malvoisin Escreveu:
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dando um exemplo: o que distingue o grande jogador de xadrez do amador é precisamente o foco, pois enquanto que o mestre escolhe 1 jogada entre 3 ou 4 possíveis, no seu entendimento, já ao amador, na mesma circunstância posicional, ocorrer-lhe-iam 9 ou 10 hipóteses válidas de jogada.
o grande jogador descarta tudo o que é acessório de forma quase automática, fazendo o paralelismo, usa menos "indicadores" para decidir, apenas os mais relevantes, nem sequer chega a pensar nas 1001 nuances que o amador, no mesmo instante, possa, erradamente, considerar importantes para a sua decisão de jogada.
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Achei piada ao parágrafo de cima porque me veio à ideia uma partida que efetuei no ano de 1976 (ou 1977, agora fiquei com algumas dúvidas) no Campeonato Nacional por Equipas que se disputou em Soure, perto de Coimbra.
Disputava-se a última jornada no sistema suiço e jogavam as 2 equipas que estavam com chances de arrebatar o título de campeãs nacionais, o Sporting contra a Académica. Cada equipa jogava em 4 tabuleiros e faltava terminar o jogo do 1º tabuleiro em que se defrontavam eu na Académica contra o incontestável campeão nacional absoluto na altura que se chamava Luís Santos. Até essa altura o Luís Santos tinha ganho todas as partidas e bastava-lhe empatar a partida contra mim para garantir o título por equipas ao Sporting.
Eu precisava de arriscar para ganhar e levava as brancas e portanto a certa altura, depois de analisar a posição por mais de meia hora (!), vi que sacrificando um peão podia ficar com algumas chances de sucesso mas sempre muito tremidas, sem ver todas as consequências possíveis porque a posição de ataque de brancas numa Siciliana / Paulsen era mesmo muito complexa, tanto podia dar para gerar um ataque especulativo de mate como para ficar desguarnecido na minha defesa de peões com um roque bastante desprotegido e levar com o adversário em cima logo que o meu ataque fosse rechaçado.
Como o empate não me interessava sacrifiquei mesmo o peão na esperança que o Luís Santos o tomasse, no entanto pareceu-me que o meu adversário o iria comer e analisar a fundo as consequências dessa decisão. Para minha surpresa ele demorou apenas 2 segundos a responder, não aceitou o peão que eu lhe estava a oferecer e preferiu fazer um lance normal de reforço da sua defesa! No final a partida acabou mesmo empatada e com isso a Académica perdeu a oportunidade de se sagrar campeã nacional por minha causa porque não consegui penetrar na defesa que o Luís Santos montou.
No final da partida perguntei-lhe simplesmente: "Porque não tomaste o peão que te estava a oferecer"'? Resposta imediata: "É que demoraste tanto tempo a analisar a posição, se mo estavas a oferecer é porque pensaste em todas as consequências e o lance devia ser muito bom. Assim, foi fácil decidir de imediato que não o devia aceitar e preferi ir pelo seguro". É assim que pensam esses craques, intuição aos molhos!