Fechem a bolsa e deitem fora as chaves
14/12/12 00:35 | Pedro Sousa Carvalho
A OPA da Brisa transformou-se numa autêntica comédia. O atropelo aos direitos dos accionistas, sejam eles pequenos investidores ou especuladores
A OPA da Brisa transformou-se numa autêntica comédia. O atropelo aos direitos dos accionistas, sejam eles pequenos investidores ou especuladores, ameaça matar de vez aquilo que resta do mercado de capitais português. Que já não é grande coisa. O que a CMVM e a Tagus (José de Mello e o fundo Arcus) estão a dizer aos investidores é simples: ‘Tem acções da Brisa? Comprou-as depois da OPA? Azar o seu!'. Mas o problema é que o azar não é só de quem vai perder dinheiro. É da própria CMVM que está a contribuir para descredibilizar o mercado de capitais que regula e da própria Brisa que daqui a uns anos, quando a crise passar, vai querer regressar aos mercados para se financiar e captar a poupança dos aforradores. Aforradores que hoje estão a ser tratados como uma espécie de ‘investidores descartáveis'.
A história é simples de contar: o grupo José de Mello e o fundo Arcus lançaram uma OPA sobre a Brisa em Março deste ano. Quem achou que o preço era justo ou precisava de dinheiro vendeu. Quem não quis vender tinha esse direito, e não vendeu. No dia 9 de Agosto foram apurados os resultados da oferta e o grupo José de Mello e o fundo Arcus não conseguiram comprar acções suficientes para lançar uma OPA potestativa, que na prática obrigava quem não vendeu antes a vender compulsivamente as suas acções.
Como tal, as acções da Brisa continuaram a negociar livremente em bolsa e muitos especuladores aproveitaram para comprar. Entretanto, chega o dia 4 de Setembro e quem lançou a OPA pede à CMVM para que a empresa perca a qualidade de sociedade aberta, o que implicava que a Brisa deixasse de estar cotada em bolsa.
Até aqui tudo bem. O problema é que a lei e o código de valores mobiliários são omissos, subjectivos, contraditórios e interpretativos em relação à contrapartida que se deve pagar aos accionistas quando uma empresa pede para perder a qualidade de sociedade aberta. O próprio presidente da CMVM, Carlos Tavares, já veio admitir que a lei não é clara. Azar ou incompetência de quem fez a lei.
Para resolver o problema entre a Tagus, que não quer pagar nada a ninguém, e os accionistas da Brisa que continuam na posse das acções, a CMVM prepara-se para tomar uma decisão, no mínimo, bizarra: quem comprou acções até 9 de Agosto e não vendeu na OPA vai receber uma contrapartida igual ao preço da OPA ou o preço que for fixado por um auditor independente. Mas os desgraçados que compraram as acções depois dessa data vão ficar a ver passar navios. Vão ficar com acções em carteira, sem possibilidade de serem transaccionadas em mercado, ou seja, acções que não vão valer nada. Só vão servir de lembrete para não voltarem a investir no mercado de capitais português.
Mesmo quem tenha comprado acções entre 9 de Agosto e 4 de Setembro - período em que ainda não era certo que a Brisa iria pedir a perda de qualidade de sociedade aberta (no prospecto da OPA dizia apenas que ‘ponderava') - vai ficar de mãos a abanar.
Mas a Brisa esteve a negociar depois da OPA com um asterisco a dizer ‘atenção, se comprar acções arrisca-se a perder todo o seu dinheiro'? O argumento de que foram os especuladores que entraram depois da OPA para tentar ganhar dinheiro fácil também não é válido. Os especuladores não devem ser demonizados pois têm os mesmos direitos de que qualquer outro accionista. Aliás, o seu papel deve ser valorizado: são eles que dão liquidez às acções. São eles que estão do lado da compra quando uma acção está a afundar e são eles que estão do lado da venda quando a euforia se instala. Às vezes ganham, às vezes perdem. Se não os querem cá fechem a bolsa e deitem fora as chaves.
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