trabalho breve sobre o islamismo

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19/5/2004 1:24
por jotabil
INTRODUÇÃO
No cumprimento do programa referente à disciplina de Religião e Moral, importa realizar, entre outros, um trabalho subordinado a temas de ordem ética e moral, como seja, o estudo e conhecimento das principais religiões da Humanidade.
Neste contexto, apresentamos o trabalho que a seguir se descreve respeitante à religião Islâmica.
Com o presente estudo pretendemos, numa primeira parte, caracterizar o enquadramento histórico do Islamismo, abrangendo os aspectos respeitantes à contemporaneidade do seu nascimento e ao seu desenvolvimento ao longo dos séculos até aos dias de hoje.
Seguiremos, numa segunda parte, pela definição da organização do espaço e tempo sagrados do Islamismo, ou seja, o desenho da sua cosmogonia com a descrição das hierofanias e teofanias que lhe respeitam.
Numa terceira parte, tentaremos a elaboração de um estudo comparativo entre as três grandes religiões proféticas do mundo, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, com referências à religião primordial, do Mazdeísmo (Zaratustra), relevando os aspectos inovadores da religião em apreço.
Por fim, apresentaremos as conclusões que a execução deste trabalho pôde suscitar.
A escolha do Islamismo como tema do presente estudo, foi motivada em resultado de um conhecimento muito genérico feito sobre a essencialidade das três religiões proféticas já referidas, do qual resultou num interesse em pormenorizar uma religião que nos pareceu ser como que um retorno aos fundamentos das religiões que a precederam, designadamente o profetismo inovador de Zaratustra que, pela primeira vez, relaciona o deus cósmico com o Homem, o Judaísmo, com um Deus omnipotente e severo e o Cristianismo, com um Deus amoroso e solidário com o Homem através da sua encarnação em Cristo e da espiritualidade que este conduz no seu testemunho e na sua palavra.
ENQUADRAMENTO HISTÓRICO
Ambiente geral
Ao tempo do nascimento do Islamismo, no século VII, o mundo estava dividido em grandes Impérios: o Império Chinês, o da Índia, o dos Sassânidas no Irão, o Império Bizantino (Império Romano Oriental) e na Europa, os destroços do Império Romano do Ocidente, fragmentado pelos Godos e pelos Francos.
Em menos de um século, todos estes Impérios vão ruir, verificando-se numa parte da Europa, antes da desintegração do Império Romano do Ocidente, que os papas, designadamente Gregório, O Grande (540 -604), tinham agarrado nas mãos todos os poderes e coroavam os reis vencedores. Nos Impérios Sassânidas e Bizantino era a decadência: decomposição política de estados centralizados e burocráticos, mas incapazes de manter a sua autoridade em províncias onde se multiplicavam as rebeliões de chefes locais; desordem económica, nascida desta anarquia política, e agravamento das injustiças sociais; Enfim, proliferação de cismas e de heresias religiosas, devidas, em especial no Império Sassânida, à regressão do profetismo de Zaratustra, no sentido do ritualismo, cujos autores beneficiavam dos privilégios de religião de Estado. Nos Impérios Cristãos do Oriente e do Ocidente, em resultado de especulações decorrentes de uma helenização preponderante que tornava as religiões existentes em assuntos de letrados, não correspondendo às necessidades das massas, resultando daí, um pulular de seitas declaradas heréticas e por outro lado, uma assustadora confusão dos poderes espirituais e temporais que conduzirão na Igreja Cristã do Oriente ao surgimento de papas feitos césares e no Ocidente, ao primado do papa e do sacerdócio sobre as realezas e Impérios.
Ora, nesta profunda confusão entre o poder espiritual que assume, simultaneamente um poder temporal, assiste-se ao afundamento das civilizações num caos, que motiva o aparecimento de um mundo novo para dar rosto à esperança de multidões oprimidas.
É neste contexto que se assiste ao nascimento e rápida expansão do Islamismo que trás em si uma alma nova à vida colectiva.
Península Arábica – nascimento e expansão do Islamismo
O Islamismo nasce no interior da Península Arábica numa pequena república mercantil de Meca, encruzilhada de trocas caravaneiras e marítimas entre o Oriente e o Mediterrâneo, e em contacto permanente com as comunidades judaicas e cristãs da Síria e da Palestina.
