LFA1 Escreveu:Deduzo, então, que para ti o mercado de agências de rating está muito bem como está e não há mais nada a fazer.
Vou responder à tua questão mas primeiro vou divagar um pouco e falar do mercado dos combustíveis.
Facto 1 - o preço das matérias-primas, nomeadamente do brent, tem vindo a aumentar consistentemente, o que tem reflexos no preço de venda dos combustíveis
Facto 2 - devido ao tipo de vida que leva, muitos portugueses (talvez a maioria) são afectados por essa subida de preços, seja porque usam carro próprio, seja porque têm de recorrer a outros meios de transporte
Facto 3 - frustrada com o aumento constante dos preços, uma grande fatia da população tem manifestado DESAGRADO com os preços elevados e tem expressado o DESEJO de que os preços de venda baixem
Para descarregar a frustração que sentem relativamente ao facto de os preços estarem mais elevados do que elas desejariam, muitas pessoas culpam diferentes actores do mercado: as malandras das gasolineiras que só querem é enriquecer, a inoperante da autoridade da concorrência que nada faz, os desonestos dos políticos que não querem alterar o estado de coisas porque estão feitos com os grandes grupos económicos, os parvos dos tugas que continuam a abastecer na GALP, entre outros... não percebem, ou não querem perceber que a situação a que se chegou, com preços historicamente elevados, resulta essencialmente de dois factores:
- primeiro, o modelo de desenvolvimento adoptado pela nossa sociedade, que tem levado a uma subida constante da procura e ao consequente aumento dos preços; mas disto não dá jeito nenhum falar, porque a bem dizer são muito poucos os que estarão dispostos a reduzir o seu nível de vida;
- segundo, o facto de mais de metade do preço de venda dos combustíveis ser composto por impostos, que vão direitinhos para os cofres do Estado, sendo pois o governo o actor que mais poder tem para alterar o preço de venda (nomeadamente ao mexer no ISP); mas disto também não dá jeito falar, porque mexe com convicções políticas e a maioria das pessoas não gosta de se expor dessa maneira.
Será que o mercado de combustíveis está bem? Não sei. Até hoje não encontrei nada de errado nele. Mas as pessoas gostam de acreditar que sim, que o mercado está distorcido, porque isso lhes traz conforto moral. É moralmente reconfortante achar que estamos a pagar mais do que devíamos pelos combustíveis porque alguém nos está a sacanear. Não é moralmente reconfortante admitir que temos de pagar cada vez mais porque isso é uma consequência directa do modelo de desnvolvimento que adoptámos. Assim, preferimos encontrar bodes expiatórios. Não resolve o problema, mas traz conforto moral.
Finda esta divagação, vou voltar ao tema em apreço: o das agências de rating. Vou traçar um paralelo com a situação dos combustíveis e por isso vou adaptar o texto anterior.
Facto 1 - os ratings sobre a dívida portuguesa têm vindo a diminuir consistentemente; esta descida de rating tem sido acompanhada por um aumento das taxas de juro sobre a dívida pública portuguesa, o que tem reflexos na despesa do Estado e, consequentemente, nos nossos impostos
Facto 2 - a maioria dos portugueses é afectada por essa descida de rating, uma vez que o aumento de impostos vai penalizar tanto o consumo como o rendimento, diminuindo o rendimento disponível das famílias e também das empresas
Facto 3 - frustrada com a quebra continuada do rendimento disponível, uma grande fatia da população tem manifestado DESAGRADO com os ratings cada vez mais baixos (nomeadamente com a recente classificação de "lixo") e tem expressado o DESEJO de que os ratings de Portugal sejam melhores - este desejo tem-se manifestado, por exemplo através, da expressão "Portugal não é lixo" e outras do mesmo teor
Para descarregar a frustração que sentem relativamente ao facto de o rendimento disponível estar mais baixo do que elas desejariam, muitas pessoas culpam diferentes actores do mercado: à cabeça surgem as malandras das agências de rating, que supostamente têm interesse ocultos por trás destas classificações... ; nesta linha, tem sido cada vez mais falada a ideia de uma agência europeia - acredito que as pessoas acalentam a ideia, ainda que não verbalizada, que a agência europeia não nos irá dar o rating de lixo. Não percebem, ou não querem perceber que a situação a que se chegou, com taxas historicamente elevadas, resulta essencialmente do modelo de desenvolvimento adoptado pela nossa sociedade, com um despesismo elevado e uma produtividade baixa, o que tem levado a uma subida constante do endividamento; mas disto não dá jeito nenhum falar, porque é muito conveniente continuar a ter o Estado a financiar tudo e mais alguma coisa e parece-me que são muito poucos os que estarão dispostos a reduzir o seu nível de vida;
Dito isto vou responder à tua questão:
Será que o "mercado" de ratings está bem? Não sei. Até hoje não encontrei nada de errado nele. Mas as pessoas gostam de acreditar que sim, porque isso lhes traz conforto moral. É moralmente reconfortante achar que estamos a pagar mais juros do que devíamos porque alguém nos está a sacanear. Não é moralmente reconfortante admitir que estamos a pagar cada vez mais pelos juros (e consequentemente nos nossos impostos) porque andamos a gastar mas do que devíamos, em consequência directa do modelo de desnvolvimento que adoptámos - e não é moralmente reconfortante porque isso nos obrigaria a baixar consideravelmente o nosso nível de vida e isso é um cenário que não desejamos ter de enfrentar. Assim, preferimos encontrar bodes expiatórios. Não resolve o problema, mas traz conforto moral.