Voltou a berraria
sf@mediafin.pt
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O declínio económico da Alemanha dura há praticamente uma década. E os juros não são a razão. O problema é que o motor da Europa deixou de nos empurrar. Agora só puxa e é para trás.
Sempre que um político no activo vem questionar na praça pública as decisões de um banco central, é sinal que algo de muito importante está a perturbá-lo e que, obviamente, ele é o último a querer dizer exactamente o quê.
Se esse político é um ministro das Finanças é porque o assunto é sério. Se é um primeiro-ministro, já somos nós que devemos ficar preocupados. Se forem dois primeiro-ministros, então, é caso para sobressalto.
E, sendo um alemão e outro francês, sendo o alvo o BCE e a monstruosa taxa de 2% que fixou nos juros, então, definitivamente, é porque: o problema que os perturba não é deles – é nosso; e os juros não são o problema – apenas o pretexto.
Não é inédito, mas há muito que não se assistia a duas intervenções tão ostensivas, porventura concertadas, dos chefes de Governo das duas maiores economias da Europa, que juntas valem metade da Zona Euro, contra as taxas de juro e o suposto travão que elas representam à tão ansiada retoma.
O encadeamento dos argumentos apresentados ontem pelo chanceler Schröder e pelo senhor Raffarin é linear e até, empírica e tecnicamente, demonstrável: como existe uma relação entre os níveis de juros e a taxa de câmbios, como o euro está a valorizar-se bastante face ao dólar, como isso prejudica seriamente os sectores que dependem das exportações, como as exportações são fundamentais para o crescimento económico da Europa, logo os juros estão demasiado altos, o BCE deve abandonar a sua ortodoxia, pois ela agrava o estado de saúde da economia europeia.
Certo? Falso? As duas coisas. Porque este é um daqueles casos em que se pode chegar a uma conclusão que é uma mentira, a partir de várias premissas isoladamente correctas.
É um facto que o euro se apreciou quase 20% face à divisa americana, mas o registo histórico entre as relações cambiais entre os dois blocos económicos não confirmam que a taxa de câmbio esteja acima da média das últimas três décadas.
É um facto que taxas de juro mais elevadas provocam, teoricamente, um aumento da procura dessa moeda. Mas não é o contrário que a Alemanha e a França pedem? Taxas de juro mais baixas não desincentivam a poupança?
Ok, até se pode admitir que, numa situação de estagnação prolongada, um choque duplo provocado pela política orçamental e pela política monetária – a receita seguida pela dupla Bush & Greenspan – dê a morfina necessária para o corpo voltar a mexer.
Mas voltamos ao problema inicial. Os juros não estão altos. Logo, a questão é outra. É estrutural e não é monetária. Há 23 anos, os alemães eram 20% mais ricos que os outros europeus. No ano passado, pela primeira vez, o PIB per capita alemão terá ficado abaixo da média da UE.
A revista “The Economist” alerta para o facto de apenas 4 países dos Quinze terem níveis de rendimento mais baixos. Não é apenas o efeito estatístico da reunificação. É mesmo declínio económico. E num ritmo alarmante.
O PIB por cada europeu, apesar da Alemanha, cresceu na última década mais do que nos EUA. Enquanto o Velho Continente penava para criar emprego a uma taxa de 1,3% ao ano, a Alemanha praticamente ficou com o mercado de trabalho estagnado (0,2% ao ano).
O motor da Europa há muito que só puxa, em vez de empurrar