Mais do mesmo
Deputado do PSD não contabilizou dinheiro recebido da câmara de Águeda
António Arnaldo Mesquita
PÚBLICO
António Cruz Silva, empresário e deputado do PSD, recebeu e não contabilizou na escrita da firma Unicola, de que é proprietário, dezenas de milhares de euros que lhe foram pagos pela Câmara Municipal de Águeda e pelos serviços de águas e saneamento (SMAS) deste concelho por serviços eventualmente não prestados a ambas as entidades.
Os pagamentos foram consumados após a empresa do deputado social-democrata ter apresentado, ao longo de vários meses dos anos de 1998 e 1999, facturas referentes a fornecimentos de tintas, colas e respectiva aplicação, que nunca terão chegado a consumar-se.
Esta terá sido uma das razões que levou o Ministério Público a acusar, há dias, o deputado de peculato e de falsificação de documentos, imputações que também visam outros arguidos deste caso, nomeadamente o ex-presidente da autarquia, Castro Azevedo, e Joaquim Mateus, empresário e à data dos factos presidente da junta de freguesia de S. João da Madeira, ambos eleitos pelo PSD.
Cruz Silva é o único dos principais arguidos sujeito à mais branda das medidas de coacção - termo de identidade e residência -, por se recusar a renunciar à imunidade parlamentar. Ao contrário, Castro Azevedo está suspenso de funções e Joaquim Mateus teve de prestar uma caução de 150 mil euros.
Os factos remontam ao ano de 1999 e ao último trimestre do ano anterior e foram tornados públicos há cerca de três anos, por iniciativa dos dirigentes de Águeda do Partido Socialista, através de uma conferência de imprensa, no dia 20 de Novembro de 2001, durante a campanha para as autárquicas. Aos jornalistas foram exibidas facturas de vendas a dinheiro da Unicola, atestando a liquidação pela câmara e pelos SMAS de Águeda de serviços que se afiguravam exagerados no entender dos elementos do PS.
A suspeita dos socialistas de Águeda da alegada existência de negócios fictícios em prejuízo do município baseava-se na avultada quantidade de materiais (cola e tintas). E ainda no facto de haver facturas datadas em dias feriados e fins-de-semana, e muitas delas com numeração seguida, "apesar de umas serem em papel de computador e outras de impressão tipográfica", como alertou o socialista Armando Ferreira.
Estas suspeitas acabariam por motivar denúncias a várias entidades: Polícia Judiciária, Procuradoria Geral da República e Inspecção Geral da Administração do Território. O então presidente da Câmara recusou-se a comentar, acentuando que as relações entre a autarquia e os fornecedores devem "ser tratados em local próprio". António Cruz Silva, envolvido na campanha eleitoral para as últimas autárquicas, também se recusou a tecer qualquer comentário.
As investigações acabariam por levar à descoberta de um outro suposto negócio simulado, devido ao qual Joaquim Mateus, empresário e eleito social-democrata, também está agora confrontado com as acusações de peculato e falsificação de documento pelo Ministério Público. Terá recebido mais de três dezenas de milhares de contos (cerca de 175 mil euros) da Câmara e dos SMAS de Águeda pela liquidação de facturas relativas ao fornecimento de avultadas quantidades de canos que o MP apurou não terem sido entregues à autarquia e ao serviço municipalizado.
José Luís Arnaut foi ouvido pelo Ministério Público
Uma das testemunhas inquiridas pelo Ministério Público foi José Luís Arnaut, ex- secretário geral do PSD, devido a transferências bancárias feitas por Cruz Silva para uma conta co-titulada pelo actual ministra das Cidades. À altrua das transferências era secretário-geral do PSD e ministro-adjunto de Durão Barroso.
Na origem da diligência esteve a detecção de movimentos bancários de uma conta do deputado para outra de que Arnaut seria o primeiro titular. Há quatro meses, em vésperas de ser substituído por Miguel Relvas nas funções de secretário-geral do principal partido do Governo, José Luís Arnaut admitiu que os cheques emitidos por Cruz Silva estariam relacionados com o pagamento de quotas e donativos. "Tudo respectivamente documentado com recibos", explicou.
O esclarecimento do ex-secretário-geral do PSD não fez, todavia, esmorecer os rumores de que uma parte do dinheiro que saiu dos cofres da Câmaras e dos SMAS de Águeda para as empresas de Cruz Silva e Joaquim Azevedo terá sido canalizado para o financiamento partidário. Cerca de 150 mil euros terão mesmo sido emprestados por um empresário local aos responsáveis do PSD e liquidados através de depósitos mensais rondando os dez mil euros.
Quanto aos restantes 100 mil euros provenientes do erário municipal, de onde saíram através de um esquema já bastante referenciado nos esquemas de financiamentos ilícitos - pagamento com dinheiro públicos de serviços fictícios - o circuito do dinheiro deverá ter sido esclarecido pelos investigadores. E só quando os autos foram acessíveis à consulta pública é que se poderá apurar se tinham ou não razão os dirigentes locais do PS que sustentavam a tese de que verbas pagas pelos cofres do município foram usadas para financiamentos ilícitos.
Quem é António Cruz Silva?
Nascido em 23 de Junho de 1943, António Manuel Cruz Silva é industrial e frequentou o curso comercial. Segundo o sítio do grupo parlamentar do PSD, Cruz Silva desempenha os seguintes cargos: deputado pelo círculo eleitoral de Aveiro; presidente da comissão política de secção do PSD de Águeda; membro das comissões parlamentares de Assuntos Europeus e Política Externa, e de Obras Públicas; membro da comissão mista permanente entre a Assembleia da República Portuguesa e a Assembleia Nacional de Cabo Verde. E, de acordo o seu currículo político, já desempenhou outras funções: vogal, secretário, tesoureiro, vice-presidente e presidente da comissão política concelhia do PSD de Águeda; secretário da comissão política distrital do PSD - Aveiro; conselheiro nacional do PSD; deputado à Assembleia da República na VIII Legislatura; membro das comissões parlamentares de Agricultura e Pescas e de Equipamento Social.