Já agora...
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É bem óbvio que o post é mais um ditado pela filiação partidária. O que, de resto, vai de encontro ao argumento central do post inicial do JAS: que a indignação era indignante, pois só existia por o visado ser um político, não tendo existido antes com os outros arguidos no mesmo processo.
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Porque será?
Porque será que determinados assuntos quando são tratados com elevação e linguagem correcta não atraem uma quantidade de individuos com hurras, sublinhando passagens e dando respostas trauliteiras?
Será efeito de cinco décadas de ditadura salazarista?
Será efeito de cinco décadas de ditadura salazarista?
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Já agora...
e visto que aqui cabe tudo, aqui vai, com a devida vénia, de Nicolau Santos:
Basta de hipocrisia
Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, anarquistas de origem italiana que emigraram para os Estados Unidos, foram, nos anos 50, acusados de ter assassinado um polícia e, por isso, condenados à morte na cadeira eléctrica. De nada valeram as inúmeras provas de que as testemunhas não eram credíveis, de que o júri foi escolhido a dedo e manipulado e que os factos não coincidiam com os actos dos réus. No dia em que foram transferidos para a cadeia onde acabaram por ser executados, Nicola Sacco escreveu uma carta ao seu filho, que terminava assim: «E lembra-te meu filho, quando estiveres alegre, não guardes essa alegria só para ti».
Perante a prisão preventiva do dirigente socialista Paulo Pedroso são muitas as vozes a pedir contenção e serenidade, a dizer que é necessário confiar na Justiça e no sistema judicial. O ministro de Estado e da Defesa, Paulo Portas, citado pelo «Público», afirma que não se pode contribuir para descredibilizar as instituições. O ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Bagão Félix, lembra que não se pode esquecer as crianças vítimas de pedofilia e centrar as atenções só nos arguidos. E o deputado do PSD, Cruz Silva, ainda não aceitou depor pessoalmente no processo sobre o alegado «saco azul» na Câmara de Águeda, mas votou favoravelmente a suspensão da imunidade de Paulo Pedroso, para este poder ser ouvido pelo juíz encarregue do processo da pedofilia.
Convém assim que se diga o seguinte:
1) A pedofilia é um crime asqueroso, que lavrou na sociedade portuguesa durante 30 anos, debaixo do nariz de políticos, juízes e jornalistas, sem que nada tivesse sido feito. Minto. Nos anos 80, o jornalista Luís Marques denunciou o caso no «Tal e Qual». Nada aconteceu. E mesmo para Bagão Félix, um homem íntegro, honrado, acima de qualquer suspeita e que eu muito aprecio, foi preciso o «clic» de uma investigação jornalística do EXPRESSO e da SIC para o alertar para o terror que se vivia na Casa Pia. O que quer dizer, para não haver equívocos, que os políticos não funcionaram de todo neste caso – e durante três dezenas de anos. Mas a Justiça não só não funcionou, como conseguiu que os processos que sobre este assunto foram parar às mãos de alguns dos seus pares adormecessem piedosamente nos arquivos da corporação ou se volatizassem mesmo através de mão sinistra. E é bom lembrar isto para que alguns juízes não se façam agora de virgens ofendidas. Se tivessem actuado quando puderam, ter-se-ia certamente poupado muita dor aos meninos da Casa Pia e o escândalo não teria chegado onde chegou.
2) A Justiça comete erros nos Estados Unidos e na Inglaterra. Não tenhamos dúvidas que, em Portugal, comete mais e maiores. A reforma da Justiça é, aliás, uma das mais reclamadas desde há vários anos, por forma a possibilitar um melhor funcionamento da sociedade portuguesa. E não serve os juízes dizerem que se limitam a aplicar as leis criadas pelos políticos, porque eles sabem mobilizar-se e com grande eficácia, quando estão em jogo os seus interesses, como vencimentos ou pensões de reforma. Mas não conheço nenhum debate em que os juízes tenham, por exemplo, vindo alertar para o tempo excessivo da prisão preventiva em Portugal ou a necessidade de reparar quem seja detido e depois acabe por sair sem qualquer acusação. Por isso, porque é que não se pode pôr em causa a bondade das decisões agora tomadas ou a fragilidade de alguns dos argumentos utilizados para colocar Paulo Pedroso em prisão preventiva? Numa sociedade democrática os juízes não estão acima do julgamento dos cidadãos. E o dom da infalibidade, na Terra, que eu saiba é do uso exclusivo do Papa.
