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Caldeirão da Bolsa

Entrevista a LTCM

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

Re: Entrevista a LTCM

por Pata-Hari » 2/10/2019 23:09

Tinha muita curiosidade em ler esta entrevista, Obrigada LTCM :)
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Re: Entrevista a LTCM

por MarcoAntonio » 18/9/2019 18:56

Um obrigado grande ao LTCM, participante de longa data e com um contributo substancial neste espaço ao longo dos tempos, carismático até, pela participação nesta entrevista.

Julgamos que estas entrevistas e retomando uma iniciativa com história no forum, contribuindo com uma narrativa, um cenário de fundo, permitem uma melhor conhecimento dos partipantes e um entendimento mais integral das respectivas participações.

Outras se seguirão...
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FLOP - Fundamental Laws Of Profit

1. Mais vale perder um ganho que ganhar uma perda, a menos que se cumpra a Segunda Lei.
2. A expectativa de ganho deve superar a expectativa de perda, onde a expectativa mede a
__.amplitude média do ganho/perda contra a respectiva probabilidade.
3. A Primeira Lei não é mesmo necessária mas com Três Leis isto fica definitivamente mais giro.
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Entrevista a LTCM

por Ulisses Pereira » 18/9/2019 15:12

Há muitos anos atrás, entrevistámos alguns participantes do Caldeirão. Hoje, com mais de 17 anos de Caldeirão, decidimos voltar a fazer novas entrevistas a participantes que acreditamos muito têm contribuído para o Caldeirão ser o fórum português mais visitado ao longo dos últimos 15 anos.

Para começarmos esta nova série de entrevistas, escolhemos o LTCM, autor do tópico “Winning the loser`s game” e que muito se tem destacado na abordagem aos investimentos de longo prazo. Espero que gostem da entrevista.


Ulisses: Há quantos anos negoceias em bolsa?

LTCM: Para ser sincero invisto| negoceio há mais anos do que gosto de me lembrar. Comecei a “jogar” na bolsa, não a negociar em bolsa, no verão de 1987. Através de um “clube de investidores”, que estava para lá das fronteiras do informal, que existia no meu local de trabalho. Era uma altura fantástica para colocar dinheiro na bolsa de olhos fechados (não raras vezes nem sequer se conhecia o que a cotada produzia). Ainda hoje visualizo o 1.º ministro Cavaco Silva a afiançar na RTP que “anda a vender-se gato por lebre na Bolsa”, uma declaração (acho que em directo) que fez com que o mercado português tivesse uma queda de uns 5%, e logo de imediato apanho a “segunda-feira negra” nos EUA. Fiquei vacinado por uns tempos e com recordações para toda a vida.

Ulisses: Recordas-te dos teus primeiros dias como investidor e o teu primeiro negócio?

LTCM: Durante alguns anos continuei, de forma intermitente, a jogar através do “clube de investidores”, depois do susto inicial sentia conforto naquele colectivo sempre que queria” fazer o gosto ao dedo”. Nesta altura não era bem o investir, era mais o participar, ganhar alguma sensibilidade, daí que o meu primeiro negócio a sério ainda ia demorar algum tempo. Já a “solo” com a perspetiva de investir fui entrando no mercado, ainda a medo, com as OPV da Portugal Telecom e da Cimpor.

Mais tarde já com algum dinheiro e com noção daquilo que estava a fazer, tinha excelentes condições e incentivos na instituição onde trabalhava, entrei a “pés juntos” em junho de 1997 na primeira fase de privatização da EDP, uma OPV de extremo sucesso que abriu as portas ao capitalismo popular. E que, no meu caso particular, me deixou agarrado aos mercados para sempre.

Ulisses: Quando iniciaste o tópico “Winning the loser`s game” tinhas a ideia de que viria a ser o sucesso que foi?

