Ulisses Pereira Escreveu:O Iraque ameaça atacar Israel, caso seja vítima de uma ofensiva norte-americana.
Como isto se assemelha a 1990...
Ulisses,
Não resisto.
Na minha perspectiva não irá haver guerra. Vamos aos factos...
O que difere 1990 de 2002? Várias situações. Em 1990 estava o mundo ainda embriagado com a rapidez das mudanças operadas a partir do leste, graças a Gorbachiov e às suas inesquecíveis Glasnost e Perestroika. Ainda se lembram desse momento histórico? Em que tantas revoluções pacíficas ocorreram em tão pouco tempo? Em que tantas feridas herdadas da guerra fria sararam tão depressa? A felicidade, paz, harmonia e desenvolvimento na terra pareceu ali tão possível na altura.
O leste alinhava pelos padrões civilizacionais do ocidente, a Jugoslávia dava início ao processo de implosão com os quadros horrendos que se lhe seguiram, a URSS começava a sentir a força dos movimentos nacionalistas nos confrontos com tropas do Exército Vermelho (Arménia, Azerbaijão/Arménia, Geórgia, Repúblicas Bálticas, Cazaquistão e Moldávia, entre outros), discussões sobre a Carélia, os problemas da então Checoslováquia, o Japão a reforçar a exigência de devolução das ilhas Curilas, enfim... Tantos e tantos acontecimentos que se operaram no mundo naquela altura e que levantou logo então questões quanto ao desaparecimento de um mundo bipolar para um mundo multipolar.
Saddam, à testa de um dos maiores exércitos do mundo, já sem a guerra com o Irão, sequioso de maiores riquezas e de uma porta maior de acesso ao Golfo Pérsico, viu ali a sua oportunidade de ouro [negro] no meio da confusão que reinava no mundo na altura. A operação até foi simples e "clean". Mais, o Iraque teria certamente alguma animosidade contra alguns vizinhos da zona já que entre 1985 e 1986 o preço do petróleo caiu dos 38USD para os 15USD graças a um aumento da produção por parte da Arábia Saudita de 44%!
O que mais um dos apaniguados de Washington (na guerra contra o Irão) não contava é que ali não podia "tocar". Não é que Saddam fosse melhor ou pior que os petromonarcas koweitianos, mas os riscos que pairavam sobre a Arábia Saudita, desarmada face ao Iraque, e o possível domínio de um só Estado sobre 43.9% das reservas mundiais de petróleo deixava qualquer Estado em pânico. Daí que até nem tivesse sido muito difícil reunir um mosaico tão diversificado de países para participar na coligação international.
Lembro que na altura, ainda nem se sonhava com o 13 de Setembro de 1993 e com os Acordos de Oslo. Arafat era um exilado e Israel exibia a sua mão pesada nos territórios ocupados. E nos Golã e no sul do Líbano. Arafat foi dos poucos a apoiar Saddam, pois este apoiava a causa palestiniana.
Israel, a Palestina e o Iraque. Na altura, num mundo em profundas mudanças, era evidente que a situação israelo-palestino-árabe tinha que ter um fim. Sem que tal se adivinhasse no horizonte, Saddam procurou fracturar a coligação e grangear outro tipo de apoios ao atacar Israel. A estratégia era clara. Alguns patriot, muito armamento moderno e ajuda em USD por parte do Big Brother compraram a não reacção de Israel aos ataques do Iraque com mísseis Scud de ogivas convencionais.
Ironia do destino. Volvidos 12 anos, muitas sanções, bombardeamentos, apertos de mãos solenes, atentados mortais, homicídios e o mundo vê-se novamente confrontado com um Estado de Israel governado pela linha mais dura possível(pior só mesmo uma que preveja a deportação integral dos palestinianos), em que o Bejamim do Likhud declara solenemente que os Acordos de Oslo estão enterrados e querem a deportação de Arafat. Porque carga de água circulará nos media que Saddam ou o Iraque terão ameaçado Israel??? Porque será?
Mais ainda. Qual é o Estado árabe vizinho ou não muito distante de Israel que se possa sentir seguro com a quantidade e qualidade do armamento israelita? Permanentemente upgraded pelos EUA?
Será que Saddam tem mesmo a quantidade industrial de armas de destruição maciça apregoada pelos EUA-UK? Neste tipo de cenários, a instrumentalização da opinião pública é uma grande arma para que qualquer governo possa levar adiante os seus intentos. Por muito democráticos que sejam. Não é preciso ir muito longe para se perceber isso...
Vamos ver se realmente tem e o que tem. E a partir daí... Analisando todo este longo processo Iraque/EUA+UK, acredito que a guerra não seja uma necessidade imperiosa. Há que considerar 2 cenários: 1-o Iraque procura a vingança e tem uns stocks diabólicos de armas de destruição maciça para utilização regional e/ou grupos terroristas (não acredito muito); 2- o Iraque poderá ter algumas armas de destruição maciça por motivos de dissuasão(?)... Bem, aguardemos! Mas o que penso é que o Iraque não irá dar qualquer azo a que haja uma intervenção militar pois sabem perfeitamente que, a ocorrer, isso significaria o fim do regime no poder.
Ainda sobre o caos que possa ocorrer na zona:
1. Mais de metade do território iraquiano tem uma presença efectiva xiita (maioritária no Irão), sendo maioritária em 1/3 do território. Estão compreendidos no eixo Kerbala/Bassorá e abarcam a única porta de saída para o mar do Iraque no sul;
2. O Curdistão que no Iraque representa cerca de 1/10 do território em que são maioritários ou 1/8 em que marcam presença. Estão no nordeste entre Mossul e Kirkouk. São 4 milhões. No Irão são 6 milhões. Na Síria são 1 milhão. Na Turquia são 12 milhões. Para além de abarcar território destes 4 países, o Curdistão integra igualmente uma parte da Arménia incluindo a capital Erevan;
Acima de tudo, penso que Saddam apercebeu-se claramente que não há qualquer alternativa que não seja a da colaboração com os inspectores da ONU. Alguém acredita que lhe interesse manter-se debaixo de sansões? E ser um pária da comunidade internacional? Vamos ver que surpresas serão reveladas com mais esta missão. Se descobrirem alguma coisa tanto melhor, afinal era verdade e dissipamos dúvidas. Mas se afinal não houver nada ou quase nada, será uma humilhação para a comunidade internacional.
Desculpem a seca.
Um abraço,
MozHawk