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Caldeirão da Bolsa

As Linhas de Tendência Vistas à Lupa...

Colecção de Artigos Didácticos do Caldeirão de Bolsa.

As Linhas de Tendência Vistas à Lupa...

por MarcoAntonio » 10/12/2007 15:24

As Linhas de Tendência Vistas à Lupa...

Poderá algo tão simples como traçar uma linha num gráfico ter alguma ciência ou arte?

A minha resposta inequívoca é pura e simplesmente: tem tudo isso e em muito maior quantidade do que poderá aparentar numa primeira inspecção.

As Linhas de Tendência (abreviadamente LT) são dos instrumentos mais utilizados, senão o mais utilizado, na Análise Técnica Clássica (ou convencional) quer seja de forma isolada quer seja inseridas em padrões mais complexos. Tentarei neste artigo abordar aspectos que me parecem pertinentes relativos às LT's.

Definição

A linha de tendência é uma linha formada por mínimos relativos consecutivos (LT de suporte ou Linha de Procura) ou por máximos relativos consecutivos (LT de resistência ou Linha de Oferta).

Utilidade

A linha de tendência serve na Análise Técnica dois aspectos:


Por um lado define o tipo de movimento que o título descreve o que permite definir estratégias e posicionamento relativamente ao título.


Por outro, a quebra da linha representa a quebra de um padrão de comportamento o que pode consistir por si só num sinal de entrada ou num sinal de saída.

Os Pontos

Ora, uma linha de tendência não pode nem deve ser uma linha arbitrária. A linha deve ter obviamente uma consistência tal que não transforme a AT numa prática esotérica e os Analistas em videntes. A primeira tentação é a de unir dois qualquer pontos, ou até mais, sem grande critério. E sobre este aspecto faço diversas considerações:


Nunca é demais lembrar que a definição é a de que a linha é constituída por máximos/mínimos relativos. Faço notar que é possível traçar rectas aparentemente válidas que «assentam» em pontos que não são máximos nem mínimos relativos ou, se são, não têm qualquer expressão no espaço temporal em que a linha está definida. Exemplificando, uma linha traçada com base em duas ou três sessões consecutivas não tem qualquer expressão numa análise de médio-prazo mesmo que venha mais tarde a coincidir com um outro ponto. Como frizei num artigo anterior... as coincidências acontecem!


Outro aspecto importante é o do número de pontos de toque, ou seja, do número de pontos que sustentam a linha e aqui a regra é simples: quantos mais pontos, mais consistente e credível é a LT. Assim sendo, dois pontos apresentam uma validade mínima (e muito discutível). Três pontos e temos um nível mínimo de coincidência (a comparação com uma média móvel dentro do mesmo espaço temporal da linha é um método que aconselho para aferir da validade da LT) - regra geral considera-se que três pontos confirmam a existência de uma LT válida. Quatro pontos e a recta é claramente válida e de grande consistência e assim sucessivamente. Noto ainda que se deve exigir um tão maior número de pontos quanto maior o período em consideração pelo simples facto de que se alargarmos o período aumentamos a probabilidade de ocorrerem coincidências. Se num curto período (curtíssimo-prazo) podermos contentarmo-nos com três pontos ou mesmo dois para considerar a linha já no (muito) longo-prazo, mesmo uma linha com três pontos já é mais discutível.


A distribuição dos pontos ao longo da linha é ainda um aspecto importante para aferir da credibilidade da LT. Um caso frequente é o da LT se basear em dois pontos muito juntos e um terceiro ponto bastante afastado. Neste caso divido em duas possibilidades: os dois pontos se encontrarem no início da linha ou no final (mais recentes). Considero mais válida a Linha no segundo caso. No primeiro caso temos que a forma como a linha é traçada (a orientação) pode ser facilmente manipulada para que passe no terceiro ponto (sem que corte de forma grosseira o segundo ponto). Acresce ainda que o facto do terceiro ponto coincidir com a LT pode não passar de uma pura coincidência e os dados de que o título segue essa linha ou esse ritmo de variação sejam ainda válidos. No segundo caso, ambos os aspectos tomam contornos bem distintos: por um lado torna-se mais difícil manipular a linha se os dois pontos mais próximos se referirem a um período recente pelo que as dúvidas quanto à orientação da linha são menores; por outro, o segundo problema (da actualidade da linha) nem se coloca dado que os dois pontos que formam e confirmam a linha são recentes. A linha é tão mais credível e consistente quanto mais distribuídos estiverem os pontos - em caso de concentração, é desejável que esta seja recente.

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A linha A é uma linha perfeitamente válida e consistente, com 4 pontos de toque distribuidos de forma relativamente homogenea.
A linha B apresenta dois problemas: o último ponto não é válido, trata-se de um ponto que não sabemos ainda se irá constituir um mínimo relativo;
os dois primeiros pontos muito juntos deverão ser considerados como um único ponto (esta segunda linha ainda não foi devidamente validada).

