João Pereira, tenente-coronel, é o mais experiente piloto português de F-16 e ontem viveu o pior dia da sua carreira militar: teve de se ejectar e despenhar o avião, ao detectar uma avaria que impedia aterrar em segurança. Mas antes orientou o caça – que estava num voo experimental após ter sido modernizado – para longe das povoações. Evitou que o avião se despenhasse na aldeia de Pilado.
A manobra temerária do tenente-coronel Pereira ia-lhe custando a vida. Só se ejectou quando conseguiu ‘apontar’ o avião para o pinhal, de forma a evitar mortes de civis. Ejectou-se quando estava a perigosos 350 metros do solo. O avião caiu num pinhal próximo da Base Aérea de Monte Real (BA-5) e o piloto aterrou de pára-quedas num vale a Sul da base, indo a pé até uma estrada próxima. A Força Aérea já nomeou uma comissão de inquérito para apurar as causas do acidente.
O desastre aconteceu às 13h40, na fase terminal do ensaio e quando o piloto regressava à base o F-16 (que estava desarmado) deixou de “obedecer”. Já durante o voo de 45 minutos foram notados “pequenos indícios” de que algo não estava bem, mas só na “fase final de aproximação à pista” se tornou “intolerável” controlar o avião, disse o tenente-coronel Vítor Lopes, segundo comandante da BA-5, explicando que o F-16 “começou a fazer um movimento irregular, ondulatório”.
O piloto, ao aperceber-se de que não iria conseguir aterrar em segurança e que seguia rumo a uma aldeia, orientou o F-16 para um pinhal – evitando que se despenhasse numa povoação –, colocou-o na potência máxima e ejectou-se quando se encontrava a 350 metros do solo.
O avião caiu num pinhal a Sudoeste da BA-5. A cadeira ejectável foi parar à ponta Sul da pista principal e o piloto aterrou de pára-quedas num vale próximo, a um quilómetro da cadeira. A aeronave – um bilugar com a matrícula 15140 – fazia o primeiro voo depois de ter sido submetida a uma grande operação de modernização e iria equipar a esquadra 301, a única actualizada com MLU. O voo destinava-se a avaliar se estava em condições de ser entregue para voo operacional.
“O piloto está bem, foi observado de imediato pelos médicos da BA-5 e durante a tarde acompanhou, de helicóptero, os militares encarregues de fotografar a zona onde o avião caiu. Ao final da tarde seguiu para o Hospital da Força Aérea, para fazer exames médicos mais completos.
“Assim que aterrou telefonou-me e deslocou-se pelos seus meios até à estrada, onde o fomos buscar”, contou o tenente-coronel Vítor Lopes.
"VI-O FAZER PIRUETAS E UM PONTO NEGRO SUBIR"
Eram horas de almoço e Manuel Duarte, que mora na Garcia, estava a preparar a refeição quando espreitou pela janela e viu o avião a descrever uma curva lenta, antes de iniciar a aterragem, o que não é habitual. Logo a seguir despenhou-se.
No café Fonseca, na Serra de Porto de Urso, foi o barulho – “muito” – causado pelo avião quando estava a subir que despertou a atenção de Carlos Gomes. “Ouvi um pequeno estrondo, que era o piloto a ejectar-se e depois vi o avião desgovernado”, contou, adiantando que se tratou de uma queda “a pique”.
Depois só viu o “fumo negro” que se elevava do pinhal e já não conseguiu observar os destroços de perto por o acesso ter sido vedado pelos militares. A queda do avião também foi vista da A17. Ricardo Nunes seguia numa das viaturas de manutenção da via quando reparou num avião “a fazer piruetas” e num “ponto negro a subir”.
Em Casal dos Claros, a queda do F-16 também não passou despercebida. João Cardoso viu o avião descolar e fazer “uma picada de 90 graus, com uma velocidade incrível”. No regresso, notou que, ao aproximar-se da pista, “balançava”, mas pensou que era um exercício.
O que lhe despertou mais a curiosidade foi o facto de ser verde florescente, quando costumam ser cinzentos. Tal é explicado por o F-16 ter acabado de sair da modernização e ter apenas a pintura primária (verde).
Alguns populares criticaram o “barulho” causado pela Base. Nuno Duarte mora em Outeiro da Fonte, uma das povoações mais próximas, e conta que, quando os aviões descolam de Sul para Norte “a casa estremece toda”. O comando da Base garante que apenas ocorrem “instantes pontuais de ruído elevado”.
PERFIL
O tenente-coronel João Pereira (na foto ainda com as divisas de major) é o comandante da esquadra 301, Jaguares. Tem três mil horas de voo – duas mil em F-16, o que faz dele o piloto mais experiente. É ele quem experimenta e ensaia os caças antes de serem entregues para voo operacional.
