A arte de governarHá esta semana nos escaparates um novo livro de Aníbal Cavaco Silva, intitulado “O primeiro-ministro e a arte de governar”, da Porto Editora. Trata-se do político português contemporâneo que mais cuidado tem posto em registar todo o seu percurso pessoal, político-partidário e institucional. É bom que assim seja, porque acabou por revelar-se a mais duradoura presença nestes quase cinquenta anos de regime. Sem este contributo, a história do regime ficaria irremediavelmente amputada num duplo sentido. Por um lado, pela capacidade extraordinária que Cavaco sempre revelou na mobilização das viabilidades nacionais, calibrando rupturas e continuidades, desde mesmo quando não era ainda plenamente aceite ou compreendido pelas “elites” do regime. Isso obrigou a uma relação directa com o eleitorado, passando por cima de muitas “instalações”, conveniências e interesses da vida partidária e “civil”, o que lhe deu quatro confortáveis maiorias, duas para governar e as restantes para chefiar o Estado. Mesmo na derrota com Sampaio, em 1996, os votos configurariam outra maioria, fossem as eleições legislativas. Por outro lado, e em consequência disto, Cavaco foi sempre deixando testemunhos em letra de forma, inclusivamente no interregno de dez anos que o levaria, vitorioso, a Belém, e no pós-Belém, o que, tudo somado, constitui um acervo precioso de exigência cívica em tempos de ligeireza, superficialidade e dissimulação. E só um grande nome, pela sua biografia responsável, o pode fazer. Em Maio de 1993, como primeiro-ministro, Cavaco Silva concedeu uma longa entrevista ao “Expresso”. Daí respigo algumas frases. “Quem não está disposto a assumir os riscos de fazer coisas difíceis, que provocam impopularidade, não tem qualidade para ser governante”. “Seria muito mau para Portugal se algum dia tivéssemos um Governo que, só por receio de um protesto aqui ou acolá, ou por medo de ficar menos popular, deixasse de fazer aquilo que é necessário”. “Há uma forma de governar, que eu introduzi e que espero que persista - que inclui o rigor e a eficiência, a preocupação por cumprir as promessas feitas, mais acção e menos palavreado, atenção particular aos mais desfavorecidos, ter uma ideia para o país e, apesar das dificuldades, procurar levá-la por diante”. António Costa, que se arrepia de nojo com o termo “reformas”, veio afirmar-se, sem se rir, um “fazedor” por contraposição ao “comentador” que ele encontra em Marcelo. “Cada qual no seu galho” - rematou com a habitual delicadeza. Têm sido oito anos assim, de pouca acção e de muito palavreado, avizinhando-se mais três. Obrigado, professor Cavaco, por, mais uma vez, explicar-nos para que serve um primeiro-ministro.
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