lfhm83 Escreveu:
Já agora seguindo essa ordem de ideias também devia repetir-se o referendo da independência da Escócia. Os políticos também sentem que a maioria dos escoceses agora quer a independência. O próprio acto de fazer um segundo referendo é contraditório, (...)
Não há nada de fundamentalmente errado em fazer referendos sobre temas que já foram referendados. É uma mera questão de
timing e de existir uma razão que o justifique. Eleições legislativas e presidenciais são efectadas a cada 3 ou 4 ou 5 anos quando não em bem menos tempo. Não incomoda a generalidade e ainda menos faz confusão a alguém...
Porquê? Essencialmente por uma razão (que pode ser sucessivamente decomposta): é justificado e expectável que as opiniões mudem; além de justificado e expectável, é legitimo e um direito. Todos temos o direito de mudar de opinião. Ninguém tem que ficar pregado à decisão que tomou antes para o resto da vida nem ninguém tem de ficar pregado à decisão que outrém tomou (que por vezes nem foi o próprio, foi o pai ou o tetravô, passe a imagem). Nem isso é aconselhável, desejável ou ajuizado.
Em ambos os casos, existe razão mais do que suficiente para novo referendo. Para o britânico para mim são óbvias. Já elaborei sobre isso antes e não é meramente "achar" que os britânicos agora preferem isto ou aquilo
per se, é algo mais fundamental: aquilo que os britânicos referendaram não é aquilo que vai acontecer (fez-se uma campanha sobre algo, vai ocorrer outro algo que nunca foi ou mal foi debatido na campanha para o referendo). Como já disse, fosse qual fosse o acordo, na minha opinião deveria ser sempre validado pelo povo. Defender o contrário é achar que a democracia deve ser assim um exercício feito meio às cegas: escolham a direcção geral (acabam aqui os vossos direitos e o vosso poder de decisão), confiem nos políticos e no fim aceitem o desfecho, seja ele qual for. Se calhar fazia sentido há uns séculos atrás, se calhar hoje faz muito pouco sentido e alguns países e algumas democracias já começaram a rumar noutras direcções.
Os britânicos têm todo o direito de escrutinar o que os políticos decidiram dentro de portas e os políticos têm o dever de colocá-lo a plesbiscito (no sentido da palavra de deixar o povo decidir directamente sobre algo).
Afinal, este é que o sentido verdadeiro de viver em democracia. Naturalmente uma visão mais participativa da democracia e menos representativa da democracia que é, esta última, aquela que a generalidade dos políticos defendem, porque acham que o voto depois lhes dá a legitimidade para fazerem o que querem, quantas vezes à rebelia do povo que os elegeu.
O caso do possível segundo referendo da Escócia é tão ou mais pertinente e por razões possivelmente ainda mais óbvias: o anterior referendo foi realizado antes do Brexit. As circunstâncias alteraram de forma extremamente significativa...
lfhm83 Escreveu: outra coisa é dizer votem outra vez a ver se sai o remain. E se volta a ganhar o no? Fazem um terceiro referendo?
Um referendo não se faz a ver se sai isto ou aquilo como quem joga na lotaria. O referendo, feito de uma forma responsável, organizada e justificada (não se vai fazer referendos só porque apetece ou só porque fulano ou sicrano querem, até sobre a realização do referendo deve existir uma discussão pública) é um exercício de democracia, quer o tema já tenha sido discutido ou votado ou não. A legitimidade do referendo está nos seus alicerces e não se é o primeiro, o segundo ou o terceiro.
Não sei se vai existir novo referendo sobre o Brexit, eventualmente os britanicos acabarão por nunca ter oportunidade de aprovar o acordo ou o não acordo - sabe-se lá bem - que lhes arranjaram. Já sobre o escocês, sem certezas, diria que a probabilidade é um pouco maior. Com uma enorme ressalva dado que uma das preocupações do Reino Unido nesta questão toda é uma possível fragmentação. Portanto, mesmo esse, não será fácil de ocorrer, por razões de ordem política (e não democrática).