EUA. As sondagens falharam? “Estamos muito longe de poder fazer esse diagnóstico” A “onda azul” que o Partido Democrata esperava não aconteceu, mas também não era exatamente isso que diziam as sondagens. Por outro lado, há muitos votos por contar em sete Estados decisivos, que podem mudar a perceção das previsões face aos resultados. Sob a sombra de 2016, em que a esperada vitória de Hillary Clinton não aconteceu, as empresas de sondagens enfrentam novo desafio: “que até pode ser positivo” .
A noite eleitoral ficou para trás, mas as eleições à presidência dos Estados Unidos estão longe de ficar fechadas. Só que a ideia de que delas viria uma “onda azul”, uma vitória com estrondo que o Partido Democrata pediu e que algumas sondagens pareciam não desmentir, é agora um sonho desfeito.
Estados como a Florida ou o Ohio, onde havia esperança de uma eleição de Joe Biden, já caíram para Donald Trump. E estados decisivos, como a Pensilvânia ou a Geórgia, apontam agora na mesma direção — o Partido Republicano segue na frente. Mesmo sem anunciar vencedor, e mesmo com margens curtas, a maioria das sondagens dava uma vitória a Joe Biden que, por agora, com sete estados em aberto, não se pode ter por certa. Significa que voltaram a falhar, como em 2016 falharam com Hillary Clinton?
“Estamos muito longe de poder fazer um diagnóstico sobre a magnitude dos erros e ainda mais sobre a causa desses erros”, responde Pedro Magalhães, politólogo e especialista em sondagens ouvido pelo Expresso. Por um lado, porque há uma série de estados com votos por contar — sete, concretamente, Alaska, Carolina do Norte, Geórgia, Michigan, Nevada, Pensilvânia e Wisconsin. Destes sete, por agora Trump lidera cinco, e Biden tem vantagem no Nevada e passou para a frente no Wisconsin. É que os votos por correio, que faltam contar, beneficiam os democratas e podem fazer tombar a balança.
Por outro lado, pondera Pedro Magalhães, “nos Estados que já têm resultados, houve desvios, mas nem todos na mesma direção”. Ao contrário da ideia generalizada de que Trump é subestimado, no Colorado “a vantagem de Biden parece ser maior do que aquela que as sondagens davam”. Estados há com situação oposta: foram para Trump mesmo que os Democratas tivessem esperança neles, como é o caso da Florida. “Mas as sondagens davam praticamente um empate.”
É também por isso que as comparações com a eleição de há quatro anos podem ser precipitadas. “O que parece evidente, ao contrário do que aconteceu em 2016, e apesar de ser uma avaliação provisória, é que as [sondagens] nacionais estavam muito acertadas, e os erros foram nalguns estados, que ainda por cima se revelaram cruciais. Agora [em 2016], essa onda azul nacional é que não se está a verificar.”
A distinção é importante, como é importante perceber a diferença entre sondagens e os cada vez mais populares agregadores, como o FiveThirtyEight, de Nate Silver. “Nós hoje consumimos muitos agregadores, que fazem uma análise sofisticada a lidar com milhares de sondagens. Mas as probabilidades [de vitória que eles dão], por muito sofisticadas que sejam, estão dependentes da qualidade da matéria-prima”, isto é, de cada sondagem. E essa qualidade “este ano volta a ser muito assimétrica”.
A contribuir para a assimetria estão não apenas as características próprias de cada estado como as alterações na forma de conduzir sondagens. A dificuldade de fazê-las presencialmente, e o cada vez menor número de eleitores com telefone fixo, empurram-nas para o questionário online, “que é uma forma de conduzir sondagens que exige um conjunto de pressuposições questionáveis sobre o que é importante na composição da amostra”.
Essa massa de informação recolhida tem um grau de incerteza que os especialistas conhecem, mas que nem sempre é passada para a opinião pública.
No entanto, encarado 2016 como um falhanço, os especialistas procuraram o erro. E encontraram dois: que as sondagens terminaram demasiado cedo e não permitiram perceber a “cavalgada final” de Trump e que há uma ligação entre o grau de escolarização e a predisposição para responder a sondagens — quem menos responde é quem tem menos instrução que é também quem mais votou em Trump.
“Sabemos que houve esforços no sentido de corrigir [os erros] mas, como dizia um dos responsáveis desses agregadores, o risco é de se estar a lutar a última guerra. Isto é, a resolver determinado tipo de problemas sem saber se esses problemas se voltam a verificar nesta [eleição] e quais são os outros”, avisa Pedro Magalhães. Os erros “surgem da realidade”, longe de poder ser prevista. Exemplos? “Os hispânicos estarem mais dispostos a votar em Trump”, os efeitos da pandemia, a quebra da economia, a luta racial, “tudo tem consequências”.
Se Biden perder, os eleitores vão deixar de confiar em sondagens?As sondagens que foram acompanhando a corrida à Casa Branca em 2016 atribuíam uma vitória a Hillary Clinton que não se verificou. Mas Pedro Magalhães lembra: “Em 2016 fizeram-se imediatamente muitas análises e depois, quando se chegou à contagem final, elas não estavam assim tão erradas”.
Para a história, porém, ficou um falhanço que, a repetir-se agora, pode ter um efeito positivo e outro negativo, considera o especialista. Ao ponto de os eleitores deixarem de acreditar em sondagens? “Acho que o risco existe, especialmente se Biden não ganhar, porque isso vai contra as sondagens que transmitiam, globalmente, que ele estava em posição mais confortável.”
E esse risco é bom “se aumentar o realismo sobre aquilo que uma sondagem permite”. O investigador do Instituto de Ciências Sociais explicita: “os sites [como os agregadores] são tão sofisticados e fazem um trabalho tão importante que se cria uma ilusão de precisão sobre os inquéritos que não é real”.
A desconfiança será prejudicial se “aumentar a desconfiança dos eleitores no exercício”. Forma-se um ciclo vicioso: o eleitor exige mais da sondagem, mas há menos a confiar e a querer participar nela, o que diminui a probabilidade de resultados fiéis à realidade.
Assim sendo, se um eleitor americano perguntasse ‘para que servem as sondagens hoje?’, o que lhe responderia?— “Responderia o que respondo sempre, para um americano ou para um português: as sondagens são um meio importante para auscultar a opinião pública, perceber o que distingue as pessoas, de acordo com as opiniões, as atitudes, o sexo, a idade, a instrução. É um meio importante para procurar explicações.
É muito mais difícil quando olhamos para elas como um meio de previsão de resultados eleitorais. E a esmagadora maioria das pessoas é isso que faz. Mas as pessoas não são as únicas responsáveis: quem faz sondagens também quer que sejam assim, e a comunicação social também. É um jogo que toda a gente quer jogar.
Em todas as outras atividades da nossa vida, estamos preocupados em prever o futuro, mas sabemos que essas previsões são frágeis. As sondagens não podem deixar de o ser.”
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