"Sonae impõe privilégios na Portucel "
Belmiro de Azevedo não conseguiu liderar o sector da pasta e do papel, mas já deu provas de que não sai da Portucel sem uma recompensa
A assembleia-geral revelou boas relações entre Jorge Armindo, da Portucel, Moreira da Silva e Osório de Castro, ligados à Sonae
SE FICAR como accionista da Portucel, a Sonae quer ter os mesmos direitos que a Cofina/Lecta, parceiro escolhido pelo Estado para o sector da pasta e do papel. Se sair do capital da empresa, a Sonae quer ver reconhecida uma participação de 29% e não de 22,5%, que o grupo liderado por Belmiro de Azevedo terá depois do aumento de capital que permite a entrada do novo accionista e concretiza a privatização.
A proposta transformou-se num «nó cego», que caberá ao Estado desatar.
O ministro da Economia está pessoalmente envolvido, tendo acompanhado durante grande parte da noite de segunda-feira uma reunião com representantes da Sonae. Três são os homens-fortes de Belmiro de Azevedo neste processo: o filho, Paulo Azevedo, o administrador Ângelo Paupério e Carlos Moreira da Silva, o «gentleman» que dialoga amigavelmente com Jorge Armindo, presidente da Portucel e peça incontornável deste dossiê, que esteve ausente desta reunião, mas manteve-se sempre a par do que se passava no encontro. Um dos pontos que ficaram assentes na reunião foi a certeza de que a Sonae não se iria opor nem se abster quando confrontada com o pedido de adiamento da assembleia que um accionista da Portucel (Fundação Eng. António de Almeida) apresentaria na manhã seguinte.
Todos os esforços do Estado e da Portucel estão concentrados na tentativa de encontrar uma maneira de a Sonae permanecer na empresa de pasta e papel, mas Belmiro de Azevedo não será da mesma opinião. Frustrado o objectivo de controlar o sector, o empresário preferirá sair bem remunerado.
No caso de ficar, seria preciso convencer Paulo Fernandes, a cara do consórcio Cofina/Lecta, a abrir mão da sua condição de parceiro fundamental do Estado, mantendo uma situação de paridade com um sócio que, na prática, terá uma participação inferior. Solução para a qual Paulo Fernandes não está inclinado. «A Cofina não quer a Portucel a qualquer preço e tudo terá de ser visto na equidade das reais participações de cada accionista», fez saber fonte próxima da Cofina.
Caso a permanência não seja possível e a única saída seja a venda da participação da Sonae na Portucel, o Estado parece continuar refém. Esta semana, foram divulgados os acordos entre a Sonae e a Cajastur e a Lumino, sociedades que compraram acções do grupo de Belmiro de Azevedo na Portucel. De acordo com os comunicados, tanto a Caja de Ahorros de Asturias como a Lumino - ligada aos ex-administradores da Sonae Pinto de Sousa e Jaime Teixeira - têm direitos de venda associados aos da Sonae.
A Lumino informou o mercado de que a Sonae assumiu «o compromisso de, em caso de venda em bloco da participação que detém no capital da Portucel, oferecer à Lumino a possibilidade de incluir naquela venda e nos mesmos termos e condições a sua participação na Portucel até ao limite de 5%». A Cajastur explica, por sua vez, que havia celebrado em Maio deste ano um contrato de opção de venda de até 30.700.000 acções da Portucel com a Sonae SGPS. A opção pode ser exercida até 30 de Novembro de 2004 e, ao longo deste período, a Sonae tem de manter aprovisionada uma conta onde deverão estar depositadas, «a todo o tempo», acções que garantam o pagamento de pelo menos 25% das acções que seriam adquiridas caso a opção fosse exercida. Também o preço está detalhado no comunicado: ao custo de aquisição por acção é acrescida uma taxa de juros de 4,2% ao ano, calculada desde a data de aquisição até à data de pagamento, menos os dividendos, capitalizados à mesma taxa de juro. E, «caso o preço de aquisição de alguma das acções seja superior a 1,35 euros, tomar-se-á este valor como preço de aquisição de tais acções».
Quem paga à Sonae?
A questão do preço é o segundo nó que o Estado tem de desatar. Fontes próximas das negociações afirmam que se houvesse quem oferecesse 1,30 euros por acção, a Sonae venderia a sua participação. Outras dizem que, se este fosse o valor em causa, o «assunto já teria sido resolvido». Há quem afirme que o cartão de saída tem a marca de 1,45 euros e que a Sonae estaria disposta, neste caso, a concentrar as atenções nas telecomunicações. Outros afirmam que a Sonae não sai por menos de 1,55 euros. Seja qual for o valor, a dificuldade é encontrar um comprador para cerca de 30% da Portucel. A Caixa Geral de Depósitos não avançaria sem o acompanhamento dos outros grandes bancos portugueses, cuja participação é mais difícil de garantir. Outros grupos económicos têm dificuldades financeiras em avançar, o que poderia empurrar esta participação para um grupo estrangeiro do sector, fragilizando a manutenção do centro de decisão em Portugal.
À saída da assembleia geral - com a presença de mais de 90% do capital da Portucel, evidenciando as atenções sobre o futuro da empresa - o advogado da Sonae, Carlos Osório de Castro, foi claro: «A Sonae não colocou a sua participação à venda, mas, por um bom preço, tudo está à venda, até a mãe». Com humor, assumia que toda a solução tem um preço. Há que encontrar quem o pague.
Esta semana, depois da assembleia geral, as negociações foram interrompidas, mas sobre a mesa ficaram várias hipóteses. A Soporcel poderá ser utilizada como a forma mais simples para acomodar 10% do capital da Portucel, até porque a própria empresa (Portucel SA) só compra acções próprias com autorização da assembleia e a utilização da SGPS seria encarada como uma nacionalização. Mas este caminho deixa em aberto outra questão: quem comprará os outros 20% associados à Sonae? Ficaria, neste caso, o grupo de Belmiro de Azevedo com uma opção de venda para exercer mais tarde?
Até dia 31, data fixada para nova assembleia geral, os contactos serão retomados, visando encontrar uma solução para o problema. O Estado aproveitou para adiar o prazo do caderno de encargos para a conclusão da privatização por mais 70 dias.
Christiana Martins "
(in
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