"Um processo mal gerido"
O Governo não desistiu da Lecta e, na semana a seguir ao veto dos minoritários, Carlos Tavares voltou a trabalhar no caso Portucel. A empresa poderá ser privatizada no primeiro trimestre de 2004. Um modelo simples é o que promete o Executivo
"A PRIVATIZAÇÃO da Portucel voltou às mesas de trabalho do Ministério da Economia, menos de sete dias após o veto dos minoritários ao modelo de aumento de capital por entrada de activos de um novo sócio. O Governo quer, e prometeu aos envolvidos conseguir, um desenho simples para o que ficou conhecido como o Plano B - a solução de recurso já prevista no caderno de encargos da primeira operação. Em causa está a venda de 30% da empresa, e a Lecta, grupo europeu do sector dos papéis revestidos, não é carta fora do baralho.
À margem poderá ficar a Cofina, que estragou a sua imagem depois da venda das acções sob sua gestão na empresa, antes da assembleia. A atitude foi considerada como uma demonstração de falta de solidariedade para com o Governo e para com o presidente da Portucel, Jorge Armindo, que nem foram alertados para a operação. A empresa continua em gestão corrente, e uma das decisões determinantes será a formação do Conselho de Administração, a partir de 2004. Os mandatos acabam em Dezembro, e os elementos próximos do Estado e da empresa esperam que seja reposto «o equilíbrio relativo às participações accionistas». É que, apesar de a maioria do capital ser pública, a representação de administradores parece mais inclinada para o lado da Sonae do que para o lado do Estado. Moreira da Silva, Guilherme Costa, Álvaro Barreto e Luís Deslandes, entre votos contra e abstenções, pareceram mais próximos das teses defendidas pelo grupo liderado por Belmiro de Azevedo. Pelo Estado, correram Jorge Armindo, Artur Soutinho e Gil Mata. A nomeação de Barreto e Moreira da Silva pelo Estado foi uma das decisões de Carlos Tavares contestadas por quem saiu perdedor da assembleia.
Uma alteração de fundo no conselho exige, contudo, coragem política. Nomes sonantes do partido do Governo, como o de Álvaro Barreto, poderão ser difíceis de mexer. Há quem defenda também a substituição de Jorge Armindo, o que pode colocar problemas para a gestão da empresa. Assim, há quem acredite que, «embora seja negativo, o conselho acabará por ficar como está». Por decidir continuam a fusão nunca realizada entre a Portucel e a Soporcel e o avanço em definitivo para a construção de uma nova máquina de papel em Setúbal.
Numa altura em que os palpites vêm de todos os lados, a pressão pela dispersão de capital em Bolsa é constante, mas esta decisão obrigaria o Estado a redigir um novo decreto-lei, já que o actual não permite este tipo de operação. Sobretudo, apesar das afirmações de Carlos Tavares de que a privatização seria realizada o mais breve possível, a maior parte dos envolvidos preferiria que o Estado fizesse um compasso de espera, congelando a venda até que os ânimos serenassem, o mercado de capitais consolidasse e o preço da pasta e do papel registasse uma evolução sustentada. O diálogo, para já, está interrompido, mas, esta semana, Belmiro de Azevedo e Jorge Armindo estiveram reunidos, como participantes, com mais 14 responsáveis associados à floresta, num jantar em Londres. Apesar das divergências, o encontro terá sido cordial.
Acautelada terá também de ser a actuação do presidente da Assembleia Geral. Morais Leitão fez à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) um pedido formal, a seguir à primeira venda de parte das acções da Sonae a empresas de ex-quadros do grupo de Belmiro de Azevedo. Na segunda troca de acções, o pedido não foi por escrito, mas telefónico, e o regulador não o considerou formal. As investigações não foram tão profundas quanto alguns teriam desejado e Morais Leitão preferiu não assumir qualquer decisão.
BIG preparou operação
O presidente do BIG, instituição financeira que votou contra a realização do aumento de capital, apresentou-se ao ministro da Economia, propondo coordenar a compra pela Portucel SGPS da participação da Sonae na Portucel SA. As discussões sobre a proposta foram feitas com o representante da Sonae nas negociações, Ângelo Paupério, com Jorge Armindo e com o próprio Carlos Tavares. O modelo, contudo, surgiu numa má altura: os jornais já tinham lançado a ideia para a praça pública e faltava uma semana para a decisiva Assembleia Geral. Esta operação obrigaria o Estado a lançar uma Oferta Pública de Aquisição (OPA). O peso de usar um veículo público (Portucel SGPS) e os riscos associados à OPA, como o surgimento inesperado de um concorrente estrangeiro com uma contra-oferta, inviabilizaram a operação BIG. O insustentável peso de uma operação que custaria entre 500 e 800 milhões de euros fez-se sentir.
