Custos unitários do trabalho: a referência correcta para os aumentos salariais
(
Por Miguel Frasquilho)
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"Tradicionalmente, e como estipula a Teoria Económica, a evolução dos salários deve incorporar o aumento da produtividade do trabalho ...., bem como o aumento dos preços.
Tradicionalmente, e como estipula a Teoria Económica, a evolução dos salários deve incorporar o aumento da produtividade do trabalho (medindo as quantidades produzidas por trabalhador e descontando a subida dos preços, porque só assim é possível saber se foi ou não criada mais riqueza em termos reais), bem como o aumento dos preços (a inflação).
Dito de outro modo, os aumentos salariais (nominais) devem corresponder, grosso modo, ao aumento da produtividade do trabalho (que designarei, no resto do texto, e por razões de comodidade, apenas como «produtividade») acrescido do aumento dos preços.
Obviamente, uma situação em que o crescimento das remunerações se situa sistematicamente acima do crescimento da produtividade e dos preços não é sustentável, e leva à deterioração da competitividade internacional de um país.
Ora esta tem sido a realidade da economia portuguesa dos últimos largos anos: por exemplo, desde que o país aderiu, em 1986, à então Comunidade Económica Europeia, e até ao ano passado, só nos anos de 1988, 1989, 1993 e 1994 os aumentos salariais nominais por trabalhador não se situaram acima da subida da produtividade e da inflação juntas.
Em particular, desde que o país começou a sentir os efeitos da decisão de aderir ao projecto do euro logo desde o seu início - o que sucedeu em 1996, quando as taxas de juro começaram a baixar ao encontro dos valores das taxas de referência europeia, as taxas alemãs - a subida dos salários nominais por trabalhador têm-se situado claramente acima do crescimento da produtividade.
Sem surpresa, com a adesão à União Económica e Monetária (UEM) e a impossibilidade daí resultante de utilização das políticas monetária e cambial, e com a política orçamental balizada pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento, a ausência de reformas estruturais entre 1996 e 2001 e esta exagerada subida dos salários em Portugal viriam a contribuir para comprometer de forma crescente a competitividade da economia num ambiente económico (de UEM) diferente do que até então estávamos habituados - o que se traduziu numa fortíssima deterioração das contas externas, tendo o défice da balança corrente atingido valores em redor de 10% do PIB entre 1999 e 2001.
Pertencendo Portugal a uma UEM como é a Zona Euro, em que os diferenciais de inflação tendem a esbater-se (veja-se como, progressivamente, a inflação portuguesa se tem vindo a aproximar da observada da Zona Euro, situando-se desde o início do ano, em termos homólogos, em cerca de apenas cinco décimas acima), esta variável perde relevância na determinação dos aumentos salariais em cada ano - que devem, assim, passar a centrar-se no factor que, nesta área laboral, é relevante em termos de competitividade: os custos unitários do trabalho (CUT).
Esta variável resulta do rácio entre os salários nominais por trabalhador e a produtividade (ou seja, a produção por pessoa empregada) e é um conceito verdadeiramente importante em termos de competitividade, pois dá-nos uma ordem de grandeza do custo do trabalho por unidade produzida.
Em termos de evolução, tal significa que o crescimento dos CUT corresponde, grosso modo, à diferença entre os aumentos salariais e os aumentos da produtividade.
O quadro em anexo apresenta a evolução anual dos salários (medida pelos salários nominais por trabalhador), da produtividade e dos CUT em Portugal e na Zona Euro entre 1996 e 2003, confirmando os dados aí apresentados a forte perda de competitividade do nosso país neste domínio face à Zona Euro (para onde se dirigem mais de 70% das nossas exportações) nos últimos anos - situação que, como facilmente se compreende, deve ser combatida desde já, de modo a não continuar a contribuir para a perda de competitividade global do país (que se tem reflectido, por exemplo, na estagnação do rácio das exportações face ao PIB em torno de 30% desde a nossa entrada na CEE em 1986, o que deve ser comparado com a evolução deste indicador noutras pequenas economias como a Irlanda, a Holanda, a Áustria ou a Finlândia, ou mesmo com a Espanha - desenvolverei a este assunto em futuros artigos).
