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Crise e ajustamento na economia portuguesa

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Crise e ajustamento na economia portuguesa

por TRSM » 7/6/2004 14:30

Crise e ajustamento na economia portuguesa
amend@iseg.utl.pt
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Na sua mais recente passagem por Portugal o conceituado economista americano Paul Krugman referiu-se à crise actual por que passa a economia portuguesa como sendo a expressão de um doloroso processo de ajustamento que deverá prolongar-se ainda por bastante tempo.
Na sua mais recente passagem por Portugal o conceituado economista americano Paul Krugman referiu-se à crise actual por que passa a economia portuguesa como sendo a expressão de um doloroso processo de ajustamento que deverá prolongar-se ainda por bastante tempo.

São conhecidas as reservas com que uma parte significativa dos economistas americanos olham para o processo de integração europeia e particularmente para o modo como, mais recentemente, a moeda única foi introduzida. Descontadas as observações que relevam de posições sobranceiras ou defensoras da hegemonia económica americana no mundo, é inquestionável que as análises dos nossos colegas do outro lado do atlântico merecem toda a consideração, sobretudo por serem feitas por quem se encontra de fora e tem como termo de comparação um caso bem sucedido de integração económica aos mais diferentes níveis, como é o dos Estados Unidos.

Estas observações aplicam-se com toda a propriedade a Paul Krugman que, não só teve a oportunidade de acompanhar de perto a economia portuguesa numa fase crucial da sua evolução recente, como tem acompanhado com particular atenção o desenvolvimento do processo de integração na Europa, tendo dele uma visão que não deixa de se opôr à posição oficial da Comissão Europeia.

Fundamentando as suas análises na teoria do comércio internacional e na afirmação das economias de escala, Krugman defende que os países que integram uma união monetária têm tendência a especializar-se de acordo com as suas vantagens comparativas levando a uma concentração de actividades no espaço de integração. É o chamado paradigma da especialização: os países têm tendência a tornar-se menos diversificados, do ponto de vista das suas estruturas produtivas, ficando mais vulneráveis aos choques da oferta. É uma situação que não deixa de ser paradoxal uma vez que os países que constituem uma união monetária veriam diminuir progressivamente as condições que deram origem a essa união, até ao limite da plena especialização e da negação da própria união monetária.

Para além de factores específicos, a crise económica portuguesa poderia ser interpretada à luz da verificação deste paradigma, como uma expressão particular e localizada dum processo mais vasto de restruturação económica geral no espaço da União Europeia, induzido pela moeda única e acentuado pelo mais recente alargamento à Europa do Centro e do Leste.

Como é óbvio, esta análise deve ser confrontada com o paradigma alternativo, segundo o qual a moeda única incentiva o comércio recíproco, a integração económica e financeira e a sincronização dos ciclos económicos criando, inclusive, as condições para uma união política. Mesmo não existindo à partida todas as condições para a introdução da moeda única estas seriam criadas ex-post pelo desenvolvimento endógeno do próprio processo. Ao contrário da perspectiva de Krugman, os países que enveredam por uma união monetária veriam reforçarem-se progressivamente todas as condições que determinaram essa opção.

Mas, também neste caso, as forças desencadeadas pela introdução da moeda única não deixariam de impulsionar processos de mudanças estruturais profundas que afectariam assimetricamente as economias dos diferentes países da União, de acordo com as condições e as características económicas de partida, podendo, de igual modo, a crise portuguesa ser compreendida como uma expressão particular de todo este processo.

Seja qual for a perspectiva que se considere (a validade de qualquer delas é uma questão empírica ainda por confirmar), a verdade é que não podemos deixar de olhar para a crise económica que o país atravessa como algo que está muito para além de uma mera flutuação da actividade económica, semelhante a outras que se verificaram no passado e à qual se seguirá, inevitavelmente, um novo período de expansão. Esta crise é muito mais profunda e constitui, a nosso ver, a primeira grande expressão da desadaptação das estruturas económicas e produtivas portuguesas face às dinâmicas em curso da integração europeia. Trata-se, efectivamente, do primeiro grande choque sobre a economia portuguesa resultante das mudanças estruturais que estão a ocorrer no espaço económico europeu de integração, em resultado da introdução da moeda única e do mais recente alargamento a leste, e que é ampliado nos seus efeitos pelas condições actuais da economia mundial e pela utilização mínima, quando não contraproducente, dos instrumentos de política macroeconómica.

Tendo em conta as forças em presença e a complexidade que deriva das modalidades actuais de integração da economia portuguesa na economia europeia e na economia internacional, não é fácil encontrar respostas para os problemas que se manifestam no plano do crescimento e da convergência da economia portuguesa, face aos seus principais parceiros. Todavia, duas atitudes maiores são possíveis de serem concebidas.

Uma primeira é ficar à espera que a economia europeia arranque e que, por arrasto, leve atrás de si a economia portuguesa, abandonando às forças de mercado a determinação das condições em que se processará a restruturação dos seus sectores produtivos e a sua nova inserção na economia europeia e internacional. É uma alternativa que poderá permitir a recuperação do crescimento económico mas que não deixará de acentuar todas as fragilidades da economia portuguesa podendo significar, a prazo, a anulação de toda a capacidade endógena de inovação e de dinamização económica.

Uma segunda atitude é acreditar que, não obstante todos os constrangimentos decorrentes da participação na União Europeia e na zona-euro, é possível ter um papel activo na escolha das opções que se oferecem à restruturação económica e empresarial, impostas pelas dinâmicas da integração europeia e da globalização, e que isso passa, necessariamente, pela reelaboração de uma estratégia de desenvolvimento que conjugue a pertença e empenho na construção do projecto europeu com a afirmação de uma capacidade e de um espaço próprio de intervenção e de decisão.

Esta segunda alternativa passa, necessariamente, pela reabilitação da macroeconomia e da política económica na sua dimensão mais nobre, não apenas no plano nacional, onde as suas limitações são evidentes, mas também no plano mais alargado do espaço de integração económica e monetária, explorando todas as potencialidades que estão associadas à gestão integrada de uma grande economia e de uma moeda comum. Nesta matéria, sem dúvida, temos muito a aprender com os nossos colegas americanos.


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