3) É estranho, muitissimo estranho, que Paulo Pedroso, sobre quem nunca tinham pairado suspeitas nesta matéria, seja detido, quando outras personalidades sobre as quais correm os mais desencontrados rumores há longos meses continuem em liberdade. É estranho, muitissimo estranho, que os factos de que é acusado tenham ocorrido nos anos em que foi ministro do Trabalho, quando se está muito mais exposto e controlado. É estranho, muitissimo estranho que o juíz não tenha percebido as semelhanças fisionómicas que existem entre Pedroso e o advogado Hugo Marçal. É estranho, muito estranho que o juíz interrogue durante 14 horas Pedroso, que interrompa durante duas horas para ir ouvir as gravações telefónicas desse dia e que decida a prisão com base na possível actuação de amigos influentes de Pedroso, como Ferro Rodrigues e António Costa. E é de um ridículo que mata que Pedroso tenha supostamente feito um pedido para contratar jovens para um encontro e, pelo meio, tenha referido o nome de Ferro Rodrigues – ou então que este, não praticando, tenha assistido às práticas pedófilas. Só mentes persecutórias ou desequilibradas podem acreditar em tal enredo.
4) É nestas matérias que se vê bem a diferença entre esquerda e direita, entre a dignidade de uns e a cobardia de outros, entre a moral dos que a praticam e a dos que só a pregam. Paulo Pedroso podia ter mantido a imunidade parlamentar. Não o fez. Prontificou-se de pronto a prescindir desse escudo protector e a submeter-se a um calvário que o abala profundamente, pessoal e politicamente. Mas Paulo Portas, que vem agora dizer, de forma compungida, que é preciso confiar na Justiça e no sistema judicial, utilizou a faculdade de prestar depoimento por escrito no caso Moderna para não ir a tribunal. E os cidadãos continuam a não perceber, face ao volume de contradições que todos os dias colocam em causa as declarações do ministro da Defesa, porque é que este não é constituído arguido naquele processo. Ao mesmo tempo, o PSD aceitou também que o seu deputado Cruz Silva respondesse por escrito ao Tribunal de Águeda num processo em que é acusado do crime de peculato por ter constituído um «saco azul» quando foi presidente da Câmara de Águeda. A situação parece que está agora a incomodar a maioria, sobretudo depois da prisão de Paulo Pedroso e da forma, digna e honrada de quem acredita que está inocente, como actuou.
5) Os juízes são homens como os outros. Uns melhores, outros piores. Uns mais bem preparados, outros medíocres. Uns bem formados moralmente, outros mal formados. Pelos vistos, no processo de pedofilia também estão indiciados três magistrados de tribunais superiores. E se algum deles tomou decisões que afectaram profundamente a vida de um ou mais cidadãos? E se o fez com base nos seus próprios traumas e na sua má relação com o mundo? Será que não há juízes que se casam, têm filhos, divorciam-se, entram em litígio com o cônjuge, levam o caso até ao Supremo, processam o advogado da mulher por este ter conseguido a tutela dos filhos para a esposa, vivem sozinhos em casa com duplas fechaduras? Há, certamente. Poucos, mas há. E se tivermos o azar de ser um dia julgados por eles? Se a raiva deles se transferir para nós? Isso é Justiça?
6) Na homenagem de que foi alvo a semana passada, o economista Silva Lopes disse que defendia a moderação salarial para evitar o aumento do desemprego. E que ao fazer isso, disse-o com emoção, estava a ser de esquerda. Há muito que descobri que nem todos os homens bons estão à esquerda e todos os maus à direita ou vice-versa. Mas termino com o poema de uma grande poetisa que sempre teve o coração à esquerda, Sophia de Mello Breyner Andresen: «Nunca choraremos bastante/ quando vemos o gesto criador ser impedido/ Nunca choraremos bastante/ quando vemos que quem ousa lutar é destruído/ Por troças, por insídias, por venenos/ e por outras maneiras que sabemos/ tão sábias, tão subtis e tão peritas/ que não podem sequer ser bem descritas».