JÁ MORRERAM 89 PILOTOS E TRIPULANTES
A Força Aérea Portuguesa perdeu desde que foi criada, em 1952, um total de 89 pilotos e tripulantes em desastres com aeronaves. A maior parte faleceu em território nacional. Na Guiné, Moçambique e Angola perderam a vida 20 militares. O maior acidente aconteceu a 1 de Julho de 1955, na Serra do Carvalho, entre Poiares e Coimbra, quando se despenharam oito aviões F-84 dos 12 que voavam em formação – faleceram oito pilotos. Havia sol e boa visibilidade – apenas com algumas nuvens baixas – mas o nevoeiro foi apontado como causa do acidente, porque tapava parte da serra contra a qual se despenharam os aviões. Em Poiares, o monumento ‘Voo dos Anjos’ assinala a tragédia.
ERA UM DOS MAIS CAROS NA FROTA
O F-16 bilugar que se despenhou chegou à Força Aérea (FAP) em 1999 – comprado aos Estados Unidos no programa Peace Atlantis II – 25 caças custaram 220 milhões de euros – esteve encaixotado até o ano passado. Tinha acabado de ser modernizado para o padrão MLU (fazendo dele um dos mais caros – valeria mais de 20 milhões de euros), processo que Cavaco Silva recentemente assistiu em Monte Real. A FAP fica assim com apenas sete F-16 (três bilugares e quatro monolugares) MLU (modernização que permite, entre outros, o lançamento de bombas inteligentes e o combate nocturno). Dois outros MLU estarão prontos em Fevereiro. A FAP tem ainda 19 F-16 (na esquadra 201) do programa Peace Atlantis I.
ENTERROU-SE NA AREIA DO PINHAL
Ao despenhar-se, o F-16 pilotado pelo tenente-coronel João Pereira, ficou “parcialmente enterrado” e causou um pequeno incêndio que foi de imediato controlado pelos Bombeiros da BA-5. Antes de cair, danificou dois pinheiros e derrubou outro. O acesso à zona foi vedado, por haver material tóxico e para preservar os destroços, já que a posição em que se encontram ajudará a esclarecer as causas do acidente.
NOTAS
ÚNICO CASO MORTAL
O acidente com o F-16 às 11h49 de 8 de Março de 2002 foi único mortal com este tipo de aeronave da FAP, que veio substituir os aviões A7P Corsair, também protagonistas de algumas tragédias.
FAZIA TREINO ACROBÁTICO
O capitão piloto-aviador Jorge Moura estava na fase final de treino acrobático - a fazer um voo invertido - quando embateu nos postes das ajudas de sinalização de aproximação à pista e se despenhou.
REGISTADOS 17 ACIDENTES
A Base Aérea de Monte Real registou 17 acidentes com meios aéreos desde 1985. A maioria (15) envolveu aviões A7P Corsair e alguns causaram vítimas. Os outros dois envolveram F-16.
QUARTO INCIDENTE
Este foi o quarto incidente conhecido com um F-16 português, mas apenas o segundo em que a aeronave ficou completamente destruída
COLISÃO EM BEJA
O primeiro deu-se em 1996 num festival aéreo em Beja. O F-16 colidiu no ar com um avião britânico. Aterrou danificado mas o inglês ejectou-se e despenhou-se
PROBLEMAS NO BÁLTICO
Em 2002 ocorreu o único acidente mortal (ver caixa). Já no final de 2007, no Báltico, um F-16 teve problemas no ar com o trem de aterragem
F-16
MOTOR
Pratt-Whitney F100-PW-220
DIMENSÕES
Envergadura: 9,45 m
Comprimento: 15,03 m
Altura: 5,09 m
PERFORMANCES
Velocidade máxima: MACH 2.05
Raio de acção: 3 800 km
Tecto de serviço: 15 240 m
Peso vazio: 7 390 kg
Peso máx- descolagem: 16 057 kg
Combustível: 3250 kg + 3052 kg
CADEIRA EJECTÁVEL
A cadeira é accionada por um foguete que garante uma velocidade gradual e evita lesões graves na coluna do piloto. A canóplia de vidro do cockpit solta-se no momento da ejecção. No ar, a cadeira desprende-se automaticamente do piloto e o pára-quedas abre-se
OUTRAS AERONAVES DA FORÇA AÉREA
EH 101
- Helicóptero de busca e salvamento e transporte táctico
P3
- Avião de controlo marítimo e guerra anti-submarina
CASA C212 AVIOCAR
- Transporte aéreo e busca e salvamento, vigilância e instrução
HERCULES C130
- Transporte aéreo de busca e salvamento, vigilância e instrução
ALOUETTE III
- Transporte aéreo de busca e salvamento e instrução
ALPHA JET
- Instrução e jacto
http://www.correiodamanha.pt/noticia.as ... al=9&p=200