Lá se faz, cá se paga
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Sérgio Figueiredo
Há uma coisa certa e outra inexplicável. O certo é que todos os portugueses ficam mais pobres. O que não se explica é a complacência de uma ministra tão rigorosa numas coisas e tão condescendente noutras.
Trinta anos depois, José Roquette ainda tem razões para clamar por “um 25 de Abril no futebol”. O que o Tribunal de Contas veio ontem dizer-nos é que, também no sector empresarial do Estado, é necessária uma valente vassourada democrática.
Já sabíamos que a dimensão do Estado-patrão é obscura. Que a ausência de mecanismos de controlo é absoluta. Que não há transparência de espécie alguma. E que isso não acontece por acaso. Porque também não é por acaso que ali, no Sector Empresarial do Estado, é onde se encontra o maior depósito de
adidos partidários.
As empresas do Estado não se orientam necessariamente pelas regras do sector privado. Em muitos casos, não há sequer mercado. Mas há princípios que são universais e valores absolutamente invioláveis.
Definição de objectivos. Avaliação de desempenho e remuneração em função da “performance”. Qualidade nos serviços. Combate ao desperdício. Profissionalismo na gestão. E, sobretudo, prestação de contas à sociedade.
Que pode ser através de uma assembleia geral de accionistas. Que deve ser, no caso de empresas de capitais exclusivamente públicos, através dos Ministérios com a respectiva tutela. É assim numa empresa pública como numa empresa privada. Em Portugal ou na Conchichina.
Mas não é bem assim. Pelo menos em Portugal. Pelo menos nas empresas que continuamos a confiar ao nosso Estado. Porque já sabíamos, e não gostávamos, que ninguém presta contas no SEE. Porque já sabíamos, e não gostávamos, que nem existe sequer uma conta consolidada deste mesmo SEE.
Porque já sabíamos, ou pelo menos desconfiávamos, que nenhum daqueles gestores que o Estado nomeia é avaliado pela sua competência, logo pelo trabalho que apresentam. Já sabíamos isto tudo.
Mas quem podia imaginar que já estávamos a viver na dimensão do absurdo. Só percebemos o doutor Sousa Franco, quando se revelou o “esquema Partest”: os socialistas eliminaram o GAFEEP, o único departamento que centralizava a informação económica e contabilística das empresas participadas pelo Estado, para que ninguém descobrisse a batota orçamental.
Entretanto, já passaram os doutores PinaMoura e Oliveira Martins, o Governo caiu, trocámos de primeiro-ministros e é a doutora Ferreira Leite que por lá anda. E a situação só não está igual porque piorou.
Ninguém sabe ao certo e com rigor onde começa e onde acaba o Sector Empresarial do Estado. Numa situação absolutamente caricata, todas as perguntas são possíveis: como é que um grupo económico funciona sem saber que empresas controla?
Incúria, desperdício ou até corrupção, como garantir que não existem, se o Estado não faz a mínima ideia do que lá se passa? A história recente mostrou como era possível um colosso económico, sujeito a auditoria externa e cotado, cair por falhas deste género.
As nossas empresas públicas não vão deixar centenas de milhares de famílias em insolvência, como aconteceu na Enron ou na WorldCom. Mas há uma coisa que é certa e outra que é inexplicável.
Oque é certo é que todos os portugueses ficam assim mais pobres. O que não se consegue explicar é a complacência de uma ministra que é tão rigorosa numas coisas e tão condescendente noutras.