Muito antes, quando o Governo retomou a privatização, interrompida desde 1995, foi confrontado com três caminhos possíveis. A Portucel SGPS, com o apoio da Banca, lançava uma OPA sobre a Portucel SA, pagava aos accionistas (Sonae e minoritários) para saírem do capital da Portucel SA e avançava com um parceiro capaz de garantir dimensão à empresa. A segunda opção era o Estado transferir as acções da Portucel SGPS sobre a Portucel SA para a Direcção-Geral do Tesouro, eliminando entraves com minoritários e prosseguindo com a aproximação ao parceiro que quisesse. A terceira hipótese acabou por ser a escolhida: um modelo híbrido, dentro e fora do mercado, sem encaixe e que associou a escolha do parceiro desejado pelo Estado ao respeito pelos minoritários.
Christiana Martins
Os responsáveis: seus silêncios e respostas
Carlos Tavares
O MINISTRO da Economia, Carlos Tavares, acreditou que as virtudes do modelo acabariam por convencer os accionistas a participarem no projecto de desenvolvimento da Portucel. Apostou na concertação em lugar de optar por uma decisão unilateral do Estado e acabou por ver o modelo inovador naufragar em meio aos interesses individuais. Confrontado pelo EXPRESSO com as mesmas questões enviadas aos demais protagonistas, Carlos Tavares remeteu-se ao silêncio. As perguntas foram: Que balanço faz do processo negocial que antecedeu a última assembleia da Portucel? Como avalia a participação dos intervenientes? Que novo modelo de privatização defende?
É imprescindível à Portucel ter um accionista estratégico nacional? E diversificar actividades? Como avalia a participação da autoridade de regulação do mercado de capitais?
Belmiro de Azevedo
Os equívocos associados à participação de Belmiro de Azevedo na Portucel remontam ao veto do ex-ministro das Finanças António de Sousa Franco, que impediu a Sonae de ultrapassar 10% do capital da empresa, antes que o processo de privatização fosse retomado. A Joaquim Pina Moura cabe a autoria do actual «imbróglio»: levantou o veto e deixou a Sonae livre para transformar-se no sócio incontornável. Quem a suceder que resolva o diferendo: ou transforma a Sonae em aliado ou paga-lhe a saída da empresa. Quanto às dúvidas, o empresário é sucinto na resposta ao EXPRESSO: «Mantemos o nosso interesse estratégico na Portucel e a nossa disponibilidade para contribuir para um processo que permita ao Governo privatizar e à Sonae (ter) a responsabilidade de criar riqueza na Portucel, com sócios, financeiros e sectoriais, que tenham interesse convergente com o nosso».
Jorge Armindo
O presidente da Portucel dedicou sete anos da sua vida profissional à reestruturação do sector nacional da pasta e do papel. Jorge Armindo apostou todas as fichas na construção de um grupo de influência europeia mas com manutenção do centro de decisão em Portugal. A falta de ousadia das decisões políticas, a falta de dimensão dos empresários nacionais, a falta de capacidade financeira do sistema financeiro, a falta de flexibilidade negocial da Sonae e a falta de inflexibilidade do presidente da Assembleia Geral da Portucel deitaram por terra o projecto. Falta agora saber se Jorge Armindo não terá de abandonar o barco antes deste chegar ao porto. O gestor privado ao serviço do Estado errou na selecção de parceiros, sobretudo o investidor Paulo Fernandes, que preferiu vender as acções sob sua gestão, antes da Assembleia Geral fadada ao fracasso. Agora, prefere evitar polémicas.
Paulo Fernandes
Paulo Fernandes diz que o balanço do processo negocial na Portucel é «positivo», porque ganhou o concurso «nas condições em que foi lançado, pelo esforço e pela capacidade de ‘montar’ um negócio de 400 milhões de euros com um sócio internacional muito credível e sem pretensões de vir a controlar a empresa, ao contrário de outros interessados internacionais». A análise dos demais intervenientes é contundente: «O Conselho de Administração da Cofina avaliou as várias hipóteses que se colocavam e sempre pensou que a Sonae não encontraria parceiros financeiros institucionais dispostos a dividir a sua posição por forma a ultrapassar a limitação de votos de 25%. E nunca acreditou que, face aos montantes elevados em causa, utilizassem expedientes tão óbvios para atingir objectivos de paralisar um processo empresarial ganhador»."
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