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Caldeirão da Bolsa

O horóscopo da Bolsa

Colecção de Artigos Didácticos do Caldeirão de Bolsa.

O horóscopo da Bolsa

por Ulisses Pereira » 3/12/2007 13:32

“Price Target” é uma expressão muito familiar a todos aqueles que acompanham os mercados financeiros. As casas de investimento divulgam-nos, os jornalistas adoram-nos porque dão notícias bastante apelativas e os investidores ficam contentes porque têm referências sobre o que esperar de uma acção. Eu confesso que não sou um grande adepto dos “Price Targets”.

Penso que será conveniente esclarecer o que são “Price Targets”. São os preços que, quem faz essas análises, acredita ser justo para uma determinada acção, num horizonte temporal definido. O que se pretende saber é qual o valor de uma dada empresa, tendo em conta as perspectivas futuras da empresa e as condições macroeconómicas que a envolvem.

Geralmente, estes “price targets” são lançados por casas de investimento e que se propõem ajudar os seus clientes na análise do valor de algumas acções e na tomada das suas decisões. As análises são feitas do ponto de vista fundamental e com base em determinados pressupostos assumidos pelo analista que está a atribuir esse “price target”.

A minha primeira objecção em relação à credibilidade destas análises tem a ver com o facto da sua esmagadora maioria serem recomendações de compra. Um estudo efectuado em 2003 nos Estados Unidos mostrava que cerca de 90% dos “price targets” apontados pelas casas de investimentos eram superiores aos preços a que as acções estavam cotadas no momento da análise. Este fenómeno não é exclusivo das Bolsas americanas e, embora não tenha qualquer estudo efectuado sobre esta matéria, a minha observação empírica de 13 anos da praça portuguesa permite-me concluir que são raros os casos em que os “price targets” são inferiores aos preços do momento da análise.

Por que é que isto acontece? Estou certo que alguém me quererá convencer que a tendência natural de longo prazo dos títulos é ascendente, mas esse argumento não me parece suficiente para justificar este esmagador número de recomendações de compra, pois há períodos longos de descidas fortes (“Bear Markets”) em que me parece incrível como se pode emitir tantas recomendações de compra quando há sinais claros de que os mercados, nessas alturas, não são bom locais para se investir.

Isto leva-me a recuar uns anos atrás, até ao período entre 2000 e 2002, altura em que se viveu um dos maiores “Bear Markets” de que há memória, com muitas acções a caírem cerca de 90%! Durante, esse período, acham que a maioria dos “Price Targets” saíram abaixo do valor a que estavam as acções? Enganaram-se se o assim pensaram. As recomendações de compra sucediam-se, transformando esse período num dos maiores fiascos em termos de recomendações por parte das grandes casas de investimento.

Estes erros sucessivos vieram colocar em causa a credibilidade destas análises que, até então, eram consideradas quase intocáveis. Quando, em Março de 2000, a PTM atingiu o seu máximo histórico nos 146 euros, várias eram os “price targets” muito acima deste valor, havendo um na casa dos 200 euros! A partir daí, a acção iniciou uma das maiores quedas de que há memória na nossa praça, atingindo os 5 euros.

Por que é que se cometem estes erros? Por que é que quase sempre as recomendações são de compra? Esta é, na minha opinião, a questão fulcral das análises das casas de investimento. Serão os analistas intrinsecamente optimistas? Será que os analistas escrevem aquilo que os investidores gostam de ler? Ou o que estará em causa são as relações entre as casas de investimentos e as empresas com as quais, muitas vezes, têm ligações comerciais?

Nos Estados Unidos, a SEC (entidade que supervisiona o mercado norte-americano) concluiu que algumas casas de investimento detinham relações comerciais com algumas empresas e que obtinham benefícios (como, por exemplo, serem responsáveis por futuras dispersão de capital em Bolsa) por recomendações de compra que faziam a determinadas acções. É evidente que apenas uma minoria de analistas não serão honestos. Como em todas as profissões, há gente boa e má, mas estes episódios vieram levantar dúvidas sobre a justeza destas análises.

Finalmente, gostaria de referir um dos aspectos que me levam a dar pouco valor aos “price targets” e que tem a ver com a sua constante alteração, em função da variação do preço das acções. É frequente assistirmos a revisões de “price targets” quando o preço da acção começa a atingir o anterior, pelo que as casas de investimento temem ser ultrapassadas pelo mercado e aumentam esse “price target”.

Se fossem analistas técnicos a alterar a sua análise, fazia sentido, uma vez que eles reagem em função das flutuações do preço da acção. Mas quem lança esses “price targets” são analistas que se baseiam na análise fundamental e, na maior parte das vezes, os fundamentais (da empresa, do sector e da economia) não se alteraram, pelo que não faz qualquer sentido fazer essa alteração. E podem crer que muitas das vezes ao ler essas revisões, sinto que se mexeram em algumas variáveis apenas para justificar essa revisão e não porque essas variáveis tenham tomado outro valor.

Por estas razões mas, sobretudo, pelo enorme fiasco que foram as análises efectuadas nos últimos anos, não dou valor à maioria dos “price targets” que são lançados. Arrepio-me quando recebo mails de alguns investidores a dizerem que compraram esta ou aquela acção por causa de um determinado “price target”.

Eu cada vez mais olho para os “price targets” como olho para o horóscopo. Não acredito mas leio sempre…

Um abraço,
Ulisses
"Acreditar é possuir antes de ter..."

Ulisses Pereira

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