Meu caro Féfé,
JAS Escreveu:Há muitos anos, quando te sentavas numa carteira do Liceu Francês, eu nunca pensei que chegarias um dia a Secretário Geral de um partido político fosse ele qual fosse.
Escrevi isto em Maio de 2003 e escrevo-te agora para, contrariamente ao que todos possam ter começado a pensar, apenas para te felicitar.
Para te felicitar por te teres demitido de um cargo para o qual não tinhas nenhum jeito.
Fostes um homem sério, num lugar errado e também no tempo errado.
O lugar era errado porque na política não tem sucesso quem fala mais com o coração e menos com a cabeça. Isso aconteceu quando tiveste que tratar do caso Paulo Pedroso.
O tempo também era errado pois Guterres tinha-se demitido por já ter gasto todo o dinheirinho disponível e o PS ia passar uns anos na oposição. Numa travessia do deserto o lugar de condutor é pouco disputado. Só tu para o aceitares. E deve ter sido por devoção...
Quando entrámos nesta crise política procurei acompanhar a tua actuação.
Tinha ouvido o Pacheco Pereira dizer, com alguma lucidez e antevisão política, uma frase que me ficou no ouvido: Que “o PS estava a pedir eleições com pouca convicção” e que isso mostrava bem “que não as queria”
Fiquei a meditar no assunto e vi que aquilo tinha muita lógica.
Tinha lógica porque, neste momento, o problema do déficit ainda só está meio resolvido, a retoma está em curso mas ainda é incipiente, a Previdência continua a estar a médio prazo tecnicamente falida e, ainda por cima, o País não tem qualquer pé-de-meia que seja suficiente para incrementar políticas sociais.
E, se o País parasse para realizar eleições, toda a retoma ficaria comprometida e poderíamos até ter desinvestimento ou emigração de capitais.
Portanto quando chegasses ao Governo, se é que lá chegavas, irias provavelmente governar um País ainda de tanga.
E num País de tanga apenas poderias distribuir pobreza pelos mais desfavorecidos pois dinheiro não haveria.
Terias que manter um rumo de austeridade pois se tentasses incrementar medidas sociais caía-te em cima o Carmo e a Trindade ou seja o Constâncio, o próprio Sampaio e a Comissão Europeia.
O teu Governo seria um fiasco pois desagradarias profundamente à direita e decepcionarias a esquerda.
E, sendo assim, virias a ser outro Lula da Silva.
Ao fim de um ano esgotar-se-ia o benefício da dúvida e ver-se-ia que não cumprias as promessas.
Nem sei se chegarias sequer ao meio do mandato.
Esta era a análise lúcida que muitos socialistas faziam mas que não revelavam em público.
Até tive muita dificuldade em que mo dissessem pelo telefone...
Mas em almoços, bem regados, com alguns conhecidos, a quem chamo amigavelmente de “perigosos intelectuais de esquerda”, estes iam confessando (à sobremesa...) que isso correspondia à realidade.
E tem graça que muitos ainda acrescentaram que, para o PS ser governo, seria necessário mandar regressara Lisboa muitos dos deputados europeus pois eram os mais ministriaveis. E logo agora que já tinham comprado um fatinho novo e duas gravatas..
Provavelmente alguns terão mesmo transmitido essa ideia a Jorge Sampaio nas audiências privadas.
E foi assim que, usando apenas a lógica, adquiri a convicção de que não teríamos eleições antecipadas.
O mesmo sucedeu a muito boa gente pois essa ideia foi ganhando força ao longo da semana.
Muitos comentadores políticos mudaram de campo.
Se a decisão de não-eleições pode ter sido uma surpresa para o Povo não acredito que ela tenha constituído qualquer surpresa para a elite política.
Tu pertences à elite política e, ao demitires-te, viu-se bem que a surpresa era pequena pois choraste com pouca convicção...
Mas deixa-me voltar um pouco atrás antes de entrar no caso da tua demissão.
Mesmo que muita gente possa ter acertado no final da novela acho que a tarde e noite de sexta-feira foram um verdadeiro filme de Alfred Hitchcock em que o “ suspense” se manteve até ao fim.
Todos sabiam, exactamente como num jogo de futebol, que uns iriam perder e que outros iriam ganhar.
Como de costume antes do jogo ninguém dizia mal do árbitro...
O árbitro até era bem visto por setenta e tal por cento dos espectadores de acordo com as últimas sondagens.
Quando soou o apito final é que foi o descalabro pois muitos adeptos mostraram falta de fair-play.
Afinal o árbitro “era um malandro” disseram, por muito estranho que pareça, aqueles que o tinham nomeado.
E em seguida assistimos a alguns episódios dignos do Big Brother.
- A Ana Gomes teve uma grave crise de histerismo e nem sei se, a esta hora, já estará internada.
- Chegou-se ao cúmulo de atribuir a culpa de um ataque cardíaco, que infelizmente vitimou Maria de Lurdes Pintassilgo, a Jorge Sampaio.
- E tu apresentaste a demissão esperada num momento inesperado...
JAS em Maio 03 Escreveu:A seguir, graças ao casamento do Guterres, que o fez dedicar-se muito mais aos prazeres do lar e muito menos ao Partido (e ao País ainda menos...) a tua ascensão foi rápida. Nessa altura pensei o mesmo que agora. Coitado do Eduardo, com o partido dividido em tantas facções, vão acabar por o trucidar.
Bastou haver uma mera hipótese do PS voltar ao poder para te puxarem o tapete.
Já se sabia, já se esperava.
Mas atribuíres a tua demissão à decisão do Jorge Sampaio foi, pelo menos para mim, perfeitamente inesperado.
Porque tinhas sido o primeiro a dizer que respeitarias a decisão do Presidente da República.
Julguei que a respeitarias qualquer que ela fosse.
- Sais, muito teatralmente encarnando o personagem “desgraçada vítima do mau da fita” e o vilão, para aumentar o dramatismo da encenação, até é (ou era...) um teu grande amigo;
- Sais, com a aura de vencedor por teres obtido “o melhor resultado de sempre” quando todos sabemos que isso apenas derivou do não-voto ou de um castigo ao partido que foi forçado a implementar medidas necessárias mas impopulares;
- Sais, com os agradecimentos do teu partido por teres aceite o lugar que ninguém queria e antes que alguém o reclamasse;
- Sais, sem teres de disputar eleições contra um Santana que as costuma ganhar e nas quais, por estares gordo e continuares com ar mal pronto, nunca serias o preferido de um eleitorado maioritariamente feminino;
- Sais, antes que pudesse existir o insólito problema de seres primeiro-ministro e de te apearem de secretário-geral;
- Sais, sem teres que explicar ao Povo que as medidas de austeridade continuariam a ser aplicadas na remota hipótese de seres primeiro-ministro;
- Sais, finalmente, sem ainda haver uma decisão final sobre o caso do Paulo Pedroso e sabendo-se que, se as provas vierem a ser consideradas suficientes para o levar a julgamento, serias forçado a demitires-te.
Por tudo isto concluo que a tua veia artística ainda se mantém.
Conseguiste encenar muito bem o chamado “momento oportuno” e ainda atribuir as culpas a outrem...
Dou-te os meus sinceros parabéns.
JAS