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Caldeirão da Bolsa

Amorim, o empresário que fez tudo ao contrário e ganhou

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

Amorim, o empresário que fez tudo ao contrário e ganhou

por Automech » 29/8/2012 1:50

Amorim, o empresário que fez tudo ao contrário e ganhou
António Freitas de Sousa
29/08/12 00:05

Vendeu cortiça aos países de Leste, fez crescera produção durante o condicionamento industrial e comprou cortiça às cooperativas que o expropriaram depois de Abril de 1974.

De repente, os telefones começam a tocar ao mesmo tempo em vários departamentos, quebrando o silêncio num sobressalto que, mesmo para quem não seja daquela empresa instalada em Gaia, não pode ser uma coincidência: Américo Amorim, o empresário que a adquirira há pouco tempo, está a chegar - e é bom que tudo esteja na ordem que ele determinou, sob pena de a manhã demorar demasiado tempo a passar e os seus berros ainda ecoarem nas paredes muito tempo depois de ele as ter, entretanto, abandonado.

Os telefones servem de alerta, mas Américo Amorim, que possivelmente conhece essa prática, não perde tempo com isso. Américo Amorim não perde tempo com nada. Por uma razão simples: porque está quase sempre um passo à frente no tempo dos que o rodeiam, dos que trabalham com ele, e dos que cometem a imprudência de serem seus concorrentes.

Um arranque difícil
A história da Corticeira Amorim perde-se nos confins do tempo, quando, em 1870, António Alves de Amorim cria uma fábrica de rolhas de cortiça no cais de Vila Nova de Gaia, para responder às solicitações da indústria dos vinhos - já então apostada em assumir um lugar significativo nas exportações nacionais. As coisas não correram bem: um desentendimento com os sócios (a Família Belchior) leva toda a gente para tribunal. António Alves perde, deixa o Porto (escolhe Santa Maria de Lamas para viver) e começa de novo, desta vez num palheiro sem grandes condições, estava o mundo a entrar na última década do século XIX.

A Amorim & Irmãos, que haveria de se tornar famosa no mundo da cortiça, foi fundada décadas mais tarde, em 11 de Março de 1922 - com um capital social de 90 contos (450 euros), onde já se encontrava Henrique Amorim, cuja visão refundou a empresa. Mas seria o seu sobrinho Américo - tal como o tio vislumbrou - que viria a estabelecer a diferença entre o antes e o depois no seio do grupo.

Em 21 Julho de 1934, Dona Albertina Ferreira de Amorim dava à luz mais um rebento, desta vez um rapaz, e Américo Alves de Amorim ganhava outro herdeiro - o quinto, e não havia de ficar por aí - a quem puseram o nome do pai e que educaram com a frugalidade que os tempos impunham.

E os tempos viriam a impor muita frugalidade: em 21 de Março de 1944, um terrível incêndio destruía a fábrica da empresa situada em Vila da Feira - a maior de todo o sector no Norte - tendo desaparecido no fumo cerca de 15 mil contos de activos, dos quais apenas seis mil estavam cobertos por um seguro que, malfadadamente, acabava de ser revisto ‘em baixa' (de dez mil para seis mil contos), como forma de poupar nos custos fixos.

Américo entra na Escola Académica do Porto no ano seguinte e de lá sai o mais depressa que pode: sem jeitos especiais para as ensinanças enfadonhas da escolástica comercial, sem vontade de ver os dias a correr lá fora sem deles se poder aproveitar e sem ver que se cruzava nas escadas com um estudante mais leve de anos, menos atabalhoado com as matemáticas e as bizarrias da geometria analítica e com um nome esquisito, Ludgero - também dos arredores da Vila da Feira ou logo ali - e que muito seu amigo havia de vir a ser nas andanças da indústria lá mais para a frente.

À procura de outros mundos
Movido pela largueza de vistas do tio Henrique e farto do universo muito curto de Santa Maria de Lamas, Américo, então com 21 anos, meteu-se no ‘Sud Express' e foi ver se era verdade que o mundo continuava para lá dos Pirenéus.

Era verdade, e Américo não mais parou de o percorrer. E de lhe vender cortiça: os anos 50 do século passado marcam a ascensão da empresa Amorim & Irmãos à qualidade de exportadora - primeiro passo de uma internacionalização de que não mais abriria mão. Mas a Américo não lhe chegava, nem o mundo que lhe era permitido: em 1958, pediu um visto para o país dos Sovietes, um sítio lá no fundo da Europa onde ficava, dizia-se, o inferno. Algum funcionário distraído esqueceu-se de lhe dizer que ‘não' e, inesperadamente, Américo descobriu duas coisas: que havia ainda mais mundo para lá dos Urais; e que os comunistas, vá lá imaginar-se semelhante coisa, também precisavam de cortiça. E como precisavam, Américo Amorim ia vender-lha.

Não directamente, que o país não ia nesses modernismos de tratar toda a gente por igual, mas via Viena da Áustria, onde Américo situou o seu velho amigo Gerhard Schiesser (um austríaco que o humanismo do tio Henrique salvara, entre muitos outros, da deriva assassina da II Guerra Mundial). Assim se formou a empresa GS GmbH, onde chegavam os fardos de cortiça que ostentavam a etiqueta ‘made in Portugal' - logo ali desanexada da matéria-prima, que só desta forma apátrida poderia seguir para o lado de lá da cortina de ferro.

