Publicámos na Primeira Página a "fresquinha" entrevista que nos concedeu o Dr. Fernando Braga de Matos, autor do "Ganhar em Bolsa", cuja nova edição tem sido um enorme sucesso de vendas:
Entrevista ao Dr. Fernando Braga de Matos
20 Jul 2007
Três anos depois, o Dr. Fernando Braga de Matos volta a dar uma entrevista ao Caldeirão. Alguns dias depois do lançamento da nova edição do "Ganhar em Bolsa", colocámos algumas questões ao seu autor sobre o livro, sobre a saúde do actual "Bull Market" e sobre alguns temas mais intemporais relacionados com os mercados.
Ulisses Pereira: Parabéns por esta nova edição do "Ganhar em Bolsa". Depois de tantos anos esgotado, a nova edição tem sido um fantástico sucesso de vendas. A que atribui o sucesso da sua obra?
Fernando Braga de Matos: A capa é muito atraente.
UP: Eu considero que a verdadeira essência do livro está na primeira edição. Que diferenças entre esta edição e a primeira, já que muitos anos passaram desde a sua obra original?
FBM: Na essência nada se modificou, como é óbvio. O que se passou nos quase 15 anos subsequentes apenas veio confirmar, mesmo reforçar, o que eu sustentava em análise de mercados e decorrente estratégia.
Afinal, o livro começa por ser uma obra de investigação, com grande ênfase no estudo estatístico e evidência empírica. Com a minha base de dados de 20 anos da Nyse e 17 de Bolsa portuguesa, milhares de gráficos tirados, tudo acoplado a estudos académicos e obras práticas dos últimos 100 anos (sim!) como poderiam as coisas ser diferentes?
Agora, há muita novidade, mas principalmente de actualização. A Internet e a globalização modificaram o ambiente, influenciando coisas importantíssimas como o acesso a outras Bolsas, a relevância dos mercados emergentes, a internacionalização das empresas (de tal forma que as cotadas já pouco têm a ver com a economia nacional). Depois, temos uma nova Bolsa, o desenvolvimento de um outro Bull Market, novas ênfases na teoria financeira, que os Nobel vieram realçar, etc…
UP: Para aqueles que já tinham a edição anterior, vale a pena comprar esta nova?
FBM: Ao fim e ao cabo, 150 páginas a mais não hão-de ser só frivolidades. Pelo menos o editor achou que não. Eu, se investisse na Bolsa e tivesse 25 euros na carteira, comprava o livro.
UP: Os mercados mudaram muito desde a primeira edição até hoje?
FBM: Os emergentes, como era o nosso, alteraram-se muitíssimo, em eficiência dita interna e externa. Portugal, que é o que nos interessa, é hoje outra coisa. Quem, como eu, percorreu 35 anos de Bolsa e sistema financeiro associado, até julga que mudou de país. Quando comecei a escrever o livro só havia 3 títulos a negociar "em contínuo" e era uma novidade!
De resto e em geral, os mercados mudaram muito em rapidez de operação e informação, no alargamento de plataformas, na intermediação e na apetência por produtos derivados.
UP: A abordagem da Bolsa como um "Jogo" é uma constante no seu livro. Por que razão encara assim os mercados, ao invés da palavra politicamente correcta: "investimento"?
FBM: Não é "ao invés", os conceitos ajustam-se, pois se trata do jogo do investimento em acções. Porém, o uso do conceito de Jogo é essencial para o meu fito de analisar o mercado de acções, percebê-lo e, então, definir a estratégia decorrente.
As pessoas às vezes ficam perplexas porque associam a palavra "jogo" necessariamente aos ditos de fortuna, ou sorte e azar. Ora, não é nada disso, tudo vai na senda do que Von Neumann definiu como Teoria dos Jogos e que, desde a 1ª edição do meu livro, já recebeu dois prémios Nobel, em 1994 e 2005. Isto é, conforme escrevi no meu livro, "uma actividade humana racional que se desenvolve em interacção dos participantes, exigindo destes conhecimentos e perícia, dos quais o resultado depende, tendo por finalidade um ganho ou uma vantagem".
Tentei então devassar o específico Jogo das Acções, a tal dedicando um capítulo. Se bem compreendido, grande parte das questões ficam resolvidas e seguramente as essenciais.
O primeiro dos pontos é, aliás, perceber que se trata de um jogo de soma positiva, isto é, um jogo em que todos podem ganhar. Parece milagre? Pois é matemática pura. Daí a minha afirmação que, "qualquer pessoa, e não necessariamente um perito, desde que dotada dos conhecimentos adequados e informação suficiente, pode seguramente ganhar em Bolsa, possivelmente muito, e eventualmente de um modo extraordinário, mesmo usando uma estratégia avessa ao risco". (Falo de acções e não de outros produtos financeiros).
UP: Tem sucesso como investidor? Qual o seu maior erro em todos estes anos em que negoceia?
FBM: Felizmente que o meu sucesso não é como os da astrologia que ganham os dracmas a vender livros e horóscopos, não a fazer previsões fidedignas.
No perfil de risco que escolhi, o meu êxito é notório. Basta dizer-lhe que na 1ª edição do livro já previa o início do Bull dos anos 90; que larguei tudo em princípios de 2000; e que reentrei em Bolsa no dia em que os marines derrubaram a estátua de Saddam, em 9 de Abril de 2003, depois de enxergar os sinais que o meu livro assinala como de rompimento do Bull Market. Quer melhor?
