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Caldeirão da Bolsa

A NOVA PORTUCEL

Espaço dedicado a todo o tipo de troca de impressões sobre os mercados financeiros e ao que possa condicionar o desempenho dos mesmos.

Excelente análise da Portucel

por Pavel » 10/10/2003 21:28

Caro Vicente Pinto, os meus sinceros parabéns pelo rigor e lucidez que colocou na sua análise ao dossier Portucel. Sem dúvida muito mais esclarecedor do que todo o corre-corre da Imprensa em torno da questão. Uma questão que de resto merece mais atenção do que tem tido, pelo seu relevo para o futuro industrial de Portugal e do - tradicionalmente forte - sector português da pasta e papel em particular.
 
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A NOVA PORTUCEL

por Vicente Pinto » 10/10/2003 13:24

NOVA PORTUCEL*
*(Designação dada pelo agrupamento
Invescaima/Lecta à nova empresa que
seria a Portucel se o agrupamento fosse
o vencedor do concurso de privatização)
I
Finalmente dispomos de alguma informação fidedigna sobre a chamada 2ª Fase da Privatização da Portucel.
Esta informação consta da documentação, proporcionada aos accionistas da empresa no âmbito da preparação da assembleia geral agendada para 14 de Outubro corrente, a saber:
Relatório da Sociedade de Revisores Oficiais de contas elaborado nos termos do artigo 28º do Código das Sociedades Comerciais (VERIFICAÇÃO DAS ENTRADAS EM ESPÉCIE)

Proposta da Portucel —Empresa de Celulose e Papel de Portugal, SGPS, SA. em cumprimento do artigo nº 33 do Caderno de Encargos aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 65/2003



Nota- Os factos referidos a seguir são retirados, na sua maioria, dos documentos citados acima; as opiniões são o resultado da sua análise.



II

Se a assembleia geral da PORTUCEL, SA votar favoravelmente a Proposta do Conselho de Administração da PORTUCEL, SGPS, SA e o Conselho de Ministros aprovar o vencedor do concurso,

a PORTUCEL, SA vai entregar ao AGRUPAMENTO INVESCAIMA/LECTA

255 833 000 acções, representativas de 25 % do seu capital após este aumento,

valorizadas em 396 541 150 de Euros (79 499 363 do contos)

e o AGRUPAMENTO entregará à PORTUCEL, SA

acções representativas de

36,57 % do capital da sociedade Cartiere del Garda, Spa (ITÁLIA)
36,57 % do capital da sociedade Condat, SA. (FRANÇA)

pelo valor de 127 760205 €

47,52 % do capital da sociedade Torraspapel, SA. (ESPANHA)

pelo valor de 232 706 715 €

50,00 % do capital da sociedade INVESCAIMA, SA. (PORTUGAL)

pelo valor de 36 090 000 €

o que, tudo, perfaz um total de 396 556 921 €

e a gestão,
pela via da nomeação da maioria dos membros dos seus Conselhos de Administração, de todas as empresas participadas acima mencionadas, durante um período de quatro anos, findo o qual a referida gestão regressará aos membros do AGRUPAMENTO, a menos que a PORTUCEL, SA(ou alguém por ela) adquira as restantes acções das empresas participadas, excepto do caso da Torraspapel em que há que adquirir 47,52 %.

A compra destas acções será feita por um valor, desde já ajustado, que ronda os 550 milhões de euros (110 000 000 de contos)






III

Como se vê a PORTUCEL, SA. obtém, em pagamento das suas acções, uma carteira de participações em quatro empresas, em nenhuma das quais detém a maioria.

Todavia, seria extremamente simples configurar um lote de acções, com um valor da ordem dos 400 000 000 de euros, que desse à PORTUCEL, SA uma posição maioritária ou mesmo de domínio total na empresa ou empresas em que participasse.

E isso teria certamente acontecido se o objectivo do fundo CVC Capital Partners fosse, pela via da Lecta, obter uma participação no capital da PORTUCEL, SA

Mas este não é o seu objectivo. O que o fundo quer é desfazer-se da totalidade da Lecta. E isto não é um segredo. Já foi dito.

A estratégia do AGRUPAMENTO está montada e é impecável de inteligência e argúcia.

Ficando minoritária, a PORTUCEL, SA (ou os seus ACCIONISTAS ou o ESTADO) ver-se-á obrigada, para não perder a gestão das empresas em que agora adquire participações e não sofrer a mais que provável desvalorização destas participações, a comprar as restantes acções dessas empresas no prazo máximo de quatro anos-

E quem vai pagar os cerca de 550 000 000 de euros necessários? Muito provavelmente o contribuinte português.

