Lições da EDP
pferreira@mediafin.pt
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Quem disse que as empresas portuguesas de sectores estratégicos são incapazes de tomar posições relevantes no mercado espanhol e de se tornarem actores incontornáveis à escala ibérica? O controlo quase absoluto que a EDP se prepara para tomar na Hidrocantábrico aí está para o desmentir. E, mais importante, para mostrar quais são os ingredientes essenciais para que isso aconteça.
É obrigatório haver uma estratégia clara, sensata e realista. E João Talone soube traçá-la no estudo estratégico do sector energético que fez a pedido do Governo.
Depois é preciso capacidade para a executar, sem desvios nem complicações desnecessárias. Talone, mais uma vez, soube fazê-lo, mostrando que as empresas e o país só têm a ganhar quando chamam profissionais e, entre estes, escolhem os melhores.
À partida tudo isto parece óbvio e fácil. Mas sabemos como estas coisas têm sido tudo menos óbvias e fáceis neste país.
O que se passou com a EDP nos últimos tempos, e que fez a diferença, é que a gestão da empresa – profissional e despolitizada – teve condições para trabalhar. Condições normais, que deviam ser a regra. Mas que são raras no panorama das empresas onde os Governos ainda mandam.
Na EDP não há um ambiente de guerrilha entre a tutela governamental e a gestão da empresa, como aconteceu até há semanas na Galp entre o então ministro Carlos Tavares e o então administrador-executivo António Mexia. Nem encontramos uma empresa balcanizada, como a TAP de Fernando Pinto e de Cardoso e Cunha.
Nem assistimos ao permanente ziguezague de estratégias, política de alianças ou de modelos de privatização, como aconteceu com a própria EDP há uns anos e com a Galp ou a Portucel mais recentemente.
A «energia positiva» que a EDP reuniu, e certamente só com ela, permitiu-lhe assumir a liderança do terceiro operador eléctrico ibérico. Com a imensa vantagem de a EDP e a Hidrocantábrico disporem de presenças importantes nos dois mercados da Península. E como isso é importante em vésperas de liberalização do mercado ibérico. A Endesa e a Iberdrola são muito maiores, é certo. Mas o seu gigantismo em Espanha tem o tamanho da sua insignificância no mercado português.
Por tudo isto, é ainda mais lamentável que a EDP tenha deixado cair uma nódoa neste negócio, recusando informar o mercado sobre a operação quando esta saltou para as páginas dos jornais. A empresa tem agora, e bem, que explicar o caso à CMVM. Suspeita-se que não disse a verdade nem ao supervisor, nem ao mercado, o que é muito grave.
A comunicação com o mercado tem sido, aliás, fonte de grandes equívocos por parte da EDP. E isso é inaceitável para uma empresa com grande peso na bolsa portuguesa.
Demonstra arrogância e desprezo pelo mercado de capitais. Sobretudo pelo seu elo mais fraco, os milhares de pequenos investidores que aplicaram parte das suas poupanças na privatização da empresa e ainda não recuperaram o investimento.
O «corporate governance» e a «responsabilidade social das empresas» não podem ser apenas conceitos bonitos, que ficam bem em qualquer relatório ou apresentação da empresa.
E é uma pena que o Talone que presta pouca atenção a estes «pormenores» acabe por manchar o trabalho do Talone que está nos lugares cimeiros dos melhores gestores portugueses.
Porque é que a CMVM deixa?
rd@mediafin.pt
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O anúncio dos resultados e da aquisição da Cantábrico pela EDP na passada quinta-feira trouxe ao de cima uma falha de mercado que há muito se pensava erradicada.
A comunicação foi libertada apenas para alguns e não para todos. E durante a sessão de bolsa. Quem «estava» reagiu; quem «não estava», perdeu dinheiro. O caso está a ser investigado pela CMVM mas, quando se trata da EDP, os cuidados têm de ser mais que redobrados. A sua privatização foi a principal responsável pela emergência do capitalismo popular, em 1997, ano em que a bolsa cresceu 70%.
A primeira fase foi o símbolo de uma inflexão das aplicações por parte das famílias portuguesas. Ao virarem-se para as acções em detrimento dos seguríssimos Certificados de Aforro, as famílias operaram uma mudança de fundo na economia nacional: deixaram de poupar para, endividando-se, passarem a investir. Desde então, a CMVM também cresceu. Exemplos recentes disso são o debate público promovido em antecipação às directivas das OPA, dos prospectos, dos instrumentos financeiros. Ou o crescimento exponencial nos processos de contra-ordenação a violações de mercado. Ou a pressão exercida sobre a Semapa para lançar a OPA sobre a Portucel.
O logro que foi a segunda fase da EDP, com a baixa das tarifas contra expectativas de subida, terá servido de lição para os particulares que viram os seus investimentos desaparecer num mercado «implacável».
Mas também deveria ter tornado o regulador mais «implacável» no combate a violações de mercado. Tendo nas suas mãos o mecanismo de suspender as acções para que a informação fosse comunicada ao mercado, a CMVM deveria ter sido mais assertiva. Sendo a EDP um dos símbolos do nosso mercado, o escrutínio devia ser ainda mais apertado. Porque até podem mudar o nome à empresa, mas isso não apaga da memória dos investidores os desrespeitos – e as perdas de milhões – que ela já desencadeou
CN