Cheque careca?

bboniek99 Escreveu:O caro Ming... esse cheque eh do tempo do Pinto de Magalhaes... bom mas estou, possivelmente, a faze-lo recuar excessivamente no seu tempo. Arrisca-se mesmo um exercicio de recuo pre-natal.
E isso seria um risco que nao vamos correr.
Comigo não haverá esse problema do recuo pré-natal.
Mas torna-se necessário avivar a memória...
- Se houve um caso no Pinto de Magalhães não terá sido com o Champalimaud mas sim com o Belmiro. E não se tratou de cheque careca embora, na época, a famíla PM tenha ficado pouco satisfeita com a actuação do então, ainda rapaz, Belmirinho.
- Com o Champalimaud existiu o caso do cheque mas foi com a compra do Banco Pinto & Sotto Mayor.
A história, aliás, é giríssima e passou-se em 1960. O AC queria comprar uma seguradora para meter lá os seguros de todas as suas empresas e para meter a sua nova menina bonita que era a Siderurgia. Depois de desistir da compra da União (porque os Espírito Santo andaram anos a empatarem-no dizendo que lha vendiam...)
fez uma prospecção e soube que havia uma companhia no Porto, A Confiança, de venda viável. Pertencia a Manuel Henriques Junior, dono de oitenta por cento do Banco Pinto & SottoMayor e seu presidente desde 1943.
(...)era um banco relativamente modesto. Em 1960 tinha somente 45.000 contos de capital e 75.000 contos de reservas e dificuldades em impor-se no mercado.
AC foi ter com Manuel Henriques Júnior à Sede do Banco, na baixa(...). Manuel Henriques, que AC já conhecia, era o maior resineiro português, homem afável e bem apessoado. Quando lhe explicou que queria comprar A Confiança, ele levantou-se, fez um gesto largo e disse-lhe: "Meu querido amigo, faça favor de se sentar na minha cadeira". Perplexo ficou AC. Manuel Henriques pensou que ele ia para comprar o banco. Explicou-lhe, a rir, que não era o caso, só queria a companhia de seguros.
Como se vê, no parágrafo seguinte, já se usava naquela época a tecnica das "empresas em cascata" que Belmiro de Azevedo tão bem utilizou uns anos mais tarde...
O resineiro contrapôs que a companhia pertencia ao Sotto Mayor e, se comprasse o banco, automaticamente ficaria proprietário de A Confiança. AC não vinha preparado para um lance daqueles, nem lhe passava pela cabeça, mas Manuel Henriques insistiu e ficou de estudar o assunto. Levou muito tempo a decidir-se mas, pelo sim pelo não, começou a depositar cada vez mais dinheiro no Sotto Mayor.
Como bom negociante que era AC não mostrou qualquer pressa e nunca mais lá apareceu...
Mas como levou tempo a responder, Manuel Henriques chamou-o em 1960 ao banco e disse-lhe que precisava de uma decisão urgente.
Estava o resineiro severamente descapitalizado e tinha de vender o banco para equilibrar a sua indústria: "Era sim ou sopas e tive que decidir na hora". AC perguntou a Manuel Henriques quanto é que queria pelo Banco: "Não regateei a quantia. Pedi-lhe que mandasse vir um cheque avulso e preenchi-o logo ali, sacando sobre a minha conta, e fechando assim o negócio. Fiquei só a dever, para pagar daí a trinta dias, uma percentagem pequena."
Dez anos depois este banquinho, comprado quase por engano, tinha-se tornado no maior banco privado português e só tinha acima dele a estatal CGD!
Vamos agora à história do cheque...
Circulou durante muito tempo a versão feita lenda, de que AC tinha adquirido o Sotto Mayor com dinheiro do próprio banco. Isto é, como não dispusesse de liquidez, teria emitido um cheque que só veio a ter cobertura depois de ficar dono do banco. AC diz que isso é falso:"O cheque que passei a Manuel Henriques foi já sacado sobre a minha conta de depósitos já dotada de recursos bastantes."
Mas tem piada que, na mesma página, encontramos o seguinte...
"Bom, fosse como fosse, continuei a depositar muito dinheiro da Cimentos de Leiria e das outras empresas suas associadas no Sotto Mayor."
Sendo assim a lenda talvez esteja próxima da realidade.
Não terá sido com dinheiro do banco mas se calhar foi com dinheiro das empresas...
JAS
(extractos do livro "Champalimaud" de José Freire Antunes, edição do Círculo de Leitores, 1997)