O Sonho de Luther King
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O Sonho de Luther King
O Sonho de Luther King
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Frederico Bastião
Perante a perspectiva de ter o governo em greve durante o Euro2004, a Assembleia da República decretou a requisição civil do Governo e o seu envio para o Iraque. E nunca a popularidade da Assembleia subiu tão alto.
Estava eu em casa a ver televisão, pouco depois de jantar, quando disseram no noticiário que os funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – vulgo SEF – ameaçavam fazer greve durante o Euro2004 se as suas condições remuneratórias não fossem melhoradas.
Não me dei conta logo, mas aquilo ficou-me a ruminar cá dentro. E se toda a gente começasse a dizer que fazia greve se não recebesse mais cacau?
Vai daí, adormeci, em frente à televisão e comecei a sonhar, como se Martin Luther King se tratasse, no seu famoso «I have a dream.» E que sonho.
Então não é que sonhei que os bombeiros ameaçaram que fariam greve durante o Euro por não os deixarem guiar aquelas bonitas ambulâncias, branquinhas, novinhas em folha, em vez daqueles malfadados trambolhos vermelhos, cheios das marcas dos cornos dos touros, que só servem para meter água?
Seja como for, o governo foi forçado a agir. E que fez? Ameaçou os bombeiros com a requisição civil, acrescentando que cedia aos pedidos dos americanos e que, para preencher a quota dos espanhóis, os enviava para o Iraque, uma vez que já estavam habituados ao calor.
Foi vê-los andar para trás, qual greve, qual quê. Quem ficou triste no meu sonho foi o presidente Bush, que já se estava a ver a tocar as sirenes. Resolvida esta crise foi a vez dos funcionários do SEF ameaçarem com uma greve durante o Euro, tal e qual como no noticiário.
Vai daí, o Governo já tinha a lição estudada, ameaçou-os com a requisição civil e o envio para o Iraque, como prevenção avançada, isto é, para evitarem que os terroristas saíssem. Foi vê-los recuar, a protecção ficou assegurada neste rectângulo à beira-mar plantado.
A seguir foram os empregados de mesa de hotéis e restaurantes. Mais uma vez o governo interveio prontamente, invocando o pacote «requisição-Iraque». No fim de contas, estavam habituados a lidar com estrangeiros.
Depois foi a vez dos médicos. Esses, ninguém percebeu quais foram as reivindicações, porque era impossível ler os cartazes.
Ainda se pensou em chamar os farmacêuticos, mas estes também estavam em greve, por solidariedade. Seja como for, ante a perspectiva de serem recambiados para o Iraque, preferiram meter o estetoscópio no saco e ficar por cá.
Nesta altura entraram na dança os trabalhadores dos impostos, que reclamavam melhores condições de trabalho, designadamente monetárias. O Governo respondeu com a requisição e o Iraque.
Porém, não havendo a quem cobrar impostos naquele País, estes funcionários públicos optaram, não fazer nada por não fazer nada, em ficar por cá e ir à bola.
Os taxistas acharam então que era a sua vez, em protesto contra o PEC. A Comissão Europeia fez um comunicado negando responsabilidades, e foi-lhes explicado que o PEC era outro.
E passou a ser um problema do governo, que reagiu com prontidão: ameaçou-os com a requisição civil e o envio para o Iraque, para conduzirem tanques de guerra. Os pobres taxistas consideraram que as estradas iraquianas, ao pé das nossas, os poderiam fazer adormecer ao volante e aceitaram ficar.
Finalmente, foi a vez dos futebolistas. Não queriam jogar com as bolas do governo, laranjas, escolhidas a preceito para a ocasião. Aí mais uma vez o destino escolhido pelo Governo foi o Iraque, dada a reconhecida capacidade da nossa selecção – bem demonstrada no último mundial – como força de intervenção.
Esta foi a gota de água. No meu sonho mais ninguém ousou murmurar sequer que fazia greve durante o Euro2004, ante tal produtividade e eficácia pela parte do Governo.
E foi então que o Conselho de Ministros, reunido em reflexão, chegou a uma notável conclusão: preocupado com os baixos salários de políticos que tanto e tão bem fazem pelo País, considerou ser obrigação sua dizer que ou via melhoradas as suas condições de trabalho, físicas e monetárias, e era de imediato reconhecido o seu direito de criar o sindicato dos membros do governo, ou entraria em greve durante o Euro.
Perante esta perspectiva de ter o Governo em greve durante o Euro 2004, não restou outra alternativa à Assembleia da República que não fosse a de decretar a requisição civil do Governo e seu envio para o Iraque. E nunca a popularidade da Assembleia da República subiu tão alto.