Ali, em Meca, nasceu no século VII d.C., a 12 de Rabî-al-awwal, o terceiro mês do ano árabe (etimologicamente primeiro mês da Primavera) do ano do Elefante (assim designado por Meca ter sido atacada por tropas equipadas por elefantes) (570 d.C.), o mensageiro de Deus, Muhammad ben Abdullah ben Abdul Muttalib ben Háxime (Maomé), pertencente a uma das famílias mais notáveis da região, o clã Coraixita. Este profeta é o grande continuador da missão de Abraão, dando origem com a sua mensagem a uma das três grandes religiões proféticas, o Islamismo, actualmente professada por mais de um bilião de pessoas em todo o mundo.
Aos 40 anos de idade, Muhammad inicia a sua acção de profeta recebendo a mensagem da palavra de Deus, cujos episódios se podem relatar do seguinte modo: por intermédio do Arcanjo Gabriel (Jibrail), na caverna de Hira, perto de Meca, Muhammad envolto numa manta, em silenciosa vigília nocturna, ouve uma voz que o chama; descobrindo a cabeça, uma luz incide sobre ele, com um intolerável esplendor. Então, Muhammad vê um anjo de forma humana aproximando-se dele, ordenando-lhe: "Lê! – diz-lhe o anjo. Não sei ler! – replica Muhammad. Lê em nome de Deus! - repete o anjo.” No mesmo instante, Muhammad sentiu que uma luz celestial lhe iluminava o entendimento e leu o que ali estava escrito. Terminada a leitura, anunciou-lhe o mensageiro divino: "Ó Muhammad, em verdade és o Profeta de Deus! E eu sou o Anjo Gabriel".
A partir de então, o Mensageiro Sagrado continuou a receber sucessivamente, durante o período de vinte e três anos (entre os anos 609 e 632 d.C.), as revelações da palavra de Deus, posteriormente compiladas no Alcorão.
Em sequência da doutrina proclamada na mensagem do profeta Muhammad, da existência de um só Deus, suscitou por parte dos habitantes de Meca, que viviam instalados sob os rendimentos da Caaba (ídolo comum a todas as tribos da Arábia de então) e do obscurantismo do povo, uma reacção hostil e viva com veementes protestos. Em resultado disso, perseguiram e atacaram Muhammad, condenando-o à morte, factos estes que o forçaram a organizar, com os seus discípulos, a celebrada fuga de Meca para Medina, denominada por Hégira (do arábe, “Hijra”), a qual marca o primeiro dia da Era Muçulmana, 16 de Julho de 622 d.C. (o primeiro dia e o primeiro ano do calendário islâmico). A partir de então, nem a indiferença, nem as feridas do amor próprio, nem as maquinações ou ameaças diversas vezes repetidas pelos politeístas, conseguiram desviar Muhammad da sua missão.
A extraordinária personalidade de Muhammad revolucionou, indiscutivelmente, a vida na Arábia, como também em todo o Oriente. Com as suas próprias mãos esmagou os antigos ídolos, trezentos e sessenta (à razão de um para cada dia do ano), existentes na cidade de Meca e estabeleceu uma religião dedicada a um só Deus. O Islamismo, do árabe "içlam", que significa "submissão voluntária à vontade de Deus".
Organização da comunidade
Muhammad casou-se com Cadija, uma viúva de um rico mercador, mais velha do que ele, cerca de 15 anos. Muito embora esta diferença de idades, Cadija deu-lhe muitos filhos. Disto, parece poder deduzir-se que Muhammad viveu bem instalado e na abundância, tendo tempo para empregar parte dos seus tempos livres na meditação dos problemas religiosos e na situação do seu povo, os Árabes.
O desenvolvimento, tanto espiritual como espacial, da religião islâmica sofreu uma grande expansão no primeiro século da sua era e as perturbações político-religiosas giravam em torno de um problema central que era saber quem seria o khalîfa (Califa), isto é, o sucessor do profeta, imã ou sultão, como se chama frequentemente ao chefe religioso dos muçulmanos.