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Por definição, a linha é constituída por máximos ou mínimos relativos os quais são, na maioria das vezes executados no intraday. No entanto existem analistas que preferem considerar os fechos ou ainda os corpos das velas (aberturas e fechos). Este aspecto é discutível mas deixo a minha opinião. Se em relação aos fechos considero um critério aceitável (até por razões que mais adiante abordarei), já em relação às aberturas coloco pouca confiança no critério - as aberturas são mais facilmente manipuláveis e menos «precisas» dado que muitos investidores não se encontram ou presentes sequer ou por opção própria não se encontra a operar. Tal problema coloca-se principalmente em mercados pouco líquidos como o nosso em que a diferença entre os movimentos na abertura e no fecho é abismal pelo que me parece no mínimo controverso colocar os dois pontos (abertura e fecho) ao mesmo nível de relevância ao traçar uma linha ou mesmo considerar como mais válida a abertura do que qualquer outro ponto durante a sessão, ponto esse provavelmente mais movimentado do que a abertura. Apesar de ter um impacto visual bastante grande (principalmente num gráfico com candles), coloco muitas reservas a uma linha traçada com base em aberturas e fechos (corpos das velas portanto) de forma indiscriminada.


A Escala

A forma do gráfico e a localização relativa dos pontos depende do tipo de escala utilizada, linear ou logarítmica. Assim, uma recta visível numa determinada escala poderá deixar de ser visível noutra escala. Dado que este tema já foi amplamente debatido neste espaço não me alongarei neste ponto. Refiro apenas que, se no curto-prazo as diferenças entre o resultado visual numa ou noutra escala tendem a ser negligenciáveis, fruto de uma menor variação do valor absoluto do título em análise, pelo que a questão da escala tende igualmente a ser irrelevante (se o recuros à escala logarítmica não traz qualquer vantagem também não traz qualquer prejuízo já que os gráficos tendem a ser praticamente iguais), já no longo-prazo o aspecto visual dos dois gráficos tende a ser bastante diferente sendo nalguns casos limite muito difícil sustentar a hipótese de um gráfico em escala linear, sequer, em termos racionais. Quando a variação em valor absoluto torna os gráficos visualmente distintos, a vantagem começa a pender claramente para o lado da escala logarítmica tanto em termos de consistência, como de validade como ainda de eficácia conforme sustentei em participações anteriores. Este tema, explorado, daria para escrever um post tão longo quanto este...

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Imagem
DAX em escala linear: a LT não acompanha devidamente a tendência senão nos dois primeiro testes.
O terceiro teste (ponto) surge 3 anos após o segundo e a divergência entre a LT e a média móvel é evidente.
Este tipo de ocorrência é praticamente inevitável num gráfico em escala linear durante uma subida prolongada.

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DAX em escala logarítmica: a LT acompanha a tendência praticamente todo o tempo com 3 testes
espaçados de forma relativamente regular sendo praticamente coincidente com a média móvel.
Uma sessão que registe uma subida de 3% terá sempre o mesmo impacto no gráfico em
escala logarítmica, independentemente da duração (amplitude) da tendência.

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Os Padrões

Uma das aplicações específicas das LT's refere-se à definição de padrões (figuras). Neste aspecto chamo a atenção para dois pormenores que vejo recorrentemente descurados - o plano temporal das várias linhas em consideração para a constituição do padrão e os pontos em que as linhas «assentam»: no primeiro caso ocorre que uma das linhas se baseia num espaço temporal claramente diferente do da outra linha (por exemplo, traçar uma rising wedge ou um triângulo em que uma das linhas se estende por dois meses e a outra por duas semanas; no segundo caso, uma das linhas recorre a pontos que se inserem num contexto completamente diferente, por exemplo, definir uma das linhas com base em pontos que dizem respeito a um período em que o título se encontrava com uma tendência diferente ou dentro de um movimento específico, não dizendo respeito ao actual que se pretende demonstar existir. Este último exemplo poderá ser pouco inteligível colocada em extenso mas a ideia base é, por exemplo, a de basear uma linha de uma determinada figura (por exemplo um canal ascendente) fazendo-a passar por um ponto em que o título se encontrava num canal descendente (mais uma vez a título de exemplo). Nem todos os pontos que se encontram no caminho da recta reforçam a validade da mesma, dado que se a projectarmos para trás é provável que esta venha a coincidir com outros pontos do passado, sem que isso assegure ou aumente a validade da linha.


Outros Aspectos


Tolerância: sendo um aspecto discutível, defendo que, sempre que tal reforce claramente a consistência da recta, será vantajoso ignorar um outro spike, principalmente se existirem sinais de um falso break-out ou ainda se esse spike se encontrar proximo do início da tendência, quando esta ainda não se encontrava claramente definida e instalada.