(Diz-se, mas é de certeza mentira, que, se o processo da privatização não for gorado, a PORTUCEL, SGPS, isto é, o ESTADO comprará estas acções)



IV

As sociedades em que a PORTUCEL, SA. vai participar, minoritariamente, são possuidoras das seguintes fábricas:

Cartiere del Garda, Spa (36,57 %), actividade industrial concentrada em 1 fábrica
Condat (36,57 %), actividade industrial concentrada em 1 fábrica
Torraspapel (47,52 %), actividade industrial dispersa por 9 fábricas

Nestas onze fábricas há dezasseis máquinas de produção de papel.

A produção não é totalmente integrada — tem um défice de pasta da ordem das 600.000 t

Diz o AGRUPAMENTO: Esta é uma vantagem para a PORTUCEL, que coloca na LECTA os seus excedentes (!) de pasta.

Argumento viciado - a muito curto prazo a PORTUCEL necessita desta pasta para alimentar a nova máquina de papel cuja aquisição está prevista no seu projecto de expansão no sector do papel de escritório; no imediato, há mercado para a referida pasta.



V

O produto final das empresas do grupo LECTA é o papel revestido; o produto final do grupo PORTUCEL é o papel de escritório e, temporariamente até estar instalada a nova máquina de papel, a pasta para papel.

A produção e comercialização do papel revestido é muito diferente da produção e comercialização do papel de escritório.

A dispersão territorial das fábricas não ajuda.

O Governo justificou o modelo de privatização da PORTUCEL, SA. definindo vários objectivos a atingir.

Entre eles — "Reforço da capacidade operacional da PORTUCEL, potenciando a criação de valor decorrente de níveis superiores de eficiência"

Este objectivo não pode ser atingido. Toda a gente o vê, excepto quem é cego ou fecha os olhos para, deliberadamente, não ver.

Cumprimento os consultores nomeados pela Secretaria de Estado das Finanças e Tesouro,

Jaakko Poyry Consulting, consultor especializado no sector da pasta e do papel, e
Consórcio UBS/Finantia — Banco de Investimento,

por, honrando a sua reputação, terem escrito que as sinergias do projecto deverão ser relativamente pequenas.

Tão pequenas que não foram consideradas na avaliação!

Reproduz-se a seguir o que sobre esta matéria consta do relatório VERIFICAÇÂO DAS ENTRADAS EM ESPÉCIE:

"Neste projecto não estão valorizadas sinergias, as quais podem ocorrer tanto por haver uma integração completa de serviços num grupo empresarial, em que várias empresas passarão a clientes/fornecedores de outras do mesmo grupo, como por aumento do volume de negócios, resultando necessariamente em economias de escala. Os consultores da Jaakko Poyry e da USB/Finantia estimaram que as sinergias deverão ser relativamente pequenas."






VI

O Conselho de Administração da PORTUCEL; SGPS. diz, nos considerandos da proposta que vai apresentar aos accionistas da PORTUCEL, SA na assembleia geral de 14 de Outubro:

"Considerando:

.........................

c) que a proposta do AGRUPAMENTO INVESCAIMA/LECTA cumpre os objectivos principais estabelecidos no artigo 3º do Caderno de Encargos para a presente fase da privatização da PORTUCEL, SA, constituindo uma oportunidade para que esta sociedade possa:

ampliar substancialmente a capacidade de produção disponível;
consolidar a sua estratégia de internacionalização, com manutenção do centro de decisão em Portugal;"
Comentário: Não me consta que alguma vez a PORTUCEL, SA tenha adoptado uma estratégia de plantar fábricas pela Europa. Esta é uma estratégia nova e nada tem a ver com a estratégia seguida pela empresa até agora. A estratégia de "internacionalização" sempre teve como objecto as vendas.
O Decreto-Lei nº 6/2003 aponta como 1º critério de selecção da proposta vencedora "Reforço……da competitividade internacional da PORTUCEL, SA…" Refere-se, como é claro, `à competitividade comercial.

"diversificar os seus negócios para a área dos papéis "coated woodfree""
Comentário: Segundo declarações, não desmentidas, do Sr. Presidente do Conselho de Administração da Portucel feitas há dez meses, o "coated" não fazia parte da estratégia da empresa nem do Governo. De resto, no já referido Decreto-Lei nº 6/2003, nem na enumeração dos objectivos de reprivatização nem na dos nos critérios de selecção da proposta vencedora, se fala em levar a empresa para o "coated".

"elevar substancialmente o nível da sua integração em papel"
Comentário:A frase é hermética ou sem sentido. Carece de explicações complementares para que possa ser comentada.