O profeta morreu no décimo ano após a Hégira (632 d.C.) em Medina, onde continuava a residir após a fuga.
Muhammad não estabelecerá a sua sucessão e a maioria muçulmana viu nisso um sinal divino: cabia à comunidade dos crentes escolher o seu chefe.
Na consequência da realidade proferida no parágrafo anterior, sucedem as maiores dificuldades na sucessão do profeta que resultaram em cisões no povo islâmico que redundam no surgimento de três grupos religiosos: os sunitas, os xiitas e os kharejiitas. Este último grupo iniciou o seu desaparecimento após o martírio de Husayn (Hussein), em Kerbela (Iraque), ano 61 da Hégira (10 de Outubro de 680), que se assumiu como chefe dos correligionários da sua pretensão ao lugar de Califa.
Dos dois grupos que sobrevivem actualmente, um deles, os sunitas, são partidários dos Califas abássidas, descendentes de all-Abbas, tio do profeta, Muhammad. Em 749, assumem o controlo do Islão e transferem a capital para Bagdad. Justificam a sua legitimidade apoiando-se nos juristas que sustentam que o califado pertenceria aos que fossem considerados dignos do consenso da comunidade. A maior parte dos adeptos do Islamismo é sunita (cerca de 85%).
Por outro lado, os partidários de Ali (casado com Fátima, filha de Muhammad), os xiitas, não aceitam a direcção dos sunitas. Argumentando que os descendentes do Profeta são os verdadeiros imãs: guias infalíveis na interpretação do Alcorão e do Sunnah, graças ao conhecimento secreto que lhes fora dado por Deus. Este grupo é predominante no Irão e no Iémen.
A rivalidade histórica entre sunitas e xiitas evoluiu até aos dias de hoje, não se reduzindo o seu antagonismo a simples questões de sucessão, mas sim incluindo outras questões de nível teológico.
ESPAÇO E TEMPO SAGRADO DO ISLAMISMO
- COSMOGONIA ISLÂMICA -
Parâmetros do espaço e tempo sagrados da cosmogonia Islâmica
O Islamismo trazia uma fé simples e forte, directamente acessível aos povos, sem necessidade da existência de cleros ou de quaisquer hierarquias. Trazia uma visão do mundo dominado pelo profetismo e impregnado por um misticismo novo e dinâmico.
O regresso à religião primordial de Abraão permite ao Islamismo formular-se em termos simples e ao mesmo tempo gerar o mais alto misticismo.
A forma simples que toma o seu espaço sagrado, a mais evidente, é materializada pela constituição dos “cinco pilares” do Islamismo: a profissão de fé, a oração, o jejum, o Zakat (abandono obrigatório de uma parte da riqueza) e a peregrinação a Meca.
1. A profissão de fé (Shahada), cuja proclamação basta para definir um muçulmano. É simples e popular e de uma profundidade que torna o Islão objecto de todas as reflexões. “Não há outro deus senão Allah e Muhammad é o seu mensageiro.”
A primeira parte desta proclamação (Não há outro deus senão Allah) representa a total subordinação do Homem ao divino ao qual pertence dado que a sua percepção ou concepção só se efectiva em Deus, isto é, o Homem caminha em direcção a Deus, dado que nada existe que não seja divino.
O segundo movimento da profissão de fé (Muhammad é o seu mensageiro) é o movimento de refluxo de Deus para o Homem pelo seu mensageiro Muhammad, que transmitiu o Alcorão directamente ditado por Allah.
Na perspectiva do Islamismo, o Alcorão desempenha assim, na revolução muçulmana, o papel desempenhado por Jesus de Nazaré nos Evangelhos: “ (…) é Deus comunicando-se aos homens para os ligar ao seu princípio.” (Garaudy, 1982, p.205). Muhammad personifica toda a criação em Deus. “Os sete céus e a Terra e aqueles que ali se encontram louvam-nO; E não existe alguma coisa que não cante os seus louvores, mas não compreendeis o seu canto.” (surata XVIII, 44, cit. Garaudy, 1982, p.205). Entendemos pois que o absoluto se revela no relativo sob a forma de símbolos. A Natureza inteira apresenta-se como sagrada, é uma aparição e uma revelação de Deus.
