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Caldeirão da Bolsa

Steve Pearlstein - Supervisão e Conflito de Interesses

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

Steve Pearlstein - Supervisão e Conflito de Interesses

por Rockerduck » 30/12/2008 1:10

Este artigo é muito interessante e vinha no suplemento de Economia do Público de 26 de Dezembro de 2008. Aproveita o escândalo Madoff para explorar as falhas da regulação e o facto de existir um conflito de interesses nas empresas que auditam as contas das empresas financeiras.


As lições de Madoff para o mercado



As lições de Madoff para o mercado

Steve Pearlstein


Sim, mas isso é bom para os judeus?
É a frase com que termina uma velha piada, habitual entre quem cresceu entre pais e avós judeus cuja primeira reacção a quase tudo o que acontecia era avaliar de que forma isso afectaria o clã.

Ver a vida com uma lente tão limitada não é apanágio dos judeus, mas para gerações de judeus que foram submetidas a diversas formas de perseguição e descriminação, o instinto arreigou-se. Arthur Goldberg para o Supremo Tribunal: bom. O julgamento por espionagem de Julius e Ethel Rosenberg: não tão bom. Os filmes "O Padrinho" baterem recordes de bilheteira: bom (coloca o ênfase noutro grupo étnico). Sandy Koufax recusar-se a lançar a bola num jogo da World Series no Yom Kippur: mau (promove o sentimento anti-semita entre os adeptos dos Dodger).

Para alguns este instinto sobrevive até hoje. A JTA, um serviço noticioso judeu, pôs a circular na semana passada uma divertida história sobre o escândalo Blagojevich em Illinois salientando que a detenção do governador aumentou grandemente as probabilidades de a congressista Jan Schakowsky - uma judia não contaminada pelo escândalo - poder ser nomeada para o lugar de Obama.

Tudo isto nos faz chegar a Bernie Madoff - "o bilhete do Tesouro judeu" como carinhosamente lhe chamavam em Palm Beach e na Wall Street por distribuir rendimentos sólidos e fiáveis aos seus investidores. O escândalo Madoff, decididamente, não é bom para os judeus - "a shanda far die goyim", como diria a minha avó em jídiche para não nos perturbar a nós, crianças. Não se trata só de esta "macher" da comunidade judaica poder acabar por deter o recorde mundial de fraude financeira com os seus alegados 50 mil milhões de dólares de esquema Ponzi (ou esquema de pirâmide). Pior ainda, muitas das suas alegadas vítimas eram judeus conhecidos ou organizações filantrópicas judaicas.

As repercussões do escândalo Madoff estendem-se, todavia, muito para além dos judeus. É também um completo e absoluto desastre para a Wall Street, que já foi acusada de utilizar novos e complexos instrumentos financeiros para criar a pior crise financeira e económica desde a Grande Depressão. Com a história de Madoff, fica patente que os senhores do universo não são tão espertalhões quanto isso - ou melhor, não são mesmo nada espertos. Durante anos, não só se deixaram enganar por um burlão como também voluntária e alegremente lhes serviram de agente de mercado, oferecendo a amigos, parentes e instituições de caridade preferidas a oportunidade de investirem com o seu bom amigo, Bernie Madoff. (a ideia é que os indivíduos abastados e os investidores institucionais "sofisticados" não precisam da protecção de reguladores oficiais.)