"prosseguir o crescimento orgânico da empresa tendo como objectivo uma posição de liderança no espaço europeu após a construção de uma nova máquina de papel."
Comentário: Há aqui uma enorme confusão de ideias. O que tem como objectivo uma posição de liderança no espaço europeu é a construção de uma nova máquina de papel. E a construção de uma nova máquina de papel nada tem a ver com a reprivatização, constando já anteriormente dos projectos da empresa.

Foram cumpridos os objectivos estabelecidos no artigo 3º do Caderno de Encargos?

Foram? De que maneira?
O que nos é dito não permite adquirir essa certeza. São precisas mais e melhores informações.



VII




E por falar em informações...



Tenho pelos membros do Conselho de Administração da PORTUCEL, SGPS. a maior consideração. Não que os conheça, mas acredito, como a maior parte dos portugueses, que o poder vem de Deus, e, se vem de Deus, os eleitos tem, por isso mesmo, que ser objecto da nossa maior consideração.

Mas, mesmo pecando contra os desígnios de Deus, a minha consciência obriga-me a interpelar o Conselho de Administração da PORTUCEL, SGPS. e perguntar:

Por que não informam os accionistas da PORTUCEL, SA. que, para que se cumpram os objectivos enumerados acima, vai ser indispensável que o ESTADO, pela via da PORTUCEL, SGPS ou outra, e/ou a própria PORTUCEL, SA. comprem as restantes acções do AGRUPAMENTO INVESCAIMA/ LECTA, no prazo máximo de quatro anos, e por um valor que, só em acções das empresas da Lecta, ronda os 500 000 000 de euros (100 000 000 de contos) ?



VIII

Não conheço o artigo 3º do Caderno de Encargos para a presente fase da reprivatização da PORTUCEL, SA. referido, pelo Conselho de Administração da PORTUCEL, SGPS, na sua proposta à assembleia geral da PORTUCEL, SA.. mas conheço os objectivos desta reprivatização, conforme consta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 6/2003, de 15 de Janeiro, objectivos que presidiram à escolha do modelo adoptado, e conheço os critérios de selecção da proposta vencedora definidos no nº 4 do artigo 3º do mesmo decreto-Lei.

Quanto aos objectivos da reprivatização, são os que seguem acompanhados de comentários quando se justifique.

Contribuição para a manutenção da identidade empresarial da PORTUCEL, e a existência de adequado projecto estratégico para a sociedade;
Comentário: Não me parece que haja qualquer contribuição para a manutenção da identidade empresarial da PORTUCEL; as novas empresas vão, certamente, continuar no mercado com os seus nomes e as suas marcas. Por outro lado, se há um "adequado" projecto estratégico para a Portucel, não é o do seu Conselho de Administração nem do Governo porque não cumpre o disposto no Decreto-Lei nº 6/2003. O projecto que estão a tentar introduzir na empresa serve somente os interesses do AGRUPAMENTO INVESCAIMA/LECTA

Contribuição para a manutenção da PORTUCEL como sociedade com o capital aberto ao investimento público;
Contribuição para o reforço da estabilidade da estrutura accionista da empresa;
Comentário: Só daqui a uns anos se verá.

Reforço da capacidade operacional da PORTUCEL, potenciando a criação de valor decorrente de níveis superiores de eficiência
Comentário: É objectivo que não pode ser atingido com investimento feito em três países, com empresas com culturas próprias, com uma nova linha de produtos. Os consultores do projecto disseram-no, como já foi referido no ponto V.

Contribuição para o reforço da posição de liderança da PORTUCEL no plano internacional, em segmentos específicos do mercado da pasta e do papel
Comentário: Não é, necessariamente, uma boa ideia colocar a empresa a competir em duas frentes. Uma, a dos papéis de escritório, que já era a sua; outra, a dos papéis revestidos, que lhe chega pela via da reprivatização e de aquisições de empresas já estabelecidas no mercado.
Não se vê nesta estratégia a criação de qualquer tipo de sinergias, único factor que poderia justificá-la.
De resto, houve o cuidado de avaliar as entradas em espécie mas não se ouve falar de quaisquer estudos económicos e financeiros do novo grupo que nasce com esta reprivatização; nem houve tempo para os fazer devidamente fundamentados.

Contribuição para o reforço da estrutura económico-financeira da PORTUCEL
Comentário: Prejudicado, por falta de elementos.

Salvaguarda dos interesses patrimoniais do Estado
Comentário: Pelo contrário, os interesses patrimoniais do Estado vão ficar sujeitos a mais riscos.

Relevância estratégica do sector de pasta e papel em Portugal, assumindo-se como uma indústria com elevado potencial de desenvolvimento futuro e onde Portugal apresenta vantagens competitivas
Comentário: Este objectivo falhou. O país vai fazer um investimento do ordem dos 900 milhões de euros em Espanha, França e Itália. Se a escolha é racional, temos que concluir que é nestes países que estão as vantagens competitivas.
Este investimento em nada beneficia a economia nacional nem o bem-estar das populações.
Por outro lado, está bem expresso que este objectivo da reprivatização se referia ao desenvolvimento da indústria de pasta e papel em Portugal.

