Entrevista Medina Carreira TSF_Sabado 16/10/2004

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O Estado está à deriva
Na semana de apresentação do Orçamento de Estado (OE), com muita discussão em torno das taxas de IRS e IRC, da viabilidade de ser possível ou não cumprir o défice, Medina Carreira, um ex-ministro das Finanças do Governo de Mário Soares, vê Portugal como um "Estado à deriva".
[Margarida Marante] Este Orçamento mantêm o compromisso de continuidade e consolidação das finanças públicas, ou introduz alguma alteração?
[Medina Carreira] Em rigor, não sei qual é a tendência deste Orçamento, do pouco que se tem conhecimento, posso registar que há um abaixamento do IRS, mais significativo na taxa média que cai significativamente para os escalões mais baixos, e cai minimamente para os escalões médios que se vai esbatendo o beneficio da redução, mas como há uma actualização em função da inflação pode dizer-se que do ponto de vista do IRS os contribuintes não ficaram mal e não só as pessoas dos escalões mais baixos vão ser beneficiados.
A redução das taxas de IRS não foi acompanhada pela redução do IRC. Uma promessa que não foi contemplada. O que lhe parece?
Parece-me que tomou uma medida mais equilibrada e mais significativa, que é a de estabelecer uma taxa mínima para todos os contribuintes. Por uma análise muito sumária, ninguém vai pagar menos de 15% de IRC, por exemplo, um banco que pagaria 7% passa agora a pagar pelo menos 15%. Parece-me que esta é uma medida de grande equilíbrio. A redução falada não é suportada, porque o abaixamento, ainda feito por Durão Barroso, significou um uma perda de 500 milhões de euros, com esta conjuntura não é possível ir mais longe!
Mas esta medida foi prometida?
Promessas de há quatro anos, com variações tão grandes, não são para levar a sério. Dependem muito das conjunturas internacionais, logo é difícil concretizar com rigor essas promessas.
Com os aumentos dos ordenados da função pública conjugado com a redução do IRS pode concluir que Portugal vai manter o défice previsto ou vamos agravá-lo?
Depende do crescimento económico, mas tudo aponta para "cavar o défice". Tudo vai depender do aumento dos salários e das pensões. Ouvi o primeiro-ministro dizer que o aumento será entre os 2,5% e os 9%, se subirem quase 9% será complicado, mas se subirem mais ou menos os 2,5% é a inflação a trabalhar.
Portugal comprometeu-se em Bruxelas que o défice ficaria pelos 2,2%, mas agora já se fala em 2,8%. Vamos ficar por estes valores?
O país vive inutilmente um equívoco profundo. O défice ficará muitos anos acima dos 3% a menos que haja uma reviravolta. Em 1980, a falta de impostos para o grosso das despesas públicas o défice era 4%. Em 2000 era de 7,5%, em 2003 o défice seria de 11%, logo em 23 anos não se nota um decréscimo. Há uma tendência para aumentar em permanência. É uma "doença nas contas públicas" que só pode modificar-se com grande contenção nas despesas ou com uma subida nas receitas que dependem do crescimento económico. Se nós crescêssemos a 5% não tínhamos nenhum problema, mas nós crescemos a 1%, logo este problema vai continuar.
O ministro já admitiu que vai recorrer a receitas extraordinárias. Fala-se de "alienação" do património do Estado, fazendo quase um "leasing", para obter mais receitas. Este é um recurso aceitável?
Não tenho nada contra as receitas extraordinárias, senão o seu próprio limite de financiamento, ou seja, um dia pode haver alguma coisa para vender e no outro dia pode não haver. A ex-ministra, Manuela Ferreira Leite, e Bagão Félix recorrem às receitas extraordinárias por dois motivos. Primeiro, para não criar atritos nem dificuldades em Bruxelas por causa dos fundos, segundo para não aumentar a dívida pública, porque, como todas as dívidas, estas também geram juros, logo quanto mais aumentarem a dívida pública mais encargos vão aparecer. O défice está para ficar e com tendência para aumentar.
Dinamizar e aumentar o investimento público é um caminho aceitável?
