Pata-Hari Escreveu:Como se corrige? É com educação, sim. Mas não é educação académica, é educação por exemplo. No dia em que as actrizes in do momento se dedicarem nos tempos livres não à manutenção do seu penteado mas a uma associação desportiva que reúna crianças, no dia em que o manequim do momento fizer algo para a comunidade, no dia em as revistas decidam que isso é noticia, talvez o nosso povo comece a achar que há outros modelos a seguir além do modelo do egocentrismo e a adoração do próprio umbigo e que essa forma de estar não é necessariamente a única forma de estar na vida.
Enfim, isto é um desabafo meio revoltado...
Cara Pata,
Eu não podia estar mais de acordo com as tuas palavras.
Se pudéssemos reduzir a actual doença na alma dos portugueses, a uma única característica, eu diria que ela é o EGOISMO.
Antes da entrada na CEE, o nosso povo estava habituado, a um estilo de vida mais modesto e até miserável. A emigração das nossas gentes lá para fora era característica do nosso país. Se for preciso uma prova que agora estamos financeiramente melhor, que agora é o oposto do tempo dos nossos pais e avós, basta ver que somos agora um país de imigrantes.
Adiante... a questão é que o nosso povo, outrora habituado a tantas carências, ficou deslumbrado com a rápida subida do nível de vida na nossa sociedade, quer pela entrada de tantos fundos vindos da CEE ao longo destes anos, quer pela descida das taxas de juro. A verdade é que ANTERIORMENTE, o povo português estava solidário uns com os outros, quando todos eram carentes. As pessoas identificavam-se umas com as outras, pois todos sofriam uma ou outra carência material, e admito que haveria maior sentimento de humildade, mais facilidade de ajudar o próximo, pois a ambição individual não podia ser muita, nesses tempos, e as pessoas tinham tempo para pensar nos outros-(e isso foi uma das características que mais tarde iriam contribuír para o nosso povo se unir para abolir o regime fascista em 74). As pessoas funcionavam como um GRUPO, como uma verdadeira comunidade. Todos estavam no mesmo barco.
Mas o deslumbramento estragou isso tudo. A entrada de capitais estrangeiros no nosso país, quer através ajuda directa, quer como investimento, aguçou a cobiça de muitos. De repente, as pessoas começavam a ganhar melhor, de repente, haviam bancos a emprestar dinheiro a juros baixos, e toda a máquina comercial e de marketing invadiu o nosso país, e foi abraçada pelo nosso povo carente, como uma nova religião, que nos iria libertar da mediocridade e miséria de tantas gerações... As pessoas começaram a ganhar melhor, e logo de seguida, a preocuparem-se a gastar esse dinheiro, em CONSUMIR, e consumir e consumir... mesmo que consumisse com dinheiro emprestado do banco. O importante era mostrar ao vizinho que nos tínhamos libertado das "amarras" da miséria do passado, que tínhamos florescido: e foi a corrida à aquisição de bens supérfulos (sim, grande parte dos portugueses teve o mínimo de consciência de aproveitar a descida dos juros para finalmente adquirir a sua primeira casa própria, foram inteligentes os que tomaram essa acertada decisão), mas passada essa fase, veio a fase do supérfulo, das viagens, dos carros, dos telemóveis, da roupa de marca e das jóias, nem que fosse preciso pedir dinheiro ao banco para adquirir tudo isso! E as pessoas sentem urgência em adquirir todas essas coisas, sem terem paciência para poupar e esperar.
Desculpem-me, mas eu identifico o CONSUMISMO, como o "veneno" que poluiu o espírito português outrora humilde, ingénuo, e solidário.