Garantia da prossecução dos planos de reestruturação e reorganização operativa do Grupo Portucel/Soporcel, permitindo um estruturação eficaz do sector florestal;
Comentário: Os investimentos em causa não dão, por si, qualquer garantia da prossecução dos planos de reestruturação e reorganização operativa do Grupo Portucel/Soporcel. No que respeita ao sector florestal o efeito é desprezável, dado o pequeno acréscimo de floresta trazido pela Invescaima e a colaboração já existente neste campo.

Maior independência através de uma escala operacional acrescida, garantindo uma maior quota de mercado posterior à operação.;
Comentário: Talvez maior independência; talvez maiores riscos — só o futuro o dirá. Maior quota de mercado é uma leitura incorrecta. De facto, a Portucel adquire, mas só quando comprar as restantes acções do AGRUPAMENTO;.uma quota em novo mercado.



IX

Analisemos agora, através de comentários, os critérios de selecção da proposta vencedora definidos no nº 4 do artigo 3º e vejamos em que medida são cumprido pela proposta do AGRUPOAMENTO INVESCAIMA/LECTA.

1º Critério:
Reforço da identidade empresarial e da competitividade internacional da PORTUCEL; SA, em segmentos do mercado de pasta e do papel.

Comentário Quanto à identidade empresarial já falamos atrás; quanto ao reforço da competitividade internacional da PORTUCEL, SA. não se vislumbra razão para qualquer acréscimo consequente da reprivatização, tal como se apresenta neste momento, e das aquisições que, quase fatalmente, se lhes seguirão.

2º Critério:
Acréscimo de autonomia através da criação de um superior escala operacional, garantindo o crescimento da quota de mercado posteriormente à operação, em virtude da maior dimensão.

Comentário: Gostava de saber que há algum estudo idóneo que aponte no sentido de haver uma elevada probabilidade de que, em virtude da maior dimensão, haverá crescimento do somatório das actuais quotas de mercado (Portucel + Lecta).
Pouco provável!.

3º Critério:
Reforço da capacidade operacional da PORTUCEL, SA potencializando a criação de valor decorrente de níveis superiores de eficiência.

Comentário: Não haverá sinergias significativas, dizem os consultores contratados pela Secretaria de Estado da Finanças e Tesouro.
É altamente provável que não haja, como resultado da reprivatização feita como propõem o AGRUPAMENTO INVESCAIMA/LECTA e o Conselho de Administração da PORTUCEL, SGPS, os esperados níveis superiores de eficiência.
Mais uma vez a pergunta indiscreta – Algum técnico independente e idóneo estudou o assunto?

4º Critério:
Garantia da continuação do plano de desenvolvimento industrial em território nacional, desenvolvendo o sector de pasta e papel, no qual Portugal tem um elevado potencial de desenvolvimento futuro e apresenta vantagens competitivas.

Comentário: Aqui está a questão fundamental de todo o presente processo de reprivatização.
Espanha, França e Itália, propõe o AGRUPAMENTO INVESCAIMA/LECTA (está no seu papel).
Os responsáveis aplaudem.!
O país estagna.

Há mais três critérios, mas ficamos por aqui!

Se o que está dito não chega para nos fazer pensar…abandonemos a esperança e emigremos para o fim do mundo!



X



Portugal tem um sector— pasta e papel — em que apresenta reconhecidas vantagens competitivas.

O país precisa de desenvolvimento económico; o Governo esforça-se por atrair e reter o investimento estrangeiro...

...mas, simultaneamente, esse mesmo Governo promove e acarinha um extravagante e arriscado modelo de privatização que, interpretado, na sua execução, de forma perversa, se não for travado pelo Conselho de Ministros, conduzirá a um investimento português em Espanha, Itália e França na ordem dos 900 000 000 (*) de euros.

Agravada a situação por se tratar de um investimento de interesse duvidoso para a PORTUCEL e danoso para o país.

Estou certo que o Governo não ensandeceu! Está é mal informado...



06-10-2003

Vicente Pinto

(*)
Para se avaliar da enormidade desta verba basta saber que, em 31-12-2001, o capital próprio do Grupo Portucel Soporcel era de 994 000 000 de euros.
Este investimento feito em Portugal permitiria criar milhares de postos de trabalho, dinamizando toda a fileira a montante e favorecendo, também significativamente, o interior do país.
As empresas do Grupo Lecta ocupam 4500 trabalhadores; as do Grupo Portucel/Soporcel 2000.


não há sinergias...
Vicente Pinto
 


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