É, mas tudo depende da quantidade. Quando estive no Governo, aprendi que temos de ter em conta a balança externa, porque quando nós pomos 100 euros a circular as pessoas gastam mais 100. Como hoje as pessoas não gastam cá dentro, porque nós produzimos muito pouco, logo esses 100 vão lá para fora, o que significa que temos de importar mais, e ao fim de 2 ou 3 anos acontece o mesmo que aconteceu com o governo de Guterres - já não sabiam o que fazer. Outro governo que venha repetir essa receita vai ser muito complicado.
O investimento público sempre foi muito canalizado para as obras públicas. Qual será o sector onde se poderá efectuar esse investimento, afim de ter uma função dinamizadora e não esquecendo a qualidade?
Fala-se da investigação, simplesmente o seu problema não é só o dinheiro. É um recrutamento que leva tempo e é reduzido, logo não vejo que a despesa pública seja a nossa salvação. A solução, a curto prazo, depende do exterior, que não é animador. A Alemanha e a França estão como estão e não vão melhorar.
Este OE retira incentivos às poupanças. Isto é um desincentivo à poupança?
A classe média não é homogénea e esta gama de incentivos eram para a média alta. Quem tem estes incentivos tem um rendimento líquido alto. Essa situação era apenas um instrumento utilizado para pagar menos, e não para poupar.
Mas podiam deduzir-se no IRS.
A política é de opções, se neste momento não temos dinheiro para pagar seguros, para juros bonificados e nem para PP's, logo não podemos continuar numa política irresponsável, que muitas vezes vigora neste país.
Então também, não tínhamos dinheiro para reduzir as taxas do IRS!
É um problema político e institucional. Os políticos para ganharem eleições têm de ser demagógicos e depois de lá estarem bem e tranquilos, têm que fazer o mínimo possível.
Então é um orçamento eleitoralista?
A questão das taxas e dos aumentos dos salários acho viável, mas a das pensões é diferente. Quando os países chegam a este estado de degradação económica e financeira, a siatuaçãosó se vence com verdade e não com mentiras. Temos que explicar à população que estamos a viver acima das possibilidades e não pode continuar.
E o que é necessário?
Os pactos não são possíveis, enquanto o espírito for o de retirar benefícios eleitorais. Um regime que só funciona no curto prazo e não dá respostas para um médio e longo, não resolverá os problemas da justiça, educação, administração pública, das contas públicas e das burocracias. As soluções não agradam aos políticos. Nós precisamos de um "rosto com responsabilidade" e em democracia. Precisamos de um regime presidencialista, não o Presidente, o Governo e uma Assembleia da República com meios poderes. Ou seja, todos podem alguma coisa e todos não podem nada. Temos que optar, ou por um país que anda nestas lutazinhas ou um que prospere. As duas coisas não se compatibilizam. Esta democracia não salvará Portugal.
Defende uma solução fora do regime democrático?
Não, defendo um regime como o norte-americano, no qual há partidos, luta parlamentar, mas há um responsável. E aqui não há. Não quero o Salazar de volta, mas alguém que responda pelo que faz.
A instabilidade a que se refere começou com António Guterres...
E não foi por acaso. A queda dos juros deu alguma folga a Guterres e quando essa folga acabou ele fugiu. E todos vão fugir. Este vai fugir ou mandam-no embora. E vamos andar nisto! Isto não é solução para um país que está decadência.
Vamos continuar a "apertar o cinto" durante quanto tempo?
Vários anos, até o país estar em condições para o poder desapertar. Esta situação não se resolve porque as despesas sobem automaticamente
No seu estudo "Um Estado à deriva" indica que 45% da nossa receita fiscal serve essencialmente para pagar os vencimentos da função pública
Alinhei os impostos cujos valores arrecadados são afectáveis aos salários públicos - IRS, IRC, gasolina, IVA, imposto automóvel, etc. - tudo isso é pago para esse fim. O Estado tem hoje a pagar mais 1.400 milhão pessoas em pensões e salários. É um Estado à deriva, ninguém o conduz, está entregue a si próprio.