LTCM: Não quero ser modesto, mas não lhe chamaria sucesso, o nível de adesão foi muito baixo. Iniciei o tópico “Enriquecer devagar”| “Winning the loser`s game” porque alguns dos poucos “users”, que apreciavam os meus comentários no Caldeirão, me perguntaram se eu não estaria na disposição de criar um tópico sobre a temática que defendia. Eu assim fiz, porém sempre tive a consciência que a temática seria interessante apenas para uma pequena parte dos utilizadores. O que nunca julguei foi que fizessem cópias, literais-até com os mesmos exemplos, do tópico noutros fóruns da net.

Ulisses: Como vês esta eterna discussão entre as estratégias mais passivas e activas de abordagem ao mercado?

LTCM: É isso mesmo uma discussão eterna. Não importa qual o veículo de investimento que estejamos a falar - Haverá sempre um enorme grupo de investidores perdedores que acredita que pode bater o mercado de forma consistente.

Obviamente que existem investidores activos, muito activos, extraordinariamente activos, …, que por um período de tempo vão conseguir extrair alfa através da exploração das poucas e breves ineficiências do mercado. Ou então conseguem bons retornos por mera sorte e custa muito às pessoas aceitar isso. Mesmo nesse grupo restrito, extraordinário e sortudo existe uma grande percentagem que não consegue evitar os anos negativos ou até mesmo, após uma| duas décadas de grande sucesso, devolver parte substancial do que tinha tirado ao mercado – com juros. É muito difícil, com uma elevada probabilidade impossível, adivinhar hoje quem serão os consistentes vencedores dos próximos 10 anos.

Bill Gross e Bill Miller são, nos fundos de investimento, um bom exemplo do que aqui refiro.

Ulisses: A alavancagem é uma ponte para o sucesso ou uma escada para o Inferno?

LTCM: Depende. Existem vários factores a considerar e não me vou alongar no assunto. Aceito que no início de um percurso no mercado (quando se ainda é jovem) e após se obter alguma experiência se possa usar a alavancagem, sempre de forma conservadora, como forma de fazer crescer a carteira. No principio da constituição de uma carteira os erros ainda podem ser revertidos com alguma facilidade - nem que seja apenas pelo aproveitamento passivo das grandes tendências. Agora para quem já não tem muito tempo no activo a alavancagem pode realmente ser uma escada para o Inferno.

Ulisses: Achas que a maior parte dos investidores tem expectativas irrealistas em relação aos retornos que o mercado lhe pode dar?

LTCM: A esmagadora maioria dos investidores tem expectativas completamente irrealistas em relação aos retornos que o mercado lhe pode dar. Quando se analisam os retornos dos mercados, dos fundos que investem nesses mercados e dos investidores que investem nesses fundos verifica-se que a diferença de rentabilidade é enorme entre cada uma dessas partes. Infelizmente é ao investidor individual que cabe a menor fatia dos retornos – Se é que recebe alguma coisa e não perde ainda parte do capital inicial.

Ulisses: Por que é que tanta gente perde dinheiro nos mercados?

LTCM: A questão é complexa e no meu tópico tentei, por várias vezes, apresentar algumas soluções equilibradas para o investidor menos sofisticado. Numa versão simplista aventaria que a falta de estratégia aliada à ausência de disciplina e a um excesso de ambição na gestão das carteiras, por norma pequenas, são os ingredientes que levam tanta gente a perder dinheiro no mercado (imagino os estragos que o ataque à produção de petróleo saudita fez nos traders alavancados e respetivos intermediários nos últimos dias).

Ulisses: Profissionalmente, qual é a tua ocupação?

LTCM: Actualmente não tenho profissão, faço “apenas” a gestão do património familiar o que já me ocupa bastante tempo. Conto continuar assim até ao fim dos meus dias - que espero que esteja ainda a bastantes décadas de distância.

Ulisses: Quando consegues fugir do trabalho e dos mercados, o que fazes?

LTCM: A minha vida profissional, a partir de determinada altura, esteve sempre ligada aos mercados. E efectivamente não era fácil desligar. Para mim, que adoro cinema, e que continuo a achar mágico ver um filme numa sala de cinema, sempre tive na 7.º arte um refúgio durante um par de horas. Ia e ainda vou muito ao cinema. Além disso, para além do compreensível estar em família e com os amigos, consigo abstrair-me a ler, a jogar xadrez e a ver, ao vivo, alguns jogos de futebol.