26 Maio 2003
Fonte: Expresso online
Basta de hipocrisia
Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti, anarquistas de origem italiana que emigraram para os Estados Unidos, foram, nos anos 50, acusados de ter assassinado um polícia e, por isso, condenados à morte na cadeira eléctrica. De nada valeram as inúmeras provas de que as testemunhas não eram credíveis, de que o júri foi escolhido a dedo e manipulado e que os factos não coincidiam com os actos dos réus. No dia em que foram transferidos para a cadeia onde acabaram por ser executados, Nicola Sacco escreveu uma carta ao seu filho, que terminava assim: «E lembra-te meu filho, quando estiveres alegre, não guardes essa alegria só para ti».
Perante a prisão preventiva do dirigente socialista Paulo Pedroso são muitas as vozes a pedir contenção e serenidade, a dizer que é necessário confiar na Justiça e no sistema judicial. O ministro de Estado e da Defesa, Paulo Portas, citado pelo «Público», afirma que não se pode contribuir para descredibilizar as instituições. O ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Bagão Félix, lembra que não se pode esquecer as crianças vítimas de pedofilia e centrar as atenções só nos arguidos. E o deputado do PSD, Cruz Silva, ainda não aceitou depor pessoalmente no processo sobre o alegado «saco azul» na Câmara de Águeda, mas votou favoravelmente a suspensão da imunidade de Paulo Pedroso, para este poder ser ouvido pelo juíz encarregue do processo da pedofilia.
Convém assim que se diga o seguinte:
1) A pedofilia é um crime asqueroso, que lavrou na sociedade portuguesa durante 30 anos, debaixo do nariz de políticos, juízes e jornalistas, sem que nada tivesse sido feito. Minto. Nos anos 80, o jornalista Luís Marques denunciou o caso no «Tal e Qual». Nada aconteceu. E mesmo para Bagão Félix, um homem íntegro, honrado, acima de qualquer suspeita e que eu muito aprecio, foi preciso o «clic» de uma investigação jornalística do EXPRESSO e da SIC para o alertar para o terror que se vivia na Casa Pia. O que quer dizer, para não haver equívocos, que os políticos não funcionaram de todo neste caso – e durante três dezenas de anos. Mas a Justiça não só não funcionou, como conseguiu que os processos que sobre este assunto foram parar às mãos de alguns dos seus pares adormecessem piedosamente nos arquivos da corporação ou se volatizassem mesmo através de mão sinistra. E é bom lembrar isto para que alguns juízes não se façam agora de virgens ofendidas. Se tivessem actuado quando puderam, ter-se-ia certamente poupado muita dor aos meninos da Casa Pia e o escândalo não teria chegado onde chegou.
2) A Justiça comete erros nos Estados Unidos e na Inglaterra. Não tenhamos dúvidas que, em Portugal, comete mais e maiores. A reforma da Justiça é, aliás, uma das mais reclamadas desde há vários anos, por forma a possibilitar um melhor funcionamento da sociedade portuguesa. E não serve os juízes dizerem que se limitam a aplicar as leis criadas pelos políticos, porque eles sabem mobilizar-se e com grande eficácia, quando estão em jogo os seus interesses, como vencimentos ou pensões de reforma. Mas não conheço nenhum debate em que os juízes tenham, por exemplo, vindo alertar para o tempo excessivo da prisão preventiva em Portugal ou a necessidade de reparar quem seja detido e depois acabe por sair sem qualquer acusação. Por isso, porque é que não se pode pôr em causa a bondade das decisões agora tomadas ou a fragilidade de alguns dos argumentos utilizados para colocar Paulo Pedroso em prisão preventiva? Numa sociedade democrática os juízes não estão acima do julgamento dos cidadãos. E o dom da infalibidade, na Terra, que eu saiba é do uso exclusivo do Papa.
