O próximo Algarve
24 Agosto 2012 | 12:29
Nicolau do Vale Pais
Ponto 1: que não pretendo responsabilizar as populações - neste caso, os algarvios - pelo estado de coisas a que me refiro, antes pelo contrário - há lideranças, há discursos e há democracia, responsabilize-se, portanto, quem teve e tem Poder.
Delicado como é este assunto, faço dois pontos prévios:
- ponto 1: que não pretendo responsabilizar as populações - neste caso, os algarvios - pelo estado de coisas a que me refiro, antes pelo contrário - há lideranças, há discursos e há democracia, responsabilize-se, portanto, quem teve e tem Poder.
- ponto 2: como cidadão, entendo que o investimento público no Turismo é um território perigoso, um mar de sereias, autênticos paraísos "inshore" para a transferência de dinheiro e recursos públicos - naturais e/ou edificados - para a mão de privados. A meu ver, como o betão nos anos 90, o Turismo tratado da forma genericamente megalómana e desqualificada como tem sido, mais não é do que um negócio insustentável, dependente ou da erosão dos recursos naturais a ritmo acelerado, ou da injecção permanente de capitais públicos - pela via directa do financiamento ou indirecta, por alcavalas fiscais, que as reduções no IVA para o golfe num passado recente tão bem ilustraram. Como na construção das estradas e de outros elefantes brancos, o truque mediático está na promessa de "desenvolvimento", essa palavra que parece uma taça de água sempre cheia, para que os Pilatos Lusos possam lavar as suas mãos, e, quando coisa corre mal, evocarem cobardemente as "escolhas do povo". Por ser da "gestão da escassez de recursos", este assunto é "da Economia" e o seu diagnóstico, reavaliação e reponderação deveriam estar no topo da lista das prioridades do país. Nem mesmo o sol é eterno, quanto mais a paisagem.
Mesmo excluindo a dor de alma de, ainda antes dos 40 anos, ter já memória da devastação paisagística e da disrupção social daquela região (que tem a mais alta taxa de desemprego do país), há muito que há sinais de desnorte e deriva no negócio. Em Junho deste ano, o "Público" fazia eco das preocupações profundas de um sector imobiliário em ruptura. Projectos ainda há pouco declarados de interesse nacional por um Sócrates aos gritos estão falidos, ainda antes de terem visto a luz do dia. Gruas desmontadas, obras por terminar, preços em queda livre num mercado inundado por uma oferta calculada à dimensão louca da aliança de conveniência entre os bancos e os políticos à procura da reeleição. Nessa mesma semana, o Conselho de Ministros do actual Governo aprovava o resgate de três das maiores câmaras da região - Faro, Albufeira e Portimão - por dívidas a fornecedores, entre os quais a Águas do Algarve. As câmaras cobram água aos munícipes, mas não a pagam a quem a fornece, numa dívida na roda dos 60 milhões de euros, para um negócio com um volume de 80 milhões. A partir do Algarve, deveríamos repensar todo o modelo democrático das autarquias, a começar pela visibilidade e estímulo ao trabalho das oposições e, claro, as Empresas Municipais, autênticos tapa-buracos ilusórios e fatais, nos orçamentos das câmaras. Porto e Lisboa incluídos.
Há alguns dias, alguns operadores turísticos de grande dimensão, como a cadeia Vila Galé, deram conta de mais um truque provinciano, que até tem mais um nome em inglês: o "all included" (ou "all inclusive", vi publicado das duas formas - enfim, "tudo incluído"). José Carlos Leandro, vice-presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve, alertou de imediato para os perigos desta massificação, seja ao nível da imagem de marca e especificidade da região e sua clientela, seja ao nível da dimensão pequena do seu mercado quando comparado com as Caraíbas, por exemplo, onde este modelo de negócio é sobejamente conhecido. José Carlos Leandro disse - para quem o quis ouvir - que o Algarve representa no mercado de turismo global uma fatia ínfima e que, por este caminho, acabará por perder a pouca competitividade que lhe resta. Não é preciso ser entendido na matéria para perceber que - como com a concentração densíssima de negócios num centro comercial numa grande cidade - este regime, que visa manter o turista a consumir tudo nos serviços do Hotel, é o fim do comércio tradicional e da vida própria das urbes, bem como um atentado directo à sua identidade. E o que é mais pérfido é que estes operadores, que alegam a inevitabilidade desta perversão, de uma região com cultura e identidade próprias, a um "resort" foleiro que tanto podia ser aqui como na China, são os mesmo que durante anos posaram para as fotografias nas inaugurações das infra-estruturas que agora não conseguem rentabilizar. E tornam assim a desviar a nossa riqueza para o negócio deles; já na altura em que a escala do saque se percebia ser completamente insustentável, os opositores eram chamados de "elitistas" que "não deixam trabalhar" e não "olham aos interesses da região e do povo". Como se o povo fosse estúpido, portanto.
Enquanto não conseguimos tirar o debate do infrutífero e desresponsabilizante conflito disfarçado de ideologia, o "cobrador do fraque" em que se tornou o Governo, deita fora mais do que aquilo que nos pode humanamente cobrar. Álvaro Santos Pereira, ministro da Economia, não analisa, não diagnostica, não regula, não faz política. Faz buracos pelo País com a ajuda de empresas canadianas, à procura de minas de ouro ou de qualquer outra matéria-prima, à procura do próximo Algarve.
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