2. A Oração (Salat) consiste na execução de preces realizadas por cinco vezes ao dia. É pela oração que o homem de fé se integra na adoração universal. Feita de face voltada para Meca todos os muçulmanos do mundo e os seus templos (Mesquitas) cujo nicho se orienta no sentido comum, que se reúnem num todo em direcção do seu centro, a «Kaaba», que se constitui, desse modo, lugar central do espaço cósmico do Islão.
A ablução ritual, antes da oração, pretende tornar o homem puro e primordial e desse modo apresentar-se perante Deus como elemento que a ele se submete, fazendo parte integrante da sua criação.
3. O Jejum (Saum). Todos os anos, no mês do Ramadão, os muçulmanos jejuam desde o alvorecer até ao por do sol, abstendo-se de comida, bebida e relações sexuais. O Jejum é uma interrupção voluntária do ritmo vital. É uma afirmação da liberdade e espiritualidade do homem que se eleva a caminho de Deus para além dos bens terrenos e ao mesmo tempo uma lembrança em nós próprios, daquele que tem fome e para o qual devemos contribuir para o arrancar da miséria e da eventual morte.
4. A Contribuição (Zakat). Todas as coisas pertencem a Deus e as que estão nas mãos dos muçulmanos, estão em confiança, conformada à pureza de intenções em face dos necessitados. “ Não é uma esmola, mas uma espécie de justiça interior institucionalizada, obrigatória, que torna efectiva a solidariedade dos homens de fé, isto é, daqueles que sabem vencer em si próprios o egoísmo e a avareza. O Zakat, é a recordação permanente de que toda a riqueza, como tudo, pertence a Deus e que o indivíduo não pode dispor dela à sua vontade».(Garaudy, 1982, p.206).
5. A Peregrinação (Hajj) consiste na peregrinação anual a Meca constituindo-se como uma obrigação para todos aqueles que se encontrem capacitados física e financeiramente para o efeito. Simboliza a caminhada do muçulmano para o centro revelador da divindade que governa o seu cosmos, a Kaaba, apresentando-se aí, despido de vaidades perante Deus a quem submete confiadamente o seu coração que a Ele pertence.
Da organização espacial e temporal do cosmos islâmico que através das acções descritas se concretiza, resta clara a concepção de que o homem de fé muçulmano, percorre um caminho até Deus. Viagem temporária, feita em submissão e pureza para consigo, para com o seu próximo e a natureza, sabendo que ele próprio pertence a Deus e se constitui objecto de divindade. No fim, retornará a Ele com o peso do seu testemunho para um juízo singular.
Por sua vez Deus omnipotente, misericordioso e dotado de toda a compreensão e extensão da verdade, reflui para o homem procurando esclarecer-lhe o caminho pelas normas que lhe revelou no Alcorão e de procedimentos cristalizados na Sunnah, constituintes da Charia. “Na verdade somos Deus, e para Ele voltamos.” (surata II, 156, cit. Garaudy, 1982, p.205).
Na vizinhança do caos, nos limites do espaço cósmico em que o homem de fé islâmica organiza o seu Ontos, existirá um céu compensador e um inferno prenunciador da escuridão e do espaço amorfo.
Nesta visão, Deus permanece absoluto, simultaneamente imanente do coração do homem e transcendente no seu mistério e entendimento. Deus reflecte-se no homem, para conhecer o efémero e desse modo propiciar o conhecimento de Si, actuando como se o Homem fosse um espelho de Si próprio. “Nós lhes mostraremos os nossos sinais nos horizontes e neles mesmos, até que se lhes torne evidente que tudo é Deus.” (surata XLI, 53, cit. Garaudy, 1982, p.208).
Importa ainda e neste contexto, realçar a particularidade da arte, da ciência e da acção no islamismo.
Deus permanece absoluto e transcendente, muito embora se remire no seu espelho, o homem, o qual, orienta, protege e proporciona exigências na medida das suas possibilidades. Por sua vez o homem encaminha-se para Ele interpretando os sinais, sabendo que a inteira representação de Deus e da natureza que também lhe pertence, é apenas possível a uma luz, forma e cor, inspiradas na beleza e na distância dessa transcendência reconhecida.
