Volte face

Volte Face
in Diário Económico
2004-04-08 10:00
Mais uma vez o relatório do emprego nos EUA provoca um «volte face» no sentimento de mercado, afectando de forma significativa os mercados de taxas de juro.
Depois de conhecidos os números do emprego de Março, as Obrigações do Tesouro norte-amerocano com maturidade a 10 anos registaram a maior subida diária dos últimos 8 anos, tendo a yield aumentado 26 pontos base. E as expectativas de evolução das taxas de juro de curto prazo rapidamente se inverteram. Mesmo relativamente ao Banco Central Europeu (BCE). Como se tivesse aparecido a peça que faltava no puzzle.
O relatório do emprego de Março foi globalmente positivo. Para além da enorme variação dos postos de trabalho (+308.000), o aumento do emprego foi extensivo a todos os sectores, os valores dos meses anteriores foram revistos em alta, o número de horas de trabalho desceu apenas ligeiramente e o salário médio por hora aumentou. Mesmo o aumento da taxa de desemprego pode ser lido de forma favorável: se mais indivíduos resolveram procurar emprego de forma activa (condição necessária para ser incluído nesta estatística), possivelmente será porque percepcionam uma melhoria no mercado laboral, ou porque estão mais optimistas quanto à facilidade de encontrar colocação. Poderá ser também que entretanto tenha havido uma limpeza dos dados históricos, e que finalmente tenham descartado imigrantes que já partiram, baixando a população activa, o que também justificaria o aumento da taxa de desemprego.
Mas, apesar desta leitura positiva, é também praticamente consensual que o cenário de recuperação sustentada do mercado de trabalho carece ainda de confirmação. Para além de este ser apenas um número isolado, e sujeito a revisões acentuadas, podemos apontar vários motivos que justificam uma leitura menos optimista. Segundo alguns analistas, cerca de 100.000 novos postos de trabalho ficaram a dever-se a factores de natureza meramente pontual (relacionados com o clima e com a ocorrência de greves); existem alguns indícios de que poderá ter ocorrido uma contracção do emprego por conta própria; e o relatório sugere que o aumento do emprego poderá ter afectado sobretudo ocupações em part-time, factores que limitam as possíveis implicações positivas deste relatório.
No entanto, esta é porventura uma leitura demasiado exaustiva de um fenómeno sujeito a tão fortes revisões estatísticas e cujo quadro, no final, acaba por ser substancialmente diferente do que aparenta de acordo com os números preliminares. A informação que verdadeiramente importa para os mercados financeiros é que o mercado de emprego gerou cerca de 170.000 postos de trabalho, em média, nos primeiros três meses deste ano. Apesar do abrandamento que se espera no próximo mês, este acaba por ser um ritmo significativamente acima dos 50 mil mensais registados em média, no último semestre de 2003. Pelo que se justificou o regresso das yields dos 10 anos a níveis que consideramos mais adequados para a actual fase do ciclo económico - entre os 4,1 e 4,3%.
No entanto, não está ainda garantido que este regresso seja definitivo, antecipando-se a persistência de volatilidade no mercado de taxa fixa e nos mercados de futuros das taxas de juro de curto prazo durante os próximos meses. É que os ganhos no mercado de trabalho, apesar de positivos, são ainda insuficientes para anular as folgas que entretanto se geraram na economia americana. Induzidas quer pelo arrefecimento da procura quer também pelos ganhos de produtividade. Em suma, serão necessários vários meses/trimestres consecutivos de ganhos sustentados no mercado de emprego americano até que se gerem pressões ao nível do custo dos factores produtivos. E só perante um cenário de inequívoco estreitamento dessas folgas, a Reserva Federal (Fed) deverá decidir alterar o rumo da sua política monetária.
Recordamos também que a convicção de que a Fed permanecerá paciente continua a constituir a principal âncora do mercado de taxas de juro. Pelo que, para além do mercado do emprego, os indicadores de actividade e de preços deverão ser acompanhados de perto por forma a antecipar, não só o timing, mas também o ritmo a que as taxas directoras americanas serão repostas num patamar mais neutral.