Excerto seleccionado por Mafalda Brízida
Considera que o actual regime é responsável pela situação económica de Portugal
Medina Carreira
http://tsf.sapo.pt/online/common/includ ... trev16.asx
O Estado está à deriva
Na semana de apresentação do Orçamento de Estado (OE), com muita discussão em torno das taxas de IRS e IRC, da viabilidade de ser possível ou não cumprir o défice, Medina Carreira, um ex-ministro das Finanças do Governo de Mário Soares, vê Portugal como um "Estado à deriva".
[Margarida Marante] Este Orçamento mantêm o compromisso de continuidade e consolidação das finanças públicas, ou introduz alguma alteração?
[Medina Carreira] Em rigor, não sei qual é a tendência deste Orçamento, do pouco que se tem conhecimento, posso registar que há um abaixamento do IRS, mais significativo na taxa média que cai significativamente para os escalões mais baixos, e cai minimamente para os escalões médios que se vai esbatendo o beneficio da redução, mas como há uma actualização em função da inflação pode dizer-se que do ponto de vista do IRS os contribuintes não ficaram mal e não só as pessoas dos escalões mais baixos vão ser beneficiados.
A redução das taxas de IRS não foi acompanhada pela redução do IRC. Uma promessa que não foi contemplada. O que lhe parece?
Parece-me que tomou uma medida mais equilibrada e mais significativa, que é a de estabelecer uma taxa mínima para todos os contribuintes. Por uma análise muito sumária, ninguém vai pagar menos de 15% de IRC, por exemplo, um banco que pagaria 7% passa agora a pagar pelo menos 15%. Parece-me que esta é uma medida de grande equilíbrio. A redução falada não é suportada, porque o abaixamento, ainda feito por Durão Barroso, significou um uma perda de 500 milhões de euros, com esta conjuntura não é possível ir mais longe!
Mas esta medida foi prometida?
Promessas de há quatro anos, com variações tão grandes, não são para levar a sério. Dependem muito das conjunturas internacionais, logo é difícil concretizar com rigor essas promessas.
Com os aumentos dos ordenados da função pública conjugado com a redução do IRS pode concluir que Portugal vai manter o défice previsto ou vamos agravá-lo?
Depende do crescimento económico, mas tudo aponta para "cavar o défice". Tudo vai depender do aumento dos salários e das pensões. Ouvi o primeiro-ministro dizer que o aumento será entre os 2,5% e os 9%, se subirem quase 9% será complicado, mas se subirem mais ou menos os 2,5% é a inflação a trabalhar.
Portugal comprometeu-se em Bruxelas que o défice ficaria pelos 2,2%, mas agora já se fala em 2,8%. Vamos ficar por estes valores?
O país vive inutilmente um equívoco profundo. O défice ficará muitos anos acima dos 3% a menos que haja uma reviravolta. Em 1980, a falta de impostos para o grosso das despesas públicas o défice era 4%. Em 2000 era de 7,5%, em 2003 o défice seria de 11%, logo em 23 anos não se nota um decréscimo. Há uma tendência para aumentar em permanência. É uma "doença nas contas públicas" que só pode modificar-se com grande contenção nas despesas ou com uma subida nas receitas que dependem do crescimento económico. Se nós crescêssemos a 5% não tínhamos nenhum problema, mas nós crescemos a 1%, logo este problema vai continuar.
O ministro já admitiu que vai recorrer a receitas extraordinárias. Fala-se de "alienação" do património do Estado, fazendo quase um "leasing", para obter mais receitas. Este é um recurso aceitável?
Não tenho nada contra as receitas extraordinárias, senão o seu próprio limite de financiamento, ou seja, um dia pode haver alguma coisa para vender e no outro dia pode não haver. A ex-ministra, Manuela Ferreira Leite, e Bagão Félix recorrem às receitas extraordinárias por dois motivos. Primeiro, para não criar atritos nem dificuldades em Bruxelas por causa dos fundos, segundo para não aumentar a dívida pública, porque, como todas as dívidas, estas também geram juros, logo quanto mais aumentarem a dívida pública mais encargos vão aparecer. O défice está para ficar e com tendência para aumentar.
Dinamizar e aumentar o investimento público é um caminho aceitável?