Não é possível ser solidário com o próximo, e ao mesmo tempo, andar obcecado com adquirir o "modelo mais recente daquele automóvel"... Eu acredito que não é possível ser muito materialista e ser humanista ao mesmo tempo. São sentimentos perfeitamente INCOMPATIVEIS. E se antes, no tempo da miséria financeira portuguesa, as aspirações não podiam ser muitas, e as pessoas eram mais abertas e solidárias umas com as outras, a verdade é que hoje em dia, a cegueira pelo consumismo, pela vaidade materialista, tornou os portugueses EGOISTAS, fechados sobre eles próprios, narcisistas e cínicos. Para vos dar um exemplo, é hoje em dia considerado um tolo, aquele que diz que é preciso "amarmos os outros como a nós próprios". E isso ajuda a explicar a razão da falta de popularidade da igreja católica. A Igreja, com alguns dos seus ensinamentos humanistas, foi mais uma vítima, quando a alma portuguesa se ter oferecido ao novo e deslumbrante "deus" do consumismo. Mas também vemos isso no aumento dos divórcios, por exemplo, quando o foco das mentalidades portuguesas deixou de estar na família, na comunidade, para se concentrarem no seu sucesso individual, egoista e independente, cuja liberdade financeira (mesmo que aparente) finalmente o permitiu.
É preciso voltar às origens. Um dia, passada esta fase do deslumbramento cego pelos bens materiais, quando o bem-estar material do nosso povo, for um dado adquirido para todos, ou quase todos, temos de passar à fase seguinte: precisamos re-educar a nossa consciência colectiva, para os valores humanos. Até porque, a certa altura, o progresso económico e material do nosso país, vai estagnar se o povo continuar com o seu espírito tão pobre como está actualmente. Nenhum povo conseguirá nada, se todos continuarem a agir individualmente nessa sociedade, sujando as ruas com o nosso lixo, considerando a estrada nossa (outra manifestação do egoismo) e provocando acidentes pela falta de solidariedade com os outros condutores, tentando roubar o mais que podem nos impostos essenciais para a comunidade, tentando enganar o próximo (a indústria do marketing por exemplo, anda perto desta fronteira entre a decepção e a burla das massas). E se nós nos afogámos em dívidas foi precisamente porque a campanha de marketing ao consumo não foi acompanhada da educação de COMO consumir com responsabilidade! Nesta mentalidade egoísta actual, a sociedade está a boicotar o seu próprio futuro. Isto porque, uma sociedade não pode evoluir só pelo sucesso de cada indivíduo, mas sim, pelo trabalho COMUNITÁRIO de todos nós, em conjunto. E esse sentimento de solidariedade é simplesmente incompatível com a obcessão individual e egoísta pelo consumo.
Infelizmente, meus amigos e amigas, eu acho que as pessoas só estão dispostas a mudar de mentalidade depois de sofrerem na pele com o actual caminho que dão às suas vidas. A dor, nas suas diversas manifestações, provocada pelo trilhar do "mau caminho", acaba por ser o professor que nos obriga, MAIS TARDE OU MAIS CEDO, a mudar de estratégia, a mudar rumo a um caminho mais saudável e que dará uma nova dimensão à prosperidade de todos nós.
E um aviso aos egoistas: A prosperidade individual só vai até certo ponto. Até ao ponto que o nosso progresso começa a ser limitado pela sociedade em que tentamos prosperar. Portanto, caro amigo egoísta, depois de lutar pelo seu progresso egoísta, tente lutar pelo progresso da comunidade em que se encontra, caso contrário, a máquina do progresso pura e simplesmente pára, e retrocede, penalizando todos o que o rodeiam e também a si.
É preciso que aconteça esta consciencialização, nem que seja a um ritmo muito lento. Mas tem que começar, e acredito perfeitamente, que a educação de valores humanos às crianças é a nossa grande esperança de vermos uma sociedade futura bem melhor. Mas os seus pais também precisam re-aprender esses valores!
O conforto e a beleza material é um bem, mas não é tudo na vida! Esta é uma importante lição. E a continuação do sofrimento de toda a nossa comunidade será a consequência de ignorarmos este simples facto da vida. Para mim, o problema está identificado, falta a coragem de todos nós, de mudarmos, nem que a dor e o tempo, por fim, nos obriguem eventualmente a isso! A educação e a sensibilização de todos é a chave. Foi isso que modestamente que acabei de fazer neste fórum.
Fiquem bem.