http://observador.pt/especiais/parlamen ... -e-contra/O Parlamento discute, esta quarta-feira, a despenalização da morte assistida. Em breve, BE e PAN apresentarão projetos sobre o tema e o CDS admite referendo. Conheça os argumentos a favor e contra.
Ética. Religião. Política. Lei. Direitos. Dignidade. Vida. Morte. E se todas estas dimensões se misturassem e competissem numa só discussão? É isso que vai acontecer esta quarta-feira quando, no Parlamento, for debatida a petição “Pela despenalização da morte assistida”, assinada por mais de 8.400 pessoas. Trata-se de um tema fraturante que ainda vai motivar muitas trocas de argumentos. O Observador procurou reunir alguns dos mais recorrentes e ouviu os dois lados da barricada. Num ponto confluem: o debate tem de ser informado e estendido à sociedade.
“O BE está a favor da despenalização da morte assistida por dois motivos essenciais: o respeito pelos direitos que todos temos que ter ao longo da nossa vida, incluindo o fim da vida. E ao mesmo tempo porque entendemos que entre esses direitos cabe a possibilidade de não termos de nos sujeitar a um fim de vida que retira a dignidade que fixámos para nós próprios”, defende José Manuel Pureza, deputado do BE e autor do relatório final da petição.
"É inaceitável condenar uma pessoa em sofrimento a ter um fim de vida que não quer."
José Manuel Pureza, deputado do Bloco de Esquerda
Mas esse argumento não serve para quem bate o pé à mudança da lei. “Não se define o que é um grande sofrimento, nem se define o que são as perspetivas de melhorias. O manifesto não coloca limites, ou seja, permite que a morte seja antecipada em anos”, contra-argumenta o ex-bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, que rejeita ainda a justificação baseada na dignidade.
Quanto ao argumento do “direito a morrer”, José Manuel Silva diz ser “falacioso”, no sentido em que “os próprios autores do manifesto colocam limitações a essa auto-determinação do momento da morte”, ao fixarem condições para que o indivíduo possa pedir ajuda para morrer.
"Como se houvesse mortes indignas e mortes dignas, vidas dignas e indignas. A morte é sempre digna."
José Manuel Silva, ex-bastonário da Ordem dos Médicos
Para o ex-bastonário, despenalizar a morte assistida “traduz uma mudança do modelo da sociedade”. “Em vez da sociedade investir na vida, com todas as obrigações que isso traz em termos de apoio nos cuidados paliativos, acesso atempado aos cuidados de saúde, implementação do cuidador informal, meios para as unidades de cuidados na comunidade e a aposta o internamento domiciliário, está a priorizar a opção pela morte antecipada assistida.”
Um ponto que foca sem hesitar, independentemente dos peticionários deixarem claro, no texto, que a despenalização da morte assistida não “a torna obrigatória para ninguém” e que a morte assistida “não entra em conflito nem exclui o acesso aos cuidados paliativos e a sua despenalização não significa menor investimento nesse tipo de cuidados”.
José Manuel Silva, numa opinião que é partilhada pelos opositores à despenalização da morte assistida, refere ainda que “a eutanásia, ou antecipação da morte, passa a conferir ao médico o direito de matar”, quando os médicos, no acesso à profissão, são obrigados a jurar que não matarão.
No contra-ataque, José Manuel Pureza defende que “uma sociedade rege-se pela ética democrática, republicana, e não pela ética médica”, além de que ficaria sempre consagrado o direito à objeção de consciência. Acrescentando que “ao longo da história, a ética médica tem vindo a evoluir e a consagrar ou a acolher determinadas abordagens que numa fase anterior pura e simplesmente repudiava”.
As duas modalidades da morte assistida
Eutanásia
A eutanásia, ou “boa morte”, é uma das modalidades da morte assistida. Um médico abrevia a vida de um doente incurável e em sofrimento constante, de maneira controlada, através de uma injeção letal. Esta prática resulta de um pedido reiterado por parte do doente, consciente e informado.
Suicídio assistido
É a outra modalidade da morte assistida. Neste caso, é o doente a tomar, pela sua mão, o medicamento prescrito pelo médico que o irá matar.
Argumentos a favor e contra
Direito à morte
Quem defende a despenalização da morte assistida argumenta que não deve ser vedado o direito à autodeterminação e à escolha individual quer pela vida, quer pelo momento da morte. Trata-se, dizem, de colocar o interesse individual acima do interesse da sociedade.
Evitar a dor
Os defensores da eutanásia e suicídio assistido consideram que com a despenalização destas práticas se evitará a dor e o sofrimento de quem está em fase terminal de uma doença.
Morte digna
Despenalizar a morte assistida é caminhar no sentido de alcançar a morte digna, na opinião dos defensores da morte assistida.
Usurpação do direito à vida
Um dos argumentos utilizados contra a despenalização da morte assistida é religioso: a eutanásia é vista como uma usurpação da vida humana, que é "sagrada e inviolável". Por isso o homicídio e o suicídio são considerados atos imorais.
Médicos juram não matar
Os médicos, quando se formam, fazem o Juramento de Hipócrates e lá está dito que cabe aos médicos garantir todos os meios para garantir a sobrevivência dos pacientes. Os médicos juram não matar.