É, mas tudo depende da quantidade. Quando estive no Governo, aprendi que temos de ter em conta a balança externa, porque quando nós pomos 100 euros a circular as pessoas gastam mais 100. Como hoje as pessoas não gastam cá dentro, porque nós produzimos muito pouco, logo esses 100 vão lá para fora, o que significa que temos de importar mais, e ao fim de 2 ou 3 anos acontece o mesmo que aconteceu com o governo de Guterres - já não sabiam o que fazer. Outro governo que venha repetir essa receita vai ser muito complicado.
O investimento público sempre foi muito canalizado para as obras públicas. Qual será o sector onde se poderá efectuar esse investimento, afim de ter uma função dinamizadora e não esquecendo a qualidade?
Fala-se da investigação, simplesmente o seu problema não é só o dinheiro. É um recrutamento que leva tempo e é reduzido, logo não vejo que a despesa pública seja a nossa salvação. A solução, a curto prazo, depende do exterior, que não é animador. A Alemanha e a França estão como estão e não vão melhorar.
Este OE retira incentivos às poupanças. Isto é um desincentivo à poupança?
A classe média não é homogénea e esta gama de incentivos eram para a média alta. Quem tem estes incentivos tem um rendimento líquido alto. Essa situação era apenas um instrumento utilizado para pagar menos, e não para poupar.
Mas podiam deduzir-se no IRS.
A política é de opções, se neste momento não temos dinheiro para pagar seguros, para juros bonificados e nem para PP's, logo não podemos continuar numa política irresponsável, que muitas vezes vigora neste país.
Então também, não tínhamos dinheiro para reduzir as taxas do IRS!
É um problema político e institucional. Os políticos para ganharem eleições têm de ser demagógicos e depois de lá estarem bem e tranquilos, têm que fazer o mínimo possível.
Então é um orçamento eleitoralista?
A questão das taxas e dos aumentos dos salários acho viável, mas a das pensões é diferente. Quando os países chegam a este estado de degradação económica e financeira, a siatuaçãosó se vence com verdade e não com mentiras. Temos que explicar à população que estamos a viver acima das possibilidades e não pode continuar.
E o que é necessário?
Os pactos não são possíveis, enquanto o espírito for o de retirar benefícios eleitorais. Um regime que só funciona no curto prazo e não dá respostas para um médio e longo, não resolverá os problemas da justiça, educação, administração pública, das contas públicas e das burocracias. As soluções não agradam aos políticos. Nós precisamos de um "rosto com responsabilidade" e em democracia. Precisamos de um regime presidencialista, não o Presidente, o Governo e uma Assembleia da República com meios poderes. Ou seja, todos podem alguma coisa e todos não podem nada. Temos que optar, ou por um país que anda nestas lutazinhas ou um que prospere. As duas coisas não se compatibilizam. Esta democracia não salvará Portugal.
Defende uma solução fora do regime democrático?
Não, defendo um regime como o norte-americano, no qual há partidos, luta parlamentar, mas há um responsável. E aqui não há. Não quero o Salazar de volta, mas alguém que responda pelo que faz.
A instabilidade a que se refere começou com António Guterres...
E não foi por acaso. A queda dos juros deu alguma folga a Guterres e quando essa folga acabou ele fugiu. E todos vão fugir. Este vai fugir ou mandam-no embora. E vamos andar nisto! Isto não é solução para um país que está decadência.
Vamos continuar a "apertar o cinto" durante quanto tempo?
Vários anos, até o país estar em condições para o poder desapertar. Esta situação não se resolve porque as despesas sobem automaticamente
No seu estudo "Um Estado à deriva" indica que 45% da nossa receita fiscal serve essencialmente para pagar os vencimentos da função pública
Alinhei os impostos cujos valores arrecadados são afectáveis aos salários públicos - IRS, IRC, gasolina, IVA, imposto automóvel, etc. - tudo isso é pago para esse fim. O Estado tem hoje a pagar mais 1.400 milhão pessoas em pensões e salários. É um Estado à deriva, ninguém o conduz, está entregue a si próprio.
Excerto seleccionado por Mafalda Brízida
Considera que o actual regime é responsável pela situação económica de Portugal
Medina Carreira