O caso Madoff pôs também a descoberto um pequeno segredo sobre uma parte do mundo dos fundos de cobertura conhecidos como fundos de fundos. Estes são fundos de cobertura que usam dinheiro dos fundos de pensões, dotações das universidades e indivíduos ricos e, por uma comissão de 1,5 por cento ao ano, o investem em outros fundos de cobertura, que cobram taxas ainda mais elevadas. Afirmam estes intermediários que, em troca do pagamento de duplas comissões, oferecem aos investidores acesso aos melhores fundos de cobertura, que podem ser exigentes relativamente a quem aceitam dinheiro. Oferecem também a tranquilidade de espírito inerente a saber se que os fundos foram meticulosamente verificados.
Acontece que alguns desses fundos dos fundos tinham entregue milhares de milhões de dólares dos seus clientes a Madoff sem perguntarem como podia ele de forma tão consistente produzir rendimentos tanto para clientes ricos como para menos ricos, nem exigir saber por que é que as suas contas eram auditadas por uma empresa de três pessoas de que ninguém ouvira falar nunca e que funcionava num vão de escada em Long Island. O Man Group, de Inglaterra, o Banco Santander, de Espanha, e a Union Bancaire Privée, da Suíça, tinham todos eles fundos de fundos que perderam imenso dinheiro com Madoff. Mas ninguém confiou mais em Bernie do que a Ascot Partners, um fundo de fundos dirigido por J. Ezra Merkin, que investiu a totalidade dos 1,8 mil milhões de dólares que lhe haviam sido confiados em Madoff, amigo íntimo e colega da Universidade Yeshiva.

Ainda vai demorar algum tempo até que se saiba toda a história por detrás do esquema de Madoff. Mas é já possível perceber-se que este é apenas o mais recente caso de um desastre financeiro que podia ter sido evitado se os supervisores tivessem feito o seu trabalho.

É certamente isso que está por detrás do fracasso da Enron, da WorldCom e dos outros rebentamentos das bolhas do mercado de capitais, quando os auditores permitiram que o seu desejo de preservar lucrativos contratos de consultoria toldasse o seu julgamento e se sobrepusesse às preocupações sobre como é que estas empresas faziam a sua contabilidade.

No fiasco mais recente, envolvendo títulos hipotecários, obrigações de dívida pública com garantia e os "swaps" de incumprimento de crédito, foi a falha das agências de "rating" em avaliarem adequadamente os riscos de títulos complexos que levou a enormes prejuízos para os investidores que pensavam, ou queriam acreditar, que estavam a comprar produtos com altas notações. E no caso de Madoff, parece não haver dúvidas de que auditores competentes e isentos teriam rapidamente descoberto que a empresa estava a pagar rendimentos que não tinha ganho.

Não é preciso ter um doutoramento em Finanças para se perceber qual é aqui o padrão: empresas de contabilidade e agências de "rating" ficam demasiado facilmente comprometidas pelo facto de serem escolhidas e pagas pela administração das empresas cujas contas estão a auditar e cujos títulos estão a avaliar. Simplesmente existem demasiados conflitos de interesses inerentes. A solução é igualmente óbvia: transformar estas empresas em algo parecido com um serviço público regulado. Para qualquer empresa pública ou fundo de investimento, ou para qualquer título emitido recentemente, os auditores e "raters" deviam ser nomeados por entidades ou reguladores ao acaso e numa base rotativa. As empresas seriam pagas com as receitas de um pequeno imposto de transacção e as novas emissões, baseadas em taxas competitivamente anunciadas no início de cada ano. Empresas dessas que cometessem erros graves seriam sujeitas a multas consideráveis; nos casos mais graves perderiam as suas licenças.


Como seria de esperar, as empresas de contabilidade e as agências de "rating" odeiam esta ideia e invocam toda a espécie de razões - algumas delas credíveis, a maior parte delas espúrias - para justificar que o sistema se deve manter mais ou menos como está. O que elas não oferecem é uma alternativa mais credível do que "Não foi culpa nossa, mas não permitiremos que volte a acontecer." A veemência da sua oposição está provavelmente relacionada com o grau de não alinhamento dos seus interesses com o do público investidor. Após uma década de escândalos destes, algo tem de ser feito para restaurar a confiança do público nos mercados financeiros. A forma mais rápida de o fazer é assegurar a competência e isenção dos guardiães do sistema. Isso seria bom para a Wall Street, bom para os investidores, bom para as empresas que precisam desesperadamente de capital. E eu acho que também seria bom para os judeus.

*Colunista do Washington Post, vencedor do Prémio Pulitzer de opinião de 2007. Washington Post/PÚBLICO
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