Frederico Bastião é professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando lhe perguntaram se era capaz de fazer greve durante o Euro 2004, Frederico disse três vezes: «Não posso sequer imaginar que um português faria alguma coisa que prejudicasse a imagem de Portugal durante o Euro 2004
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Frederico Bastião
Perante a perspectiva de ter o governo em greve durante o Euro2004, a Assembleia da República decretou a requisição civil do Governo e o seu envio para o Iraque. E nunca a popularidade da Assembleia subiu tão alto.
Estava eu em casa a ver televisão, pouco depois de jantar, quando disseram no noticiário que os funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – vulgo SEF – ameaçavam fazer greve durante o Euro2004 se as suas condições remuneratórias não fossem melhoradas.
Não me dei conta logo, mas aquilo ficou-me a ruminar cá dentro. E se toda a gente começasse a dizer que fazia greve se não recebesse mais cacau?
Vai daí, adormeci, em frente à televisão e comecei a sonhar, como se Martin Luther King se tratasse, no seu famoso «I have a dream.» E que sonho.
Então não é que sonhei que os bombeiros ameaçaram que fariam greve durante o Euro por não os deixarem guiar aquelas bonitas ambulâncias, branquinhas, novinhas em folha, em vez daqueles malfadados trambolhos vermelhos, cheios das marcas dos cornos dos touros, que só servem para meter água?
Seja como for, o governo foi forçado a agir. E que fez? Ameaçou os bombeiros com a requisição civil, acrescentando que cedia aos pedidos dos americanos e que, para preencher a quota dos espanhóis, os enviava para o Iraque, uma vez que já estavam habituados ao calor.
Foi vê-los andar para trás, qual greve, qual quê. Quem ficou triste no meu sonho foi o presidente Bush, que já se estava a ver a tocar as sirenes. Resolvida esta crise foi a vez dos funcionários do SEF ameaçarem com uma greve durante o Euro, tal e qual como no noticiário.
Vai daí, o Governo já tinha a lição estudada, ameaçou-os com a requisição civil e o envio para o Iraque, como prevenção avançada, isto é, para evitarem que os terroristas saíssem. Foi vê-los recuar, a protecção ficou assegurada neste rectângulo à beira-mar plantado.
A seguir foram os empregados de mesa de hotéis e restaurantes. Mais uma vez o governo interveio prontamente, invocando o pacote «requisição-Iraque». No fim de contas, estavam habituados a lidar com estrangeiros.
Depois foi a vez dos médicos. Esses, ninguém percebeu quais foram as reivindicações, porque era impossível ler os cartazes.
Ainda se pensou em chamar os farmacêuticos, mas estes também estavam em greve, por solidariedade. Seja como for, ante a perspectiva de serem recambiados para o Iraque, preferiram meter o estetoscópio no saco e ficar por cá.
Nesta altura entraram na dança os trabalhadores dos impostos, que reclamavam melhores condições de trabalho, designadamente monetárias. O Governo respondeu com a requisição e o Iraque.
Porém, não havendo a quem cobrar impostos naquele País, estes funcionários públicos optaram, não fazer nada por não fazer nada, em ficar por cá e ir à bola.
Os taxistas acharam então que era a sua vez, em protesto contra o PEC. A Comissão Europeia fez um comunicado negando responsabilidades, e foi-lhes explicado que o PEC era outro.
E passou a ser um problema do governo, que reagiu com prontidão: ameaçou-os com a requisição civil e o envio para o Iraque, para conduzirem tanques de guerra. Os pobres taxistas consideraram que as estradas iraquianas, ao pé das nossas, os poderiam fazer adormecer ao volante e aceitaram ficar.
Finalmente, foi a vez dos futebolistas. Não queriam jogar com as bolas do governo, laranjas, escolhidas a preceito para a ocasião. Aí mais uma vez o destino escolhido pelo Governo foi o Iraque, dada a reconhecida capacidade da nossa selecção – bem demonstrada no último mundial – como força de intervenção.
Esta foi a gota de água. No meu sonho mais ninguém ousou murmurar sequer que fazia greve durante o Euro2004, ante tal produtividade e eficácia pela parte do Governo.
E foi então que o Conselho de Ministros, reunido em reflexão, chegou a uma notável conclusão: preocupado com os baixos salários de políticos que tanto e tão bem fazem pelo País, considerou ser obrigação sua dizer que ou via melhoradas as suas condições de trabalho, físicas e monetárias, e era de imediato reconhecido o seu direito de criar o sindicato dos membros do governo, ou entraria em greve durante o Euro.
Perante esta perspectiva de ter o Governo em greve durante o Euro 2004, não restou outra alternativa à Assembleia da República que não fosse a de decretar a requisição civil do Governo e seu envio para o Iraque. E nunca a popularidade da Assembleia da República subiu tão alto.
Frederico Bastião é professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando lhe perguntaram se era capaz de fazer greve durante o Euro 2004, Frederico disse três vezes: «Não posso sequer imaginar que um português faria alguma coisa que prejudicasse a imagem de Portugal durante o Euro 2004
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