Ladeira escorregadia
É o argumento de que a despenalização da morte assistida levaria à sua generalização e à possibilidade de ir abrangendo cada vez mais situações.
PR pede debate alargado. BE e PAN apresentarão diplomas e CDS admite referendo
Questionado esta terça-feira sobre o assunto, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, limitou-se a defender um amplo debate sobre a morte assistida e recusou pronunciar-se sobre a matéria para não condicionar o debate.
“O Presidente da República quer é que haja um debate amplo, o mais participado possível, com iniciativas populares, como petições, com a iniciativa de partidos e de cidadãos e de grupos de cidadãos, portanto isto significa que não irá intervir tão depressa sobre esta matéria”, declarou.
E é precisamente este amplo debate que o Bloco de Esquerda pretende promover, antes de apresentar o projeto de lei, que, a ser aprovado, implicará uma alteração do artigo 135 do Código Penal, que prevê pena de prisão até cinco anos para profissionais de saúde que pratiquem morte assistida. Ao Observador, o deputado bloquista José Manuel Pureza explicou que o objetivo do Bloco é apresentar o projeto de lei “ao longo desta legislatura” e que isso poderá acontecer “ainda durante esta sessão legislativa”. Já se sabe que BE excluirá menores e doentes com perturbações do foro mental.
"Queremos contribuir para um debate vigoroso, sério, sem fantasmas, prudente. Apresentaremos, sem data ainda fixada, um anteprojeto que consagra um conjunto de abordagens para a despenalização e promoveremos um conjunto de sessões públicas."
José Manuel Pureza, deputado do Bloco de Esquerda
Em entrevista à TSF, o recém-eleito bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, defendeu a realização de um referendo sobre o tema, por considerar que não cabe ao Parlamento decidir sobre esta matéria. Também o ex-bastonário José Manuel Silva afirmou ao Observador não ter dúvida que “o tema deve ser discutido pela própria sociedade”.
Esta é uma proposta que parece ter acolhimento por parte dos centristas. Pelo menos a julgar pelas declarações da presidente do CDS-PP, que não excluiu a realização de um referendo. “Essa é uma matéria que também ela merece um debate na sociedade portuguesa, mas eu não excluiria à partida essa hipótese”, afirmou Assunção Cristas, citada pela Lusa, remetendo propostas do partido para esta quarta-feira.
Já o PSD vai promover um colóquio sobre a eutanásia e o suicídio assistido no próximo dia 9 de fevereiro.
Na discussão desta quarta-feira, deverá ser possível perceber o posicionamento dos partidos sobre a despenalização da morte assistida em termos genéricos, mas isso poderá dizer pouco sobre o posicionamento a propósito de um projeto concreto, até porque PSD e PS já anunciaram que vão dar liberdade de voto aos seus deputados nesta matéria.
Esta controvérsia está longe de ficar resolvida, até porque na semana passada também foi entregue uma nova petição na Assembleia da República, que recolheu mais de 14 mil assinaturas. Desta feita contra a eutanásia: “Toda a vida tem dignidade”. Entendem os subscritores que “a sociedade e o Estado têm o dever de proteger toda a vida humana”.
Morte assistida pelo Mundo
Holanda
A Holanda foi o primeiro país da Europa a permitir o recurso à morte assistida (eutanásia e suicídio assistido). Desde 1 de abril de 2002 que esta prática é permitida logo a partir dos 12 anos, com autorização dos pais ou representantes legais. A condição dos doentes tem de ser avaliada por dois médicos que são obrigados a comunicar cada caso ao médico patologista municipal e à Comissão de Controlo da Eutanásia.
Bélgica
A 28 de maio do mesmo ano foi a vez da Bélgica despenalizar todas as modalidades de morte assistida. Em 2014 estendeu-se a possibilidade a menores de idade. O pedido tem de ser feito por escrito por um paciente em sofrimento constante e insuportável e sem hipótese de melhoras, de forma "voluntária, refletida e repetida". O médico tem de avaliar a condição do paciente, informá-lo sobre as hipóteses, e pedir opinião a outro médico.
Luxemburgo
Em março de 2009 a eutanásia e o suicídio assistido foram despenalizados no Luxemburgo. Apenas os adultos em sofrimento constante e insuportável e sem perspectivas de melhoria podem recorrer à morte assistida. Está prevista a revogação do pedido.
Suíça
O Código Penal suíço pune com pena até 3 anos o "homicídio a pedido da vítima". Contudo, permite o suicídio assistido em casos de doentes terminais em situação de sofrimento intolerável e irreversível.
Estados Unidos
O ato médico para abreviar a vida é proibido, mas em cinco estados (Oregon, Vermont, Califórnia, Washington e Montana) é permitido o suicídio assistido.
Canadá
Em junho de 2016, o Canadá aprovou legislação que permite o suicídio assistido e eutanásia ativa a pedido de adultos mentalmente competentes com doenças graves ou incuráveis e em declínio irreversível. O pedido tem de ser feito por escrito e assinado por duas testemunhas independentes e avaliado por dois médicos ou enfermeiros.