3) É estranho, muitissimo estranho, que Paulo Pedroso, sobre quem nunca tinham pairado suspeitas nesta matéria, seja detido, quando outras personalidades sobre as quais correm os mais desencontrados rumores há longos meses continuem em liberdade. É estranho, muitissimo estranho, que os factos de que é acusado tenham ocorrido nos anos em que foi ministro do Trabalho, quando se está muito mais exposto e controlado. É estranho, muitissimo estranho que o juíz não tenha percebido as semelhanças fisionómicas que existem entre Pedroso e o advogado Hugo Marçal. É estranho, muito estranho que o juíz interrogue durante 14 horas Pedroso, que interrompa durante duas horas para ir ouvir as gravações telefónicas desse dia e que decida a prisão com base na possível actuação de amigos influentes de Pedroso, como Ferro Rodrigues e António Costa. E é de um ridículo que mata que Pedroso tenha supostamente feito um pedido para contratar jovens para um encontro e, pelo meio, tenha referido o nome de Ferro Rodrigues – ou então que este, não praticando, tenha assistido às práticas pedófilas. Só mentes persecutórias ou desequilibradas podem acreditar em tal enredo.
4) É nestas matérias que se vê bem a diferença entre esquerda e direita, entre a dignidade de uns e a cobardia de outros, entre a moral dos que a praticam e a dos que só a pregam. Paulo Pedroso podia ter mantido a imunidade parlamentar. Não o fez. Prontificou-se de pronto a prescindir desse escudo protector e a submeter-se a um calvário que o abala profundamente, pessoal e politicamente. Mas Paulo Portas, que vem agora dizer, de forma compungida, que é preciso confiar na Justiça e no sistema judicial, utilizou a faculdade de prestar depoimento por escrito no caso Moderna para não ir a tribunal. E os cidadãos continuam a não perceber, face ao volume de contradições que todos os dias colocam em causa as declarações do ministro da Defesa, porque é que este não é constituído arguido naquele processo. Ao mesmo tempo, o PSD aceitou também que o seu deputado Cruz Silva respondesse por escrito ao Tribunal de Águeda num processo em que é acusado do crime de peculato por ter constituído um «saco azul» quando foi presidente da Câmara de Águeda. A situação parece que está agora a incomodar a maioria, sobretudo depois da prisão de Paulo Pedroso e da forma, digna e honrada de quem acredita que está inocente, como actuou.
5) Os juízes são homens como os outros. Uns melhores, outros piores. Uns mais bem preparados, outros medíocres. Uns bem formados moralmente, outros mal formados. Pelos vistos, no processo de pedofilia também estão indiciados três magistrados de tribunais superiores. E se algum deles tomou decisões que afectaram profundamente a vida de um ou mais cidadãos? E se o fez com base nos seus próprios traumas e na sua má relação com o mundo? Será que não há juízes que se casam, têm filhos, divorciam-se, entram em litígio com o cônjuge, levam o caso até ao Supremo, processam o advogado da mulher por este ter conseguido a tutela dos filhos para a esposa, vivem sozinhos em casa com duplas fechaduras? Há, certamente. Poucos, mas há. E se tivermos o azar de ser um dia julgados por eles? Se a raiva deles se transferir para nós? Isso é Justiça?
6) Na homenagem de que foi alvo a semana passada, o economista Silva Lopes disse que defendia a moderação salarial para evitar o aumento do desemprego. E que ao fazer isso, disse-o com emoção, estava a ser de esquerda. Há muito que descobri que nem todos os homens bons estão à esquerda e todos os maus à direita ou vice-versa. Mas termino com o poema de uma grande poetisa que sempre teve o coração à esquerda, Sophia de Mello Breyner Andresen: «Nunca choraremos bastante/ quando vemos o gesto criador ser impedido/ Nunca choraremos bastante/ quando vemos que quem ousa lutar é destruído/ Por troças, por insídias, por venenos/ e por outras maneiras que sabemos/ tão sábias, tão subtis e tão peritas/ que não podem sequer ser bem descritas».
26 Maio 2003
Fonte: Expresso online
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