Ulisses: Qual a tua personagem histórica favorita?

LTCM: Existem muitas personagens históricas pelas quais tenho admiração – várias no campo político-militar. Mas a que escolho é diferente, invulgar: Leonardo da Vinci.

Um génio multifacetado, com uma visão adiantada em vários séculos, pintor de obras icónicas, como “Mona Lisa” e “A Última Ceia (na sua altura não era reconhecido como pintor, mas sim como engenheiro| arquiteto), visionário de projetos de engenhos voadores e estudos inovadores no campo da ótica e da perspetiva, conjugou a arte e a ciência, criando obras que fazem agora parte da história e do imaginário coletivo da humanidade.

Ulisses: Qual é a maior ilusão do mercado?

LTCM: Existem muitas ilusões referentes ao que mercado permite ou proporciona, não sei qual será a maior. Diz o aforismo que a única coisa constante no mercado é a sua continua mudança. Talvez as quimeras sejam como o mercado vão mudando ao longo dos tempos. Contudo, enriquecer depressa é capaz de ser uma das grandes ilusões que o mercado transmite. As valorizações espectaculares que se verificam diariamente, recentemente criptomoedas, fazem pensar ao participante mais distraído que basta estar em frente ao terminar da Bloomberg a negociar que o resto vem por acréscimo.

Ulisses: Que projecto, ao nível dos mercados, gostarias de abraçar?

LTCM: Como já disse acima, ao nível do mercado, faço “apenas” a gestão do património familiar. Não tenho, nem pretendo nesta fase da vida, outro projectos. Estou muito bem assim.

Ulisses: O que é que ainda te falta para seres um grande “trader”?

LTCM: Embora sempre tenha feito “trades” de curto prazo sempre estive muito mais perto do perfil de investidor do que do “trader, faço referência a esse aspecto no tópico “Enriquecer devagar”| “Winning the loser`s game” por várias vezes. Com o passar dos anos aprendi que o “trading” é para fazer com uma pequena parte da carteira e unicamente para efeitos recreativos. No longo prazo, não conheço nenhum trader que tenha batido o mercado sem o uso de pelo menos um de dois ingredientes fundamentais:

Excesso de alavancagem - Livermore, Dennis, Ltcm, V. Niederhoffer…

Informação privilegiada – Soros, Steinhardt, Robertson, PTJ, Cohen, …

Todos os HF abusam de ambas os itens e os mesmos explicam 99% do excesso de retorno em relação ao mercado. Só sobram os génios: Simons, Harding, David E. Shaw e pouco mais.

Como não sou um génio, não tenho apetência pela alavancagem-embora a use - e, pior ainda, não tenho acesso a informação privilegiada para ser um grande “trader”| investidor falta-me tudo. Tenho de me contentar com um melhor rácio de sharpe (quando os mercados de referência sobem ganhar menos e quando os mercados de referência descem perder muito menos).

Ulisses: Para finalizar, que conselhos darias a alguém que está a dar os primeiros passos nos mercados?

LTCM: Tenho de recomendar o óbvio. Que estude, nunca deixe de ler e de actualizar conhecimentos- estar no mercado é estar em aprendizagem constante (é fundamental conhecer muito bem o instrumento que se está a negociar), tenha um plano bem definido e com regras de simples execução, não se deixe iludir| desmoralizar pelos resultados dos primeiros trimestres e sobretudo saiba quando, em função das condições do mercado, é necessário alterar a estratégia. O tempo é um excelente professor, portanto convém começar cedo a negociar de forma infrequente e a preservar o capital. O mercado faz o resto.

Ulisses: Muito obrigado por esta entrevista. Eu agradeço e o Caldeirão também.
"Acreditar é possuir antes de ter..."

Ulisses Pereira

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