Tendência: outro aspecto, menos discutível e bastante mais visível é o da diferente importância, frequência e consistência da LT's de suporte ou resistência face à tendência: se a tendência é ascendente, são mais frequentes, mais consistentes regra geral e mais importantes as linhas de suporte; se a tendência é descendente, são mais frequentes, mais consistentes regra geral e mais importantes as LT's de resistência. Este aspecto é bastante fácil de constatar do ponto de vista empírico por inspecção de uma boa quantidade de gráficos. A explicação, essa mais discutível, é a de que esta falta de simetria possa residir no facto de, durante uma tendência ascendente os máximos sejam fruto de euforia irracional e como tal menos exactos e as compras junto da LT de suporte fruto de uma opção racional formando uma linha mais consistente. Por seu turno, durante a tendência descendente são os mínimos fruto de pânico e vendas irracionais enquanto que as vendas junto da LT de resistência fruto de vendas mais técnicas e mais racionais formando uma linha mais exacta.


Linhas «forçadas»: a tentação de traçar linhas como se estas tivessem de existir obrigatoriamente leva a traçar LT's que por vezes violam alguns dos pontos referidos. Nem sempre os movimentos se regem por linhas ou padrões defendidos pela AT e nem sempre os movimentos se enquadram numa perspectiva de Análise Técnica. A tentação de explicar tudo aos olhos da Análise Técnica acaba por jogar em seu desfavor ao aumentar potencialmente a sua falibilidade. A título de exemplo, uma tentação que considero vulgar e frequente, a de procura traçar a todo o momento um canal em que o título se movimente. Na minha perspectiva, considerar que o título se movimenta sempre segundo um canal é uma visão radical da análise técnica que leva o analista a traçar as linhas que deseja ver ou a traçar linhas de validade e consistência discutível... tal como a sua utilidade.

Quebras: outro ponto discutível e com diferentes interpretações. Neste campo a minha posição, em termos gerais, é a de que a quebra da LT só é de considerar caso se dê em fecho, sendo nalguns casos mesmo aconselhável, conforme o espaço temporal da LT em questão, aguardar mais uma sessão ou duas para confirmar a quebra da linha. É esta a razão aliás por que sou flexível quanto ao aspecto de considerar, por vezes, os fechos e não os intradays ou então uma mistura de ambos os critérios.

Para Além da Validade

Um dos aspectos que considero mais interessantes nas Linhas de Tendência reside na sua utilidade para além da sua validade e/ou visibilidade. Mesmo que um grande número de analistas considere que uma linha não é válida, que um grande número de investidores não acredite na validade da AT em geral e por consequência nas LT's ou ainda que um grande número de investidores/analistas não detecte uma determinada linha, tal não significa obrigatoriamente que a utilidade da linha seja abalada:



Em primeiro lugar, a linha de tendência pode ser um instrumento de medida (em particular de uma tendência ou, num sentido mais lato, da situação técnica de um título) pelo que quando tocada e não quebrada representa a manutenção desse contexto e quando quebrada representa potencialmente a quebra desse contexto e o primeiro passo para uma nova situação técnica, o que poderá merecer uma nova estratégia ou abordagem. Um título que inverta a tendência tem obrigariamente de quebrar, mais cedo ou mais tarde, as linhas de tendência, acreditem os investidores nelas ou não - geralmente quebram-nas relativamente cedo. Se tal não garante o sucesso no recursos às LT's, é certamente um passo em direcção a ele...


Por outro lado, a linha de tendência pode funcionar ainda, e em parte como consequência do ponto anterior, como um eficiente instrumento de limitação de risco - por exemplo, funcionar como um trailing stop - indo portanto a sua aplicação para além do campo da Análise Técnica pura e simples e entrando no terreno do money management.


Por fim, deixo algumas considerações finais: confesso que para escrever este artigo não forcei temas de discussão, este surgiu de forma natural sendo a exposição de um conjunto de questões sobre as quais já meditei em determinada ocasião e encontram-se em regra subjacentes nas linhas que traço em cada análise e na razão pela qual traço uma determinada LT e não outra qualquer recta, quiçá visualmente até esteticamente mais atraente... Digo em regra, porque estou obviamente sujeito a erro e à distracção, não pretendo dizer que as linhas que traço obedeçam sempre a todos estes critérios ou estejam imbuídas de perfeição. O maior handicap da Análise Técnica é, como defendi num artigo anterior, o de tendermos com certa facilidade a projectarmos no gráfico o que desejamos ver em detrimento de uma análise objectiva da informação que realmente este contém. As LT são das ferramentas mais instrumentalizáveis na AT e portanto das ferramentas mais susceptíveis de falta de objectividade. Tal não quer dizer no entanto que para cada gráfico só exista uma e uma só interpretação válida e que uma determinada interpretação constitua uma verdade absoluta sobre o comportamento de um título e as outras não passem de meros desvarios.

Por Marco António
Editado pela última vez por MarcoAntonio em 29/2/2008 21:52, num total de 9 vezes.
Bons Negócios,
Marco Antonio
Caldeirão de Bolsa

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1. Mais vale perder um ganho que ganhar uma perda, a menos que se cumpra a Segunda Lei.
2. A expectativa de ganho deve superar a expectativa de perda, onde a expectativa mede a
....amplitude média do ganho/perda contra a respectiva probabilidade.
3. A Primeira Lei não é mesmo necessária mas com Três Leis isto fica definitivamente mais giro.
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