Página 1 de 1

Pela produção de efeitos do artigo 35º do CSC

MensagemEnviado: 25/8/2004 8:53
por Alfred E. Neuman
Francisco Ferraz de Carvalho

http://www.negocios.pt/default.asp?CpContentId=247120

O artigo 35.º do CSC dispõe que as empresas que percam mais de metade do seu capital social e não regularizem esta situação no exercício seguinte sejam automaticamente dissolvidas.

Tem sido noticiado pela imprensa a pressão exercida por algumas associações sobre o Governo no sentido de adiar a produção dos efeitos do artigo 35.º do Código das Sociedades Comerciais («CSC»). Esta medida justificar-se-ia, segundo as mesmas notícias, pelas consequências negativas que a aplicação do artigo 35.º do CSC teria no tecido empresarial português, uma vez que provocaria a dissolução de milhares de empresas.

Para analisarmos o mérito desta argumentação, é importante esclarecer o sentido do preceito em causa. O artigo 35.º do CSC dispõe que as empresas que percam mais de metade do seu capital social e não regularizem esta situação no exercício seguinte ao da verificação da perda sejam automaticamente dissolvidas. O objectivo da norma, nas palavras do legislador, é o de requalificar o tecido empresarial português, promovendo o saneamento das empresas viáveis e a cessação das que não sejam, e cuja existência é mantida, muitas vezes, «por razões alheias aos objectivos de criação de riqueza do sector empresarial».

Ora, sendo esta a razão de ser da norma, parece estranho – a menos que se discorde da eficácia da norma para atingir os seus propostos objectivos (caso em que um simples adiamento seria insuficiente) – que se utilize como argumento para o adiamento dos seus efeitos as consequências negativas dos mesmos no tecido empresarial cuja renovação, precisamente através da eliminação das sociedades inviáveis ou fantasmas, a norma pretende promover.

Tão pouco colhe o argumento, a que eventualmente o Governo será mais sensível, de que tal adiamento se justificaria por os últimos dois anos se terem revelado particularmente difíceis para a economia portuguesa. Não só esta dificuldade já era prevista à data da aprovação do regime em vigor – da autoria do anterior Governo da actual maioria parlamentar - como esta argumentação, levada às últimas consequências, justificaria a derrogação do regime sempre que a economia se encontrasse em recessão ou em fraco crescimento.

Além disso, a história do artigo 35.º do CSC fala por si quanto à necessidade dos empresários terem um maior período de adaptação. Este preceito legal, embora com redacção diversa, consta do CSC desde a sua publicação, ou seja, desde 2 de Setembro de 1986. Nessa altura, por o legislador ter reconhecido que os empresários necessitavam de tempo para se adaptarem ao respectivo regime, determinou que o artigo 35.º apenas entrasse em vigor por força de nova disposição legal nesse sentido. Tal só veio a ocorrer por força do Decreto-Lei nº 237/2001, de 30 de Agosto. É certo que a entrada em vigor do regime foi feita de forma infeliz, en passant em um diploma que versava sobre outra matéria e sem qualquer aviso prévio, que se justificava após tantos anos com o regime na gaveta. Mas isso mesmo foi reconhecido pelo legislador, tendo o Decreto-Lei nº 162/2002, de 11 de Julho, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, estabelecido que a dissolução das empresas apenas poderia ocorrer a partir de 2005, aquando da aprovação das contas relativas a 2004. Este diploma veio também alterar o regime do artigo 35.º do CSC, sendo a principal alteração a consagração da regra da dissolução automática das empresas em incumprimento. Em suma, temos um período de mais de 18 anos entre a publicação do artigo 35.º do CSC e a produção dos seus temíveis efeitos, a dissolução das empresas inviáveis ou fantasmas.

E o que dizer das sociedades que imprudentemente já tomaram medidas tendentes à sanação do problema - sejam estas a entrada de novos fundos na sociedade ou a redução do seu capital social? A resposta é simples: entrarão para o grupo dos tansos que pagam os impostos e as multas atempadamente em vez de esperar um perdão dos juros de mora ou a próxima amnistia.

No entanto, tal não equivale a dizer que o artigo 35.º do CSC, na sua actual redacção, não necessita de algumas alterações.

Uma alteração que urge fazer é a exclusão do seu campo de aplicação das sociedades em que a situação de perda de metade do capital social não é patológica, estando antes prevista antecipadamente, assim como a respectiva recuperação, pelos seus sócios e eventuais terceiros financiadores. Tal é o caso típico das sociedades que desenvolvem determinada actividade em regimede project finance, em que não são aplicáveis as razões subjacentes ao artigo 35.º do CSC. Efectivamente, a sua aplicação a estas sociedades não traz qualquer benefício à economia portuguesa, põe em causa a subsistência de alguns projectos existentes e, certamente, aumentará os custos de novos projectos. (Por último diga-se que, a ser alterado o artigo, deve ser aproveitada a oportunidade para esclarecer a terminologia utilizada. Com efeito, o termo «capital social» é utilizado no artigo em dois sentidos diversos - enquanto património real da sociedade e enquanto cifra nominal constante dos respectivos estatutos - sendo que apenas o primeiro pode, obviamente, ser «perdido»).