A ser assim, “A arte muçulmana é, portanto, uma expressão da profissão de fé fundamental do Islão: a transcendência radical de Deus. Isto exprime-se em primeiro lugar na arquitectura e na sua decoração. É possível dizer que no Islão todas as artes conduzem à mesquita e a mesquita à oração. É o que é traduzido pelo uso das formas, simultaneamente geométricas e rítmicas, nos cordões, nas estalactites, nos palmitos e arabescos dos «mirhab», que designam em cada mesquita, a direcção de Meca: ela é o local da aparição, da teofania e nada, nela, deve distrair o fiel do Deus sem forma humana, do Deus radicalmente transcendente para quem se dirige a prece.” (Garaudy, 1982, p.210).
1. As formas rítmicas e geométricas estilizadas da arquitectura islâmica.
Outro tanto se pode dizer no que respeita à luz e à cor islâmicas. «A alquimia da luz, tal como ainda hoje, por ela podemos ser impressionados nos Pátio dos Leões da Alhambra de Granada, ou nas cúpulas de cerâmica, de cores cambiantes a cada hora do dia, nas mesquitas de Ispaham, transpõem directamente o versículo do Alcorão: “Deus é a luz dos céus e da terra” (surata XXIV, 35) (Garaudy, 1982, p.210).
2. Pátio dos Leões da Alhambra (Granada)
3. Minarete da Mesquita Real, fundada em Ispaham
Muito embora fundada nas ciências da Grécia, da China e da Índia, também a ciência Islâmica é inspirada nesta visão central do Deus transcendente e absoluto. Revelando-se Ele no Homem e na Natureza, constitui com estes um todo orgânico, emergindo daí, a necessidade de o homem viver em harmonia com esse Deus transcendente e com a Natureza com os quais forma parte integrante. A necessidade da percepção da Natureza pelo Homem, para que conhecendo-A, melhor A poder respeitar, parece tê-lo conduzido a um método sensível para a obtenção desse conhecimento, rompendo com a concepção puramente dedutiva do pensamento grego limitado à racionalidade. «A ciência árabe, da astronomia à medicina, e a técnica árabe, da química à hidráulica é à navegação, está na origem do método experimental do Renascimento.» (Garaudy, 1982, p.211).
Neste contexto ainda, dada a unidade orgânica que implica a fé islâmica entre o Deus, o Homem e a Natureza, podemos deduzir a necessidade de se não separar a ciência, entendida como conhecimento objectivo da leis que regem os fenómenos naturais, e dos meios que elas permitem obter para o seu domínio, da reflexão necessária sobre os fins últimos a alcançar que deverão conformar-se com a harmonia exigida por essa unidade onde a divindade permanece. «Como escreve Sayyed Hossein Nasr “a revolta do homem contra o céu poluiu a terra”» (cit. Garaudy, 1982, p.211).
Estendendo esta unidade orgânica atrás referida, entre Deus o Homem e a Natureza, podemos então compreender a sacralidade de todos os actos que são realizados pelo homem na sua acção transformadora da natureza, em conformidade com a harmonia exigida pela fonte divina.
«O Islão dá a cada acção todo o sentido, não separando um mundo terrestre de um mundo espiritual: um acto é profano quando está separado da unidade e da vida, é pelo contrário sagrado quando a ela se refere e nela se inspira.» (Garaudy, 1982, p.212).
ANÁLISE COMPARATIVA DA RELIGIÃO ISLÂMICA FACE ÁS OUTRAS DUAS GRANDES RELIGIÕES PROFÉTICAS – JUDAÍSMO E CRISTIANISMO
Podemos afirmar que nas primeiras sociedades, a divindade, embora reconhecida por diversas hierofanias e teofanias que definiam o espaço cósmico que as orientava, permanecia exterior ao Homem, isto é, não se relacionava com ele, limitando-se este ao exercício de ritos materializados em sacrifícios e oferendas para aplacar os desígnios dessa divindade.
Com a emergência da espiritualidade de Zaratustra, é dada a liberdade ao homem na escolha de um caminho bom ou mau, para atingir a divindade.