O meu maior erro - citando um estratégico claro está - foi não ter largado os cabedais em 1973, com a crise do petróleo e , por isso, deixar-me "nacionalizar" (salvo seja!) no 25 de Abril. Perdi couro e cabelo e fiquei "a descoberto". Quer pior?
Por isso escrevi o livro: para na investigação perceber como um cidadão inteligente pode ser tão estúpido. (Para sossego da minha auto-estima, até averiguei que, entre outros infelizes com idêntico fado, se destacavam Newton e Keynes, nada menos)
UP: Há 3 anos, concedeu-nos uma entrevista onde afirmava estarmos num "Bull Market". Até hoje, ele prosseguiu o seu imparável caminho. Acredita que ainda há espaço para mais ganhos?
FBM: Os PER ainda não estão exagerados, as empresas cotadas são boas e continuam a ter excelentes ganhos num mercado global em fantástica expansão. Por isso, o Bull vai continuar. Com uma saudável rectificação lá mais para diante se continuar a ascensão, ou um sossegado rumo para tendência lateral. Vamos a ver como será o sentimento e a apetência pelo risco dos investidores.
UP: Como vê, a crescente popularidade da negociação das "commodities"?
FBM: Com as novas economias emergentes, com 4 biliões de pessoas, a crescerem desmesuradamente, já se sabia que as commodities iam entrar no bom tempo. As pessoas acorrem às oportunidades, voila. E depois há tantos produtos para todos os perfis de risco - Futuros, Fundos abertos, ETFs, Hedge Funds, até as simples acções de empresas mineiras ou de energia.
UP: Cada vez mais, os pequenos investidores têm acesso a produtos altamente alavancados. Entre o potencial de retorno e o risco de utilização abusiva, aconselha o seu uso?
FBM: Um dos meus mentores intelectuais, o extraordinário Peter Lynch , dizia: - "Os derivados são para quem odeie ficar rico lentamente e prefira ficar pobre rapidamente".
Isso é para profissionais e semi-profissionais, ou alguém julga que um amador part-time tem qualquer hipótese de ganhar consistentemente?
A alavancagem que eu defendo passa pelo efeito multiplicador do reinvestimento de dividendos e mais-valias e pelo o uso de conta-margem nos primórdios do Bull Market. E esta última sugestão é com muita cautela, com sistemas protectivos a funcionar, seja "stop loss", seja alguma forma de "hedging".
UP: O aparecimento de OPA`s muito importantes no mercado português, a lentidão na sua resolução e o seu falhanço por questões estatutárias retiram credibilidade ao mercado português?
FBM: Claro que tira, e refiro-me principalmente à PT. Ficou visto que o Estado (e a nomenklatura dos gestores públicos ou aparentados) é que riscam e, como habitualmente, mal. Até o insigne personagem que representou a CGD na AG é dos de curriculum duvidoso.
Toda a gente, menos os interesses corporativos, ficou a perder, e para tanto basta recordar as cotações da Sonae.com , da Sonae e o preço da oferta da PT, tal como estavam quando o lance subiu: o valor accionista cresceu desmesuradamente e depois voltou à modorra "institucional". Como se viu, todos perderam, tanto os accionistas da Sonae como os da PT (os da Sonae mais, claro) , porque Belmiro criava valor e os residentes não. Isto não digo eu, disse o mercado.
Também se refira, porém, em abono da verdade, que o que a gente vê frequentemente na Europa continental é mais ou menos a mesma droga, embora menos escabroso.
UP: Aprecia a estratégia de "comprar em baixa e vender em alta" ou "comprar em alta e vender ainda mais em alta"?
FBM: A estratégia fundamental que preconizo é a "Timing the Market " e seguir a Tendência. Isto dito, não há mal nenhum, pelo contrário, em acoplar uma estratégia oportunística, a que eu chamo "ir aos saldos".
UP: Porque é que tantos investidores perdem no mercado?
FBM: Não percebem nada do assunto e enganam-se a si próprios porque, enquanto ganham, não atribuem o facto à fortuna do bom momento, mas a uma presumida competência. Então, até a inibição da ignorância perdem, e isso era a melhor salvaguarda que detinham.
Alias, o benfazejo Jogo das Acções, que por ser de soma positiva é inelutavelmente de ganhar como vimos, é também traiçoeiro, porque alicia quando fica perigoso e repele quando tudo é favorável (mas não parece). A vertente das aparências é uma faceta interessantíssima do jogo. Daí, no livro, um capítulo dedicado à "Arte do pensamento contrário".
UP: O que pode um investidor perdedor fazer para se transformar num investidor ganhador?
FBM: Adquirir o "Ganhar em Bolsa", como não podia deixar de ser. Mas como a osmose não chega, também é preciso ler.
UP: Cada mercado tem as suas próprias características ou, com a globalização e a fusão de diferentes Bolsas mundiais, os investidores e os padrões de negociação são cada vez mais semelhantes?
FBM: Os mercados tendem todos para a perfeita eficiência, embora ao contrário do que sustenta a teoria do mesmo nome, nunca a consigam alcançar. No entretanto, igualizam--se claramente na operacionalidade, e as distinções só se continuam a processar no acesso à informação, o chamado domínio da eficiência externa.
UP: O que é que jamais faria em Bolsa?
FBM: Comprar acções das SAD`s dos clubes de futebol.
UP: De que tem saudades em relação ao mercado?
FBM: O do antigamente? Nada, era tudo pior, excepto eu ser mais novo.