram uma novidade para quem viveu no mundo anterior como ele. Votou favoravelmente a diversificação do grupo para as águas, ele que sempre foi um homem da construção e da floresta. E votou favoravelmente a participação do grupo no primeiro concurso na Europa Central, ele que, como empresário, viveu durante décadas condicionado pela Guerra Fria e pelo muro de Berlim".
E António Mota ainda se recorda como se fosse hoje de que o pai também votou favoravelmente a decisão de concorrer à construção da ponte Vasco da Gama, no primeiro projecto em regime ‘project finance' concretizado em Portugal. "Por aqui se vê que o meu pai era um homem activo mesmo nessa idade e alguém consciente da evolução do Mundo, tendo aprovado decisões que agora se vê terem sido acertadas, porque desde a queda do Muro de Berlim, a Europa cresceu muito mais do lado de lá. O meu pai morreu de corpo, mas estava bem vivo de cabeça", conclui António Mota.
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