Desse modo, o deus cósmico que do anterior permanecia ausente e exterior ao homem, inicia com ele uma relação de natureza ética e solidária feita no sentido de o ajudar à sua redenção a caminho da divindade. Este caminho, em que se considera existir um factor tempo, é percursor da existência de sinais orientadores desse bem e desse mal, o que implica a existência de veículos para esses sinais, concretizados na ocorrência de profetas reveladores da divindade.
Daí o carácter profético das religiões em apreço, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo que sucederam ao passo espiritual revelado por Zaratustra.
O Judaísmo, a primeira delas, que se revelou, fundada nas normas da Aliança que Deus firmou com o povo eleito e nos Dez Mandamentos recebidos por Moisés no monte Sinai, apresenta uma divindade omnipotente e severa e de uma transcendência radical, cujo relacionamento com o homem se faz, fundamentalmente, no sentido da divindade para o homem.
O Cristianismo, insere-se na mesma natureza da religião anterior.
De tudo que pudemos conhecer sobre a essência desta doutrina, parece poder afirmar-se que o cristianismo é um retorno aos fundamentos do Judaísmo, a que se acrescenta a espiritualidade do testemunho e da palavra de Cristo. De facto, também nesta se define um tempo e um caminho redentor para o homem a caminho da divindade, orientado por normas emitidas pela divindade e por uma acção absolutamente inovadora e incontornável ao nível filosófico/ teológico que é essa imperecível solidariedade do infinito com o finito, consubstanciada na encarnação de Deus. (filho de Deus feito homem). Isto é, a divindade apresenta-se perante o homem como igual para, num gesto de amor e fraternidade comungar com ele a sua condição e desse modo melhor o poder compreender e salvar a caminho da redenção. «Ninguém conhece o Pai sem ser pelo Filho e aquele a quem o Filho revelar (Mateus XI, 27 e Marcos X, 22)» (cit. Garaudy, 1982, p.171).
Importa salientar o carácter amoroso da palavra e testemunho de Cristo, filho de Deus, com que se apresenta perante o homem representado pelo ensinamento capitular “ama o próximo como a ti mesmo”.
Ao apreciarmos a essencialidade desta doutrina, parece poder infirmar-se que acção redentora da condição do homem é conseguida através de actos relacionais feitos de amor e solidariedade com o outro como, exemplarmente, parece significar a Santíssima Trindade que relaciona num acto de amor absoluto, O Pai e o Filho através do Espírito Santo.
Aqui, a divindade apresenta-se perante o homem num acto de amor dando e perdoando até ao sacrifício da Cruz.
O Islamismo segue de perto as doutrinas anteriores. Também nela existe um caminho e um tempo redentor que é efémero onde o homem vai recebendo orientações da divindade. Constitui com Deus e com a Natureza um todo orgânico que condiciona, para a perfeição, os seus actos a caminho da redenção. No entanto aqui, Deus permanece na sua absoluta transcendência, a uma luz e entendimento reconhecidos pelo homem que a Ele se submete na sua fé. *
CONCLUSÃO
Nas ideias apreendidas em breves leituras a que procedemos e que atrás expressamos, tivemos a noção de que tratávamos de matéria muito polémica dada a sacralidade que envolve. Tentámos dizer os aspectos mais impressivos que percebemos para conseguirmos uma consistência nas conclusões que serão sempre modestas face aos nossos conhecimentos rudimentares que reconhecemos. Sendo assim, e pelo referido anteriormente, somos a concluir o seguinte:
- O Islamismo constitui com o Judaísmo e o Cristianismo um mesmo tipo de cosmogonia, baseada na relação da divindade com homem, percorrendo um caminho de redentor.
- O Homem, a Natureza e Deus, no Islamismo constituem uma Unidade orgânica que exige ao homem de fé, um procedimento harmonioso e elevado em face das orientações reveladas e uma submissão à transcendência absoluta da divindade, que é Tudo.
- A natureza comum que se adivinha na cosmogonia destas três religiões, implica comungarmos da ideia sempre lembrada pelo Papa João Paulo II de que vale a pena prosseguir na senda do perdão e da tolerância, tomados no sentido de procurar as mais puras espiritualidades que elas possam conter, tendo em vista tornar mais acessível o caminho da redenção do homem para Deus.