Em Portugal, a cortina não seria de ferro mas era à mesma uma cortina: o condicionamento industrial, uma bizarria de um Estado que só era Novo no nome, impedia o industrial da cortiça de mandar comprar uma máquina - quanto mais instalar uma fábrica, uma empresa, o que quer que fosse. Mas Américo não se rende: cruzando para lá e para cá a linha de orientação do regime - consegue aumentar a produção e responder às exigências dos mercados internacionais, mesmo que para isso tenha que funcionar à margem do cumprimento de burocracias e outros alvarás.

Entretanto, a Corticeira Amorim era fundada em 1963, com o capital social repartido entre os irmãos Amorim (Américo, António, José e Joaquim) e o tio Henrique. Seis anos depois, em 1969, resolve-se a dissensão familiar na Amorim & Irmãos (onde proliferavam tios, primos, consortes, esposas e outros mais): os quatro irmãos (que inicialmente tinham apenas 20% da empresa) tornam-se os seus únicos accionistas.

São duas datas importantes: foi a partir daqui - e da clarificação interna daí decorrente - que o grupo Amorim ficou preparado para deixar de ser apenas exportador e para passar a ser um grupo internacionalizado (em 1972, lançou uma unidade industrial em Marrocos, a primeira fora de portas) ao mesmo tempo que agregava nos activos um número cada vez maior de hectares no Alentejo. Mesmo a tempo dos ventos novos que se preparam para assobiar com alguma violência.

O mundo desagua em Portugal
Em Abril de 1974, Américo, que já é um homem rico, descobre que o mundo que andava a correr há vinte anos acabava de entrar no seu país, de repente e de uma só vez, e que o virou de pernas para o ar.

Não se apoquenta demasiado, até porque já estava a contar com isso: sabe que alguns dos predicados da história do grupo e da sua própria biografia correm a seu favor. Dois vão ser fundamentais: os colaboradores das fábricas da Amorim têm desde há muito, quando comparada com a dos seus congéneres, uma vida fácil: assistência médica, refeitório que todos os dias é usado por quem quer, salário acrescido de 10% acima da tabela imposta, bairro de casario social construído a expensas da empresa; e mantém relações comerciais com o lado de lá do muro de Berlim, aquele que acabava de desaguar no Terreiro do Paço.

Amorim consegue, por isso, seguir em frente: volta a comprar herdades no Alentejo a partir de 1976 - numa altura em que os preços são esmagados pela pressão da reforma agrária e da ocupação de terras - e, coisa que alguns nunca lhe perdoaram, compra cortiça às cooperativas onde o poder popular está em alta antes de soçobrar pouco depois - como Américo desconfiava que sucederia.

Entretanto, sucedem-se em catadupa a abertura de novas empresas de produção (nos países produtores) e de comercialização um pouco por todo o mundo. O grupo - que já é claramente o líder mundial do sector - ganha musculatura financeira suficiente para alargar os seus horizontes, não apenas na cortiça, mas para onde lhe apetecer. Ou mais propriamente para onde o registo visionário de Américo - que lhe é commumente reconhecido por todos os quer com ele trabalham - o impele.

Em 1981 é um dos empresários envolvidos na criação da Sociedade Portuguesa de Investimentos (SPI), que mais tarde viria a ser o BPI e que Américo abandonaria por não ter tempo a perder com tanta parcimónia em evoluir para banco privado. Pouco depois - contam alguns que foi numa reunião de empresários realizada na pacata vila de Vidago - expõe aos seus pares o que deve ser um banco privado ao serviço do investimento produtivo: é o cerne do futuro BCP (1985), onde não estará de início, mas que controlará mais tarde - até deixar de ter tempo para ‘aturar' a ditadura interna imposta por Jardim Gonçalves. Em 1991 está na criação da Telecel (actual Vodafone), de onde sairia em 1997 com mais-valias de fazer cortar a respiração. Pouco depois, através da Finpetro, assume uma posição na Petrogal - que venderia mais uma vez com enormes mais-valias aos italianos da ENI e onde voltaria para se transformar (a ‘transformação' ainda está em curso) no seu accionista de referência, juntamente com a angolana Isabel dos Santos, com quem tem diversos negócios cruzados.

No meio de todo este emaranhado - e de alguns insucessos que só não acontecem a quem não arrisca - Américo cedeu a sua posição de gestão da área da cortiça a um sobrinho: em 2001, António Rios de Amorim, então com 34 anos, sucede a Américo Ferreira de Amorim na presidência da Corticeira Amorim SGPS, S.A.. É o abrir de uma nova página: a da investigação & desenvolvimento e da inovação, que leva a cortiça (matéria-prima de que ainda se fazem as rolhas das garrafas), à condição (entre outras) de componente dos veículos que cruzam os céus para lá da atmosfera que se pode respirar, à procura ninguém sabe muito bem de quê.

http://economico.sapo.pt/noticias/amori ... 50737.html
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