CALMA
Havia noites em que as montanhas refulgiam, prenhes de calor e ócio. Enfeitavam-se de flores, momentos antes da chuva, e abriam os braços, os seus braços de montanha, para acolher as almas no seu seio.
Havia alturas em que o vento se calava para ouvir cantar as pedras e o soluço das árvores, no amargo reflexo das folhas e dos frutos por amadurecer. A espera era controlada pela música que parecia nunca acabar, no anteparo das hastes, no esquecimento das cores.
Havia nuvens, por vezes, nas vezes em que o luar se esquecia de acordar e quando ninguém se envergonhava de estar alegre. Das pausas entre os sons ninguém sabia nada, nem sequer das lágrimas que se saciavam de beijos.
Havia sempre saudades. Na guerra havia saudades da paz. No adeus havia saudades do regresso. No mar havia saudades da terra... Quando os canhões, os abraços e as vagas se encostavam ao silêncio, percebia-se que a montanha já não era a mesma. Estava prenhe de calor e ócio.
Havia tempos em que era assim. De tempos a tempos... Antes de a montanha refulgir e abrir os braços. Antes de o vento se calar. Antes de as pessoas se envergonharem e de a lua trazer saudades. Havia tempos, houve sonhos. Adormeceram todos numa almofada de penas de ganso, aconchegados num círculo de braços observado por um papagaio de papel que, a certa altura, desistiu, e seguiu a música do vento.
E assim também foram os pássaros...