No período 1996 - 2003, o crescimento dos salários em Portugal situou-se, em média, quase 3 pontos percentuais acima do valor da Zona Euro (5.3% contra 2.4%), enquanto que a produtividade cresceu apenas 0.3 pontos percentuais acima (1.2% contra 0.9%).
Obviamente, o resultado foi a deterioração dos CUT que cresceram, em média, entre 1996 e 2003, mais de 2.5 pontos acima em Portugal face à Zona Euro (4.1% contra 1.5%).
Basta recordar-nos da deterioração da competitividade da economia portuguesa atrás citada para nos apercebermos imediatamente da importância que esta evolução dos CUT teve neste processo (algo que no passado poderia ser atenuado recorrendo às políticas monetária e cambial, mas que agora não pode).
Ora, aqui chegados, devemos recordar- nos de que em Portugal, os aumentos salariais decididos na administração pública costumam funcionar como referência para toda a economia; tal só não ocorreu em 2003 e agora também em 2004, anos em que, por dificuldades orçamentais relativas ao cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento (segundo palavras da própria Ministra das Finanças), se verificou um quase congelamento dos salários dos funcionários públicos.
Porém, agora que vamos voltar a ter, já em 2005, uma política de rendimentos em Portugal (o Primeiro-Ministro anunciou aumentos salariais reais para a função pública no próximo ano), a minha proposta vai no sentido de, em cada ano, os aumentos salariais serem de tal forma que não permitam um crescimento dos CUT igual ou superior em Portugal relativamente à Zona Euro (por outras palavras, devem assegurar que o crescimento dos CUT em Portugal seja inferior ao dos CUT da Zona Euro).
Será, assim, determinante conhecer as projecções (por exemplo, da Comissão Europeia, que divulga as suas previsões para os principais indicadores económicos duas vezes por ano, na Primavera e no Outono) para a evolução da produtividade em Portugal e dos CUT na Zona Euro, para que então se possa ter uma ideia da ordem de grandeza dos aumentos salariais toleráveis na função pública - no sentido de não propiciarem uma deterioração da competitividade da economia portuguesa face à dos nossos principais parceiros.
Baseando-nos, por exemplo, nas recentes projecções da Comissão, prevê-se que em 2005 a produtividade possa crescer 0.6% em Portugal e que os CUT na Zona Euro possam crescer 0.9%.
Assim, para que os CUT em Portugal cresçam abaixo dos da Zona Euro (ou seja, cresçam, no máximo, 0.8%) em 2005, os aumentos salariais em Portugal não deverão ser superiores a 1.4% (pois 1.4 - 0.6 = 0.8).
Bem sei que não é um número popular - sobretudo face ao quase congelamento de salários da função pública nos dois últimos anos - mas a verdade é que me parece que este é um passo bem importante para ajudar a inverter a situação de perda de competitividade (e também de bem-estar) que temos vindo a experimentar.
Aliás, deve notar-se que este método de calcular aumentos salariais é claramente «pró-aumento» da produtividade (que é, como se sabe, de longe, a mais baixa de toda a EU - 15 e - o que é ainda mais preocupante - mesmo inferior à de Malta, Chipre, Eslovénia e Hungria),
porque quanto mais produtivos nos tornarmos, maiores serão os aumentos salariais em cada ano - o que, em meu entender, torna esta forma de proceder ainda mais correcta.
E é evidente que se espera que as reformas actualmente em curso ou já anunciadas pelo executivo terão efeitos positivos sobre a eficiência e a produtividade...
Finalmente, devo ainda ressalvar que, tratando-se de um método baseado em previsões, e sendo estas sempre falíveis, sempre que existissem desvios (positivos ou negativos) face aos valores tomados como referência, eles seriam levados em conta nos aumentos salariais do ano seguinte.
Julgo que desta forma estaríamos a contribuir clara e decisivamente para inverter a perda de competitividade internacional (bem como a descida do nível de bem-estar...) que a nossa economia tem sofrido nos últimos anos no ambiente de moeda única em que nos encontramos inseridos - pelo que é imperioso actuar neste domínio sem demora."
O grande problema será fazer o povo perceber o funcionamento destes indicadores... E consequentemente a razão da tomada de certas medidas... É pena.
Cumprimentos
JCS
Aqui fica o tal quadro:
