E que dizem os Caros a isto?
5.3. FN controlada
Mas espera-se que não sejam só os benefícios indirectos apontados atrás que possamos obter da FN em termos energéticos. A espectacularidade do Sol quando explicada em termos de reacções de fusão, há pouco mais de 60 anos, cativou muitos investigadores em volta do objectivo de conseguir recriar esses processos na Terra. Isto levou à criação de um ambiente científico próprio à investigação nesse sentido.
Após a Segunda Guerra Mundial, alguns físicos mais motivados acreditavam na obtenção de energia a partir de reacções de fusão controladas (nessa altura foi testada a primeira bomba de hidrogénio, baseada exactamente em fusão descontrolada).
Mas criar o ambiente necessário à FN controlada não foi tarefa fácil, sendo as condições para a operação de um reactor de fusão bastante exigentes.
Nestes anos foram experimentadas reacções de fusão envolvendo diversos combustíveis e geometrias. Actualmente, os mais promissores no sentido da viabilização do aproveitamento comercial do processo parecem ser o tokamak, como estrutura, e o deutério e o trítio (isótopos de hidrogénio), como combustíveis.
A fusão, se fosse viável comercialmente, apresentaria diversas vantagens relativamente à obtenção de energia a partir de combustíveis fósseis (muito finitos e produtores de poluição atmosférica) e através de reacções de cisão nuclear (perigosas, produtoras de grandes quantidades de material radioactivo):
os combustíveis, apesar de finitos, existem em grandes quantidades - o deutério retira-se da água e o trítio obtém-se de lítio, metal bastante abundante na crusta terrestre;
não há poluição atmosférica;
o decaimento do material radioactivo produzido é bastante mais rápido do que no caso da cisão;
o sistema é seguro, as falhas conduzem à paragem dos processos.
No tokamak existe uma câmara de vácuo toroidal (forma de donuts) onde se cria um plasma (gás ionizado) de deutério e trítio. O plasma é aquecido por diversos métodos e afastado das paredes da câmara por meio de campos magnéticos, de modo a alcançar e manter a temperatura e densidade requeridas pelo processo. Ao dar-se a fusão de um núcleo de deutério com um de trítio são produzidos um núcleo de hélio (com 20% da energia produzida, usada para aquecer o plasma) e um neutrão (com a grande fatia da energia, aproveitada numa camada exterior para produzir trítio, a partir de lítio, e calor, que produz vapor para turbinas de geração eléctrica).
O problema está em que, até hoje, o custo energético do processo foi sempre superior aos ganhos obtidos. Mas esse não é o grande problema, o grande problema é, como de costume, o dinheiro. A investigação em FN controlada é altamente dispendiosa e é muito difícil garantir os financiamentos imprescindíveis à sua continuidade. O verdadeiro problema está em que, até hoje, o custo monetário do processo foi sempre superior aos ganhos obtidos (pelo menos do ponto de vista económico - quem se atreve a dar um preço a uma descoberta científica?). Será que alguma vez existirá o ambiente científico que permita o sucesso desta investigação?
Considerações finais
É claro que a investigação em FN só se iniciou porque existiu um ambiente político propício. E só existiu tal ambiente porque havia interesses militares ao barulho.
A dissociação da investigação em FN controlada de um ambiente militar trouxe dificuldades acrescidas à sensibilização da classe política para esta causa. Também terá contribuído para tal efeito a ausência de resultados espectaculares nos últimos anos, apesar das constantes tentativas de empolamento das vitórias experimentais, invariavelmente bastante esotéricas para o público em geral.
As decisões políticas não costumam ser muito radicais, sendo bastante ponderadas pelo seu potencial lucro eleitoral. Se não existir à partida um ambiente sócio-cultural favorável ao investimento na FN é difícil que quem esteja no poder invista numa área com resultados tão pouco imediatos.
É bom recordar que também existe a iniciativa privada, mas os montantes envolvidos na investigação em FN controlada são de tal forma elevados que só mesmo um consórcio de países à escala mundial permitirá sustê-los. A contenção de despesas leva alguns países a afastarem-se deste difícil empreendimento, mas aqui voltamos à questão da vontade política. É tudo uma questão de prioridades e só mesmo pessoas com um grande poder de visão, que lhes permita ver benefícios muito para lá do imediato, manterão o seu apoio a este tipo de projectos.
Mas se a implementação da produção de energia directamente a partir da FN é tão complicada, não o deveria ser a da produção indirecta. Como vimos atrás, as fontes de energia renováveis provêm mais ou menos directamente da radiação solar, e, portanto, da FN no Sol. Por isso, a sua utilização não é mais que a utilização da FN. Tendo em conta que as energias renováveis são já uma realidade em termos comerciais e que até estão bastante na moda em termos de opinião pública, não será tão complicado caminhar para a sua implementação generalizada, em paralelo com a investigação no sentido de melhorar os métodos existentes. E criar os ambientes económico, científico e sociocultural para que isso aconteça não é senão uma obrigação de quem decide os destinos dos países.
Nas últimas décadas, a impotência dos estados perante a degradação do ambiente ecológico levou a uma internacionalização do problema, obrigando a uma alteração do ambiente jurídico. Esta matéria, que constituía monopólio da soberania dos estados, passou a ser atribuição do direito internacional. O ambiente deixou de ser um problema de cada um, para passar a ser um problema de todos. É essencial que assumamos plenamente este compromisso perante a Humanidade para que nos demos conta da conjugação de esforços que é necessária à resolução do problema. Nessa altura é possível que tenha sido encontrado o remédio para a doença do século: a cegueira egocêntrica. Só então abriremos os olhos e passaremos a ser capazes de ver mais além.
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Nuno Delicado
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