Paula Carvalho
BPI
in Diário Económico
2004-04-08 10:00
Mais uma vez o relatório do emprego nos EUA provoca um «volte face» no sentimento de mercado, afectando de forma significativa os mercados de taxas de juro.
Depois de conhecidos os números do emprego de Março, as Obrigações do Tesouro norte-amerocano com maturidade a 10 anos registaram a maior subida diária dos últimos 8 anos, tendo a yield aumentado 26 pontos base. E as expectativas de evolução das taxas de juro de curto prazo rapidamente se inverteram. Mesmo relativamente ao Banco Central Europeu (BCE). Como se tivesse aparecido a peça que faltava no puzzle.
O relatório do emprego de Março foi globalmente positivo. Para além da enorme variação dos postos de trabalho (+308.000), o aumento do emprego foi extensivo a todos os sectores, os valores dos meses anteriores foram revistos em alta, o número de horas de trabalho desceu apenas ligeiramente e o salário médio por hora aumentou. Mesmo o aumento da taxa de desemprego pode ser lido de forma favorável: se mais indivíduos resolveram procurar emprego de forma activa (condição necessária para ser incluído nesta estatística), possivelmente será porque percepcionam uma melhoria no mercado laboral, ou porque estão mais optimistas quanto à facilidade de encontrar colocação. Poderá ser também que entretanto tenha havido uma limpeza dos dados históricos, e que finalmente tenham descartado imigrantes que já partiram, baixando a população activa, o que também justificaria o aumento da taxa de desemprego.
Mas, apesar desta leitura positiva, é também praticamente consensual que o cenário de recuperação sustentada do mercado de trabalho carece ainda de confirmação. Para além de este ser apenas um número isolado, e sujeito a revisões acentuadas, podemos apontar vários motivos que justificam uma leitura menos optimista. Segundo alguns analistas, cerca de 100.000 novos postos de trabalho ficaram a dever-se a factores de natureza meramente pontual (relacionados com o clima e com a ocorrência de greves); existem alguns indícios de que poderá ter ocorrido uma contracção do emprego por conta própria; e o relatório sugere que o aumento do emprego poderá ter afectado sobretudo ocupações em part-time, factores que limitam as possíveis implicações positivas deste relatório.
No entanto, esta é porventura uma leitura demasiado exaustiva de um fenómeno sujeito a tão fortes revisões estatísticas e cujo quadro, no final, acaba por ser substancialmente diferente do que aparenta de acordo com os números preliminares. A informação que verdadeiramente importa para os mercados financeiros é que o mercado de emprego gerou cerca de 170.000 postos de trabalho, em média, nos primeiros três meses deste ano. Apesar do abrandamento que se espera no próximo mês, este acaba por ser um ritmo significativamente acima dos 50 mil mensais registados em média, no último semestre de 2003. Pelo que se justificou o regresso das yields dos 10 anos a níveis que consideramos mais adequados para a actual fase do ciclo económico - entre os 4,1 e 4,3%.
No entanto, não está ainda garantido que este regresso seja definitivo, antecipando-se a persistência de volatilidade no mercado de taxa fixa e nos mercados de futuros das taxas de juro de curto prazo durante os próximos meses. É que os ganhos no mercado de trabalho, apesar de positivos, são ainda insuficientes para anular as folgas que entretanto se geraram na economia americana. Induzidas quer pelo arrefecimento da procura quer também pelos ganhos de produtividade. Em suma, serão necessários vários meses/trimestres consecutivos de ganhos sustentados no mercado de emprego americano até que se gerem pressões ao nível do custo dos factores produtivos. E só perante um cenário de inequívoco estreitamento dessas folgas, a Reserva Federal (Fed) deverá decidir alterar o rumo da sua política monetária.
Recordamos também que a convicção de que a Fed permanecerá paciente continua a constituir a principal âncora do mercado de taxas de juro. Pelo que, para além do mercado do emprego, os indicadores de actividade e de preços deverão ser acompanhados de perto por forma a antecipar, não só o timing, mas também o ritmo a que as taxas directoras americanas serão repostas num patamar mais neutral.
Paula Carvalho
BPI