Negócios à velocidade chinesa
Numa frase: poucos negócios fechados, muitos negócios abertos. O que remete a avaliação da visita de José Sócrates à China para mais tarde. Já assim foi no Brasil e a verdade é que seis meses depois ainda não há resultados visíveis a olho nu; já assim foi na Argélia, mas um mês depois já há uma adjudicação à Parque Expo e possíveis contratos na construção.
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Pedro S. Guerreiro
psg@mediafin.pt
Numa frase: poucos negócios fechados, muitos negócios abertos. O que remete a avaliação da visita de José Sócrates à China para mais tarde. Já assim foi no Brasil e a verdade é que seis meses depois ainda não há resultados visíveis a olho nu; já assim foi na Argélia, mas um mês depois já há uma adjudicação à Parque Expo e possíveis contratos na construção.
Esta hipótese de avaliação da viagem assume, é claro, que o saldo a fazer é o económico - não o político, não o dos "casos" Pinho e EDP, que em Portugal absorveram as atenções mediáticas. Já vamos aos casos, mas para já aceitemos que "nada contribui mais para uma boa relação política do que uma boa relação económica". José Sócrates "dixit".
Acordar na China
Foram assinados na China quatro acordos oficiais, um acordo institucional, um acordo cultural e 28 acordos empresariais. Muitos são meros "memorandos de entendimento", cartas de intenção que podem dar em nada. Hipólito Pires pode explicar porquê, ao contar a sua história: há um ano assinou contratos com o fabricante automóvel chinês Geely para passar a comercializar os seus veículos em Portugal. Depois disso... nada. Ou melhor: Hipólito Pires cansou-se de esperar e foi outra vez à China assinar outro acordo com outro construtor, a BYD.
"O dia mais importante destas viagens é o dia seguinte a terem terminado". Basílio Horta arruma assim a questão das "grandes esperanças" imediatas: não as tenham. A Associação Portuguesa para o Investimento vai deslocar uma equipa para a China para insistir nos contactos abertos, que passaram por seduções à BYD para fabricar baterias de telemóveis em Portugal, à Geely para investir em produção automóvel (o sonho de substituir a GM na Azambuja), à Huawey para criar um pólo de investigação... As probabilidades de um destes investimentos vir a acontecer são consideradas muito remotas. Mas acima de 0% é, para Basílio Horta, mais perto de 100%.
Diplomacia económica?
A API é hoje a ponta-de-lança para a captação de investimento no estrangeiro. Na China, foram também promovidas as exportações portuguesas, o investimento português no território e parcerias conjuntas para África, Brasil e até Europa. É a diplomacia económica a funcionar? O Jornal de Negócios fez esta pergunta a vários dos 70 empresários que acompanharam Sócrates.
Aqueles que fecharam (ou pelo menos abriram) negócios elogiam a iniciativa governamental mas rapidamente resumem a "diplomacia económica" numa palavra: Sócrates. É ele, dizem, que desbloqueia quando se empenha; é ele, dizem (esquecendo qualquer menção por exemplo a delegações do Icep ou a embaixadas), que apressa a assinatura de acordos prestando-se a presenciá-los, perguntando o que falta fazer e despachando para que se faça. Poucas coisas foram aliás mais unânimes do que esta entre a comitiva empresarial.
Até porque houve queixas. Os três encontros entre empresários portugueses e chineses, por exemplo, tiveram resultados medíocres: a reunião de Pequim foi mesmo considerada um fiasco pelos empresários portugueses, que desconheciam ao que vinham e a quem vinham, deparando-se com um conjunto de agentes "import-export" sem representatividade ou interesses estratégicos; em Xangai, foi menos mau. Mas há quem conteste: "Nós preparámo-nos muito bem antes de virmos, fizemos o trabalho de casa e as reuniões foram por isso muito produtivas", diz Pedro Vieira, gestor da consultora Market Acess.
O empresário mais satisfeito no regresso do périplo Pequim/Xangai/Macau terá sido António Mota, que fechou acordos para a Mota-Engil e abriu diversas portas, nomeadamente para parcerias em África. Também Henrique Granadeiro fez contactos exploratórios para possíveis investimentos asiáticos da Portugal Telecom. Se a OPA falhar, é claro.
"Sim, o envolvimento das autoridades portuguesas é determinante", afiança Carlos Alberto Pereira, administrador da JAP, que esteve mais de um ano a negociar a sua entrada na China, finalmente protocolada nesta viagem. "Não é fácil entrar na China, envolve muita negociação, contactos com muitas autoridades, até com membros do partido", conta. Um partido, único, que o PS recebeu em Portugal no seu último congresso.
O baixo salário de Pinho
Quase todos os resultados da viagem foram em Portugal eclipsados por uma polémica afirmação de Manuel Pinho, feita logo no primeiro discurso oficial da comitiva portuguesa. Perante uma plateia de quase 300 empresários portugueses e chineses, o ministro da Economia enunciou cinco boas razões para investir em Portugal.
À terceira razão, Pinho lançou a maldição sobre a viagem: os portugueses têm salários mais baixos que na Europa. Foi o assunto da semana, que a oposição cavalgou e que irritou o Governo, encrespando a relação com os jornalistas portugueses convidados a acompanhar a comitiva, que foram acusados de trair o sentido à frase de Manuel Pinho e, mais do que isso, terem criado um caso mediático sem substância e ignorando qualquer outro resultado da missão portuguesa.
Pinho reafirmou, Sócrates secundou (corrigindo) e o ambiente entre o Governo e jornalistas esteve tenso até Macau. Mas, em qualquer das filas do avião português, ninguém gostou de ouvir o que disse Manuel Pinho - nem nas últimas (onde viajaram os jornalistas) nem a meio (empresários) nem na primeira classe (Governo).
À saída, um novo caso esteve prestes a ser criado: a EDP teria anunciado a venda da participação em Macau, disse a Lusa, o que contrariava todo o discurso do primeiro-ministro de grande aposta de Portugal em território chinês. Até porque a PT também vendeu em Macau há cerca de um mês, impotente para combater as redes paralelas que sabotavam a sua operação de TV por cabo. A EDP já desmentiu que tenha decidido vender. Mas não jura que não possa vender. Porque é claro que Macau não é prioridade no novo plano estratégico da EDP.
De todos os negócios que foram abertos, sobrava uma convicção na viagem de regresso: os parceiros chineses só se convencem pela persistência, pela paciência, pelos contactos subsequentes. A iniciativa é nossa, pois a China é mais importante para Portugal que Portugal é para a China. O que na geografia económica mundial não é propriamente